sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Isso é...


Ordeira uma pinoia

Sacada do Charles Henrique Voos em resposta à campanha
#issoéjoinville, que dominou redes sociais e imprensa local
POR FELIPE SILVEIRA

Depois da repercussão negativa na mídia nacional (e até mesmo internacional) causada pela briga entre torcedores de Atlético-PR e Vasco na Arena, a cidade de Joinville buscou refúgio no seu mais forte clichê: somos uma cidade ordeira e trabalhadora.

As redes sociais e a imprensa local foram tomadas por uma onda ufanista, preconceituosa, xenófoba e ridícula, reforçando que a violência é coisa do outro, do “de fora”, tentando dizer que aqui não fazemos nada disso. O prefeito chegou a dizer que o “episódio que aconteceu na Arena não envolveu joinvilenses. Nosso povo é cordial, educado e forte. O mundo saberá reconhecer”. Esse “cordial, educado e forte” é a revitalização do discurso martelado nos joinvilenses desde que nasceram: somos um povo ordeiro e trabalhador.

Não vou discutir ou tentar mostrar aqui que somos tão violentos quanto outros. Isso seria chover no molhado e o Clóvis Gruner já falou o que tinha para ser falado sobre esse tipo de violência. A discussão que me interessa aqui é sobre outra violência, que se perpetua por meio desse discurso nojento de ordem e progresso, que se esconde na campanha “#issoéjoinville”, nas falas do prefeito e nas chamadas dos jornais que insistem em não fazer jornalismo.

Violência histórica e atualizada

Nos anos 20 e 30 a ordeira e pacata cidade de Joinville viveu momentos muito intensos de lutas de trabalhadores – no campo e na cidade. Foram diversas greves, manifestações e outros conflitos que foram sufocadas pela violência do Estado, seja pelo uso da força ou pela violência do jogo do poder econômico. Além disso, a coação e coerção de Getúlio Vargas aos trabalhadores do Brasil jogou a pá de cal sobre os movimentos de luta no Brasil, que passou a viver no submundo.

De lá pra cá essa violência se perpetuou e se consolidou no discurso da ordem e do trabalho, utilizando dos mais variados recursos com maior e menor intensidade, de acordo com a necessidade da classe dominante.
E foi exatamente isso que aconteceu na última semana, quando um militante do Movimento Passe Livre (MPL) de Joinville foi processado por participar de uma manifestação no dia 14 de agosto de 2013, na reunião do Conselho da Cidade que ocorria na Sociedade Harmonia Lyra, no centro de Joinville. O motivo do processo é uma porta que supostamente teria sido quebrada quando tentaram impedir a entrada dos manifestantes no local onde ocorria uma reunião de caráter público,   e, portanto, aberta ao público. O militante que assinou o termo circunstanciado para colaborar com a polícia, que não sabia quem quebrou a porta (pode ter sido um segurança da elite), foi intimado.

É fundamental que todos leiam esse texto publicado no blog do MPL, mas copio abaixo um trecho para deixar claro o que isso tem a ver com este texto:

“É uma tentativa de criminalização, que assola os movimentos sociais, não somos os únicos nem os primeiros. O fato é que o poder político e econômico tenta criminalizar os movimentos sociais porque a população buscou opinar dentro de espaços da elite joinvilense, como o Conselho da Cidade, e a própria Sociedade Harmonia Lyra, e tanto parece incomodar essa classe que visa enriquecer em detrimento do sofrimento do povo.”

Está claro, não? Diante da circunstância o poder econômico utiliza de todas as suas ferramentas. Ao longo da história do mundo já mandou sequestrar, matar, estuprar... e com alguma frequência. Descobriu-se, também nessa semana, que a ditadura civil-militar (lixos no poder de 64 a 85) mandou matar Juscelino Kubitschek, viram?

E o que isso tem a ver com o discurso de cidade ordeira e trabalhadora?

Se você não consegue ver, meu amigo...

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A violência nossa de cada dia


POR CLÓVIS GRUNER

A Arena Joinville foi palco, no último domingo, de mais um episódio de violência envolvendo torcedores – neste caso, do Atlético Paranaense e do Vasco da Gama. Em entrevista, Udo Dohler afirmou que impedirá o empréstimo da Arena para novos jogos do time curitibano, que só neste ano perdeu duas vezes o mando de campo por conta de ocorrências envolvendo a violência dos torcedores. Agiu certo o prefeito. O problema, no entanto, é maior e mais complexo, acredito. E é preciso observá-lo sob outras perspectivas.

