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quarta-feira, 29 de abril de 2020

A urucubaca e os heróis da direita brasileira



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

"Infeliz a nação que precisa de heróis". A frase de Bertolt Brecht, aqui num outro contexto, permite lançar uma discussão sobre o Brasil. O fato é que os brasileiros estão sempre à procura de heróis, de pessoas com poderes extraordinários que venham resolver todos os seus problemas.

O herói é, acima de tudo, alguém que estejamos prontos a seguir. E sob este aspecto o Brasil tem falhado profundamente. Tem seguido líderes vazios, despreparados e muitas vezes com problemas de caráter. É o caso de Jair Bolsonaro, por exemplo, que é considerado "mito" mais pelas sua falta de qualidades do que pelo mérito.

O tema de hoje são os heróis que o Brasil tem escolhido nos tempos mais recentes. E quase sempre no plano do bizarro, da deselegância e do vulgar, qualidades (ou falta delas) que não entram na pele de um herói. É muita urucubaca para cima do gado.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Fidel Castro e a patologia do ódio


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A morte de Fidel Castro motivou acesas discussões, como era de esperar. E quem acompanhou as reações mundo afora percebeu algo flagrante: nas democracias consolidadas, o tom do debate aqueceu, mas raramente ultrapassou os limites do aceitável; no patropi a coisa degringolou. A reacionaria não pretendeu falar na vida ou na morte do líder revolucionário cubano. Afinal, era uma oportunidade única espalhar aquele ódio pestilento que está a tornar o Brasil um lugar pouco recomendável.

Dispensável dizer que muita gente comemorou – e ainda comemora – a morte de Fidel Castro. Os suspeitos do costume. As primeiras pedras até foram lançadas pelo previsível Jair Bolsonaro, arquétipo-mor dos que pensam com o fígado. Foi de rir. O homem acusa o líder cubano de ser um "exterminador de liberdades". Eis um exemplo da insanidade endêmica que tomou conta do Brasil. Um defensor da ditadura militar acusa outro de não respeitar as liberdades individuais. Muito louco, né?

E tinha que sobrar para os “comunistas”, “socialistas” ou “esquerdistas”, seja lá isso o que for. Para os bovinos odiadores uma coisa leva a outra. As comemorações pela morte do líder cubano permitiram introduzir um “morra Lula” na semântica defunteira dessa gente doente. O ódio leva à barbárie. O Brasil está a ser asfixiado por esse desejo insano de extermínio do Outro. Quem olha para a História sabe que coisa boa nunca vem dos irracionalismos. Aliás, o ódio é tanto que teve até fogo amigo.

Muito já foi dito sobre o episódio, mas deixo esta opinião. “A morte de Fidel faz recordar, especialmente à minha geração, o papel que ele e a revolução cubana tiveram na difusão do sentimento latino-americano e na importância para os países da região de se sentirem capazes de afirmar seus interesses. A luta simbolizada por Fidel dos ‘pequenos’ contra os poderosos teve uma função dinamizadora na vida política no Continente”. Quem é o autor? Ninguém menos que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, claro, sentiu o gostinho do ódio da patuleia nas redes sociais. 

Vamos trazer a análise para um patamar mais chão? Eu, por exemplo, fui abalroado por uma criatura que tinha um argumento irretorquível. “Conheces Cuba? Eu infelizmente conheci. Os carros mais novos são dos anos 50. Vai morar lá e ver que bom para a tosse”. Agora tente entender de onde veio a autoridade deste especialista em temas caribenhos. Um estudioso? Um jornalista? Um diplomata? Não. É um cara que passou pela ilha durante um cruzeiro. E é com esse o nível de inteligência que temos que lidar no quotidiano.

Enfim, o que essa gente tem a dizer sobre Fidel Castro e sobre a sua morte? Nada. Os odiadores querem apenas odiar. Esse é o único “argumento” que eles entendem. O ódio não é um meio, mas um fim. É patológico e produz um paradoxo social interessante: quanto mais o ódio obscurece a mente, mais essas pessoas pensam ver com clareza. 

É a dança da chuva.




quinta-feira, 24 de março de 2016

Temer, Gilmar, Aécio e Serra assustam políticos portugueses

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Michel Temer, Gilmar Mendes, Aécio Neves e José Serra. Esses são os cabeças de cartaz do seminário “Constituição e Crise – a Constituição no contexto das crises política e económica”, a ser realizado de 29 a 31 de março em Lisboa. O evento tinha tudo para passar despercebido, mas nos últimos dias os políticos portugueses se viram confrontados com aquilo que a imprensa chamou “governo brasileiro no exílio”. E começou a dar chabu.

O jornal “Público”, um dos principais diários de Portugal, publicou, na última quarta-feira, uma matéria com o seguinte título: “Encontro em Lisboa reúne oposição e juízes brasileiros e assusta políticos portugueses”. É o resumo da ópera. O seminário virou um problemão para os políticos europeus que, para não serem contaminados pela ideia do golpe, subitamente passaram a ter "dificuldades de agenda". Tem muita gente a desembarcar da iniciativa.

Uma das ausências mais relevantes vai ser a do recém-empossado presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que faria o discurso de encerramento num simbólico dia 31 de março. Logo no seu primeiro mês de governo, o presidente, um conservador