quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sul e o Norte

POR CAROLINA PETERS

O ódio é, acima de tudo, burro.
Quando mudei para São Paulo, aos 15 anos, conseguir uma informação para chegar do ponto A ao B era quase impossível. Começa que já sou meio desorientada mesmo; que não conhecia nadica de nada da cidade; que minha cartografia catarinense não conseguia ainda dimensionar as distâncias paulistanas. E acaba que eu falava cantadinho. Antes que eu terminasse o pedido, vinha a pergunta:

-- Mas você não é daqui, né?

Eu respondia que não. E como o olhar insistia em mais informações, dizia que vinha de Santa Catarina. Floripa? Não, Joinville. Ah, mas você não fala como gaúcho.. Claro que não.

Depois da mostra de ignorância geográfica, vinha uma enxurrada de elogios às belas praias, às gentes bonitas e educadas, a qualidade de vida. Ao pedacinho de Europa, surrada e maltrapilha, mas Europa, que cultivamos como se existisse no sul do país. Mas por que razão? Por que deixar Santa Catarina?

O bom de São Paulo é que as placas são várias e não sabem ainda falar.

Por vezes, um mesmo que elogiava o meu estado vinha confessar que os migrantes do Norte eram a grande mazela de São Paulo. Aprendi que em SP, ser nordestino é xingamento, daqueles mais variados. “Baiano”, por exemplo, pode querer dizer tanto cafona quanto sujo ou mal educado. A xenofobia nunca é arbitrária ou incondicional. Alguns de fora valem menos, outros, valem mais.

Na minha primeira semana em Fortaleza, folheando o jornal, me deparo com o comentário de uma leitora sobre a sondagem eleitoral no estado do Ceará, que dava à presidenta Dilma ampla vantagem sobre Aécio e Campos - era maio: “Depois há quem reclame de ouvir dos habitantes do Sul e Sudeste que nós, nordestinos, não sabemos votar.”

Gosto muito de uma gravura feita pelo pintor uruguaio Joaquín Torres García em 1943, um mapa invertido da América do Sul. “El Sur es el Norte” é um manifesto de independência artística das escolas europeias e uma afirmação de humanidade dos habitantes do sul do globo. Meu Norte é o Sul: Uma noção que me orienta, um nacionalismo que é libertador, que busca romper com os padrões hegemônicos e produzir seus próprios paradigmas. Que não é xenófobo ou excludente. O oposto do sentimento separatista com o qual convivi em Santa Catarina e São Paulo.

Pensei em um livro que li no início desse ano, relatos de uma jornalista portuguesa que cobriu os dias que antecederam a queda do ditador Hosni Mubarak no Egito em janeiro de 2011. Lá pelas tantas, ao comentar o tratamento que a imprensa internacional dispensava ao levante popular e os posicionamentos de diversos chefes de Estado, ela escreve “para o ocidente, a vida dos outros povos pode sempre esperar”.

O Nordeste cresceu nos governos do PT. Os programas de distribuição de renda movimentaram a economia em pequenas e grandes cidades; o aumento do salário aumento o poder de compra. A economia nordestina cresce mais que a média do Brasil. O nordestino que reelege Dilma o faz por convicção e reflexão, não por ignorância.

O ódio aos homossexuais, aos negros, a misoginia, marcaram o primeiro turno nos debates. Proferidos de maneira explícita por dois candidatos menores que não valem citação, encheram a bola de Aécio, para quem fizeram linha auxiliar, colaborando para levar o tucano ao segundo turno. Apesar do desempenho pífio presidencial, o ódio mais caricato mostrou força nas disputas proporcionais e na disputa pela vaga do senado nos estados.

Na segunda volta, toma conta o ódio de classe que separa o Norte e Nordeste explorados do Sul e Sudeste beneficiários.

Este, ao menos, tem sofrido consecutivas derrotas. Pesquisas recentes e conversas entreouvidas no transporte público indicam que a percepção de que a pobreza é resultado da falta de oportunidade e da desigualdade social, não da preguiça e da vadiagem, como se dizia, tem crescido. Espero que a tendência siga.

Um comentário:

  1. Não só o Nordeste cresceu, como todo o Brasil, por que a inflação foi controlada e a economia se estabilizou com a consolidação da nova moeda. Qualquer um com mais de 25 anos e conviveu com inflação de >3.000/ano sabe disso. Lula colheu os frutos de FHC.

    Quem incentiva o ódio de classes e de cor é o marqueteiro do partido da atual presidente, basta ouvir os discursos inflamados e desconexos de Dilma dirigidos aos cidadãos nordestinos.

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