POR CLÓVIS GRUNER
Não fazia ideia de quem era Danilo Conti há até poucos dias.
Seu nome entrou no meu radar por conta de um comentário publicado em sua página
no Facebook no dia 01 de maio. Nele, Conti parabenizava a todos que, como ele,
sobrevivem sem o Bolsa Família. “Hoje o dia é nosso!”, congratulava-se com
aqueles que considera seus iguais: os que trabalham e labutam – não há outra
interpretação possível – ao invés de viverem das esmolas atiradas aos parasitas
sociais pelo governo por meio de programas como o Bolsa Família.
Conti, descobri depois, é um jovem empresário joinvilense
que, até 2015, presidia o Núcleo de Jovens Empresários da Acij, de onde saiu
para assumir a Secretaria de Integração e Desenvolvimento Econômico, nomeação
devidamente chancelada pela entidade, segundo a coluna “Livre Mercado” de A
Notícia. Se não chega a ser uma novidade – afinal, Udo Döhler também foi eleito
com a chancela da Acij, entidade cujos interesses e expectativas estão acima
dos da cidade há várias gestões –, surpreende o quanto, apesar de pertencer a
uma nova geração de empreendedores, Danilo Conti parece não se diferenciar
substancialmente de seus predecessores.
No site de sua agência, a iZi, em meio ao trivial (cases de sucesso, relação de
clientes atendidos, etc...) um pequeno amontoado de textos, abrigados sob o
lamentável título “Filosofada”, revelam um publicitário e empresário que
acredita no poder da autoajuda e na capacidade criativa e transformadora das
garagens, entre outras coisas. Mas ser crédulo e careta, no fim das contas, não
deixa de ser em parte uma escolha, e Conti está longe de ser o único a
confundir literatura de autoajuda com filosofia – ou “filosofada”, segundo ele.
Mas enfim...
O problema é quando esse publicitário e empresário se torna
uma pessoa pública (no duplo sentido: porque ocupa um cargo público e porque
desempenha uma função política e, logo, pública), e nesta condição decide
reproduzir mentiras baseado tão somente em sua ignorância e seu preconceito. Especialmente
sobre um tema sobre o qual há muita informação séria disponível, oficial ou
não, a apenas um clique de distância. Nesse sentido, as duas linhas de Conti no
Facebook valem por um textão, na linguagem das redes. E merecem um textão como
resposta.
O primeiro e o menor dos equívocos de Conti é confundir o BF
com seguro desemprego. Qualquer um hoje, mesmo o mais ignorante,
sabe que isso é mentira, e só a desonestidade e a má fé do secretário explicam
a “confusão”. Mas, como falei, esse é dos equívocos, o menor. Desde que foi
criado, em 2003, o BF foi responsável pela diminuição no número de brasileiros
vivendo em situação de pobreza extrema, que caiu de 12 para aproximadamente
4,5% na primeira década do programa. Diminuíram igualmente as taxas de
analfabetismo e mortalidade infantil. O resultado é altamente positivo se
levarmos em conta o volume total de investimentos públicos, algo em torno de
0,5% do PIB nacional, para atender cerca de 14 milhões de famílias. Mesmo as
recentes irregularidades encontradas em auditoria do TCU, que identificou cerca
de 160 mil famílias cadastradas com indícios de erro ou fraude, não invalidam
nem comprometem a pertinência do programa.
Acesso à renda e exercício
da cidadania – Primeiro, porque é mais fácil corrigir as distorções
encontradas do que, por exemplo, cassar o mandato de Eduardo Cunha, réu no STF
e até esta manhã, presidente da Câmara. Além disso, o prejuízo aos cofres
públicos, R$ 195 milhões, se significativo, ainda assim é muitíssimo menor do
que, por exemplo, o R$ 1 trilhão em dívidas de empresas públicas e privadas
perdoadas pelo Estado; os quase R$ 600 milhões pagos em juros aos bancos só em
2015; ou os R$ 19 bilhões sonegados por grandes corporações empresariais, como
a Rede Globo e a RBS, investigados pela convenientemente esquecida “Operação
Zelotes”.