Soube ontem que o Ministério Público catarinense entrou no início de dezembro com pedido de interdição do estádio, alegando que a estrutura do lugar é precária para receber eventos esportivos. Não me surpreende: esta não é a única “grande obra” joinvilense entregue às pressas e precariamente concluída, e a decisão do MP apenas torna público o que é já do conhecimento comum da maioria da população local. Há ainda a imagem do país no exterior, bastante comprometida com o ocorrido, e a menos de um ano da Copa do Mundo. Depois de domingo, a Fifa afirmou que durante o mundial tais cenas não se repetirão, pois o “padrão Fifa de segurança” é diferente do Brasileirão. Pode ser verdade, mas o estrago está feito e dificilmente a imagem do país e de seus torcedores será integralmente reabilitada.

Mas isto não me parece, ainda, o pior. Desde os anos de 1980, quando a violência entre torcidas aumentou significativamente, 234 mortes entre torcedores já foram registradas, segundo o El País. Só neste ano, 30 pessoas morreram em conflitos nos estádios de futebol. Na briga de domingo felizmente não houve mortos, mas dos quatro torcedores feridos um segue internado em Joinville. Outros seis foram e continuam detidos. Há algo realmente preocupante na relação entre torcedores e seus times quando ela justifica o recurso à violência extrema. As explicações usuais normalmente apelam às razões econômicas ou se esforçam em “psicologizar” e naturalizar  a questão. Nenhuma delas, a meu ver, oferece respostas satisfatórias.

A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA – Há algo de performático na violência que parece fazer sentido aqueles que a praticam, como se a agressão ao outro reforçasse os laços de pertencimento à pequena comunidade das torcidas organizadas. Neste aspecto, ela é parte constitutiva da identidade do grupo – ou de parte dele – e independe da condição social e econômica (um dos agressores identificados é ex-vereador em Curitiba e ocupava cargo de primeiro escalão no governo estadual); nem tampouco se mede por critérios que se pretendam “naturais” ou “psicológicos” (a maioria dos torcedores não é violenta fora do grupo e em outros contextos que não os que envolvem o futebol).

De maneira muito peculiar e caótica, a violência é também uma forma de confrontar as autoridades instituídas – administradores públicos, justiça, polícia, “cartolas”. Talvez o melhor exemplo disso seja o descolamento entre os discursos dos dirigentes das torcidas organizadas e as práticas de muitos torcedores. Enquanto os primeiros negam e condenam a violência, inclusive colaborando com a investigação policial, os segundos seguem praticando-a, indiferentes ao que dizem e fazem seus supostos representantes.     

Além disso, os acontecimentos nos estádios acompanham um processo de banalização cotidiana da violência, que não é apenas física: há violência no desaparecimento de Amarildo; no autoritarismo policial; nos “governos paralelos” instituídos pelo crime organizado dentro e fora das cadeias, principalmente nas periferias das grandes cidades; etc... Mas há igualmente violência quando um humorista agride uma internauta e conclama seus seguidores a fazer o mesmo, indiferente seja à assimetria entre sua posição e influência midiáticas e a de sua interlocutora, seja ao conteúdo da crítica que lhe foi dirigida e sua resposta, que está muitos níveis abaixo do que pode ser classificado como grosseria.

São óbvias as razões que levam a maioria de nós a acusar a gravidade do que ocorreu domingo, na Arena Joinville, em relação a episódios considerados mais “comezinhos”. Mas eles estão ligados, entre outras coisas, pela crescente e perigosa insensibilidade que estamos a desenvolver para com muitas formas de violência que não a criminosa – e mesmo em relação a essa tendemos a achar que a solução está simplesmente no aumento da força policial e na ampliação do número de vagas nas penitenciárias. Não estou homogeneizando a violência. Mas afirmando que nossa atenção demasiada e isolada a algumas de suas manifestações, que caminha na direção inversa à crescente indiferença para com outras, não produz soluções. Antes, agrava o problema e nos torna a todos responsáveis.    
 

Um chegada e tanto

ET BARTHES

Para quem gosta de automobilismo, talvez a mais interessante chegada de todos os tempos.