Mas os aspectos positivos não são apenas estatísticos. O
desenho do programa, ao substituir as tradicionais “cestas básicas” por um
complemento de renda depositado diretamente na conta bancária dos beneficiados,
desenvolveu um senso de autonomia praticamente inexistente em famílias e
comunidades que viviam em situação de carência extrema. A associação entre
dinheiro e liberdade de escolha propiciou aquilo que o economista Amartya Sen
chama de “capability”, grosso modo, a oportunidae de se desenvolver novas capacidades
em condições socialmente favoráveis. De acordo com Sen, indivíduos são mais
livres à medida que tem à sua disposição mais e melhores opções de escolhas,
mas também possibilidades concretas de exercê-las.
Um bom desempenho escolar, por exemplo, depende certamente
de um conjunto de habilidades e esforços individuais, mas é preciso igualmente condições
objetivas para tanto, entre elas uma boa nutrição, escolas com infraestrutura e
professores capacitados e bem pagos. A conclusão é obvia: se a liberdade de
escolha é um dos fundamentos de qualquer sociedade democrática, o acesso à
renda é uma das condições imprescindíveis a um exercício mais pleno da
cidadania. Além disso, para Amartya Sen, há uma relação direta entre dinheiro e
desenvolvimento e liberdade individuais: além do empoderamento, o acesso à
renda contribui para novas atitudes mentais, produzindo sujeitos menos
dependentes e mais responsáveis.
No primeiro turno das últimas eleições presidenciais, os
três candidatos com chances efetivas de vitória se comprometeram a não apenas
manter o BF, mas a ampliá-lo. Mesmo Aécio Neves, de todos certamente o mais
elitista dos presidenciáveis – as outras eram Dilma Rousseff e Marina Silva –
tratou de desmentir os boatos que tentaram apresentá-lo e sua candidatura como inimigos do benefício, a colocar em risco sua continuidade. A seu favor, o senador
mineiro reivindicava projeto de sua autoria que visava, justamente, transformar
o Bolsa Família em programa de Estado, e não de governo, teoricamente
fortalecendo-o e assegurando sua continuidade independente do partido ou mandatário
de plantão.
Essas informações estão, todas, disponíveis e acessíveis. Porque, a consulta-las, o secretário de Integração e Desenvolvimento Econômico preferiu repetir preconceitos, apequenando-se e também ao município do qual é um dos administradores – e onde, aliás, cerca de sete mil famílias são beneficiárias do Bolsa Família – só se explica pelo preconceito, a ignorância (nesse caso, voluntária) e a má fé pura e simples. Tivesse uma boa assessoria, e Danilo Conti seria orientado a, publicamente, pedir desculpas pelo comentário. Na verdade, se tivesse uma boa assessoria, Conti talvez nem o fizesse. Uma pena. Porque a mim, pessoalmente, não deixa de ser interessante saber o que vai pela cabeça de quem administra a cidade e é em parte responsável pela qualidade de vida dos cidadãos que nela vivem.
Essas informações estão, todas, disponíveis e acessíveis. Porque, a consulta-las, o secretário de Integração e Desenvolvimento Econômico preferiu repetir preconceitos, apequenando-se e também ao município do qual é um dos administradores – e onde, aliás, cerca de sete mil famílias são beneficiárias do Bolsa Família – só se explica pelo preconceito, a ignorância (nesse caso, voluntária) e a má fé pura e simples. Tivesse uma boa assessoria, e Danilo Conti seria orientado a, publicamente, pedir desculpas pelo comentário. Na verdade, se tivesse uma boa assessoria, Conti talvez nem o fizesse. Uma pena. Porque a mim, pessoalmente, não deixa de ser interessante saber o que vai pela cabeça de quem administra a cidade e é em parte responsável pela qualidade de vida dos cidadãos que nela vivem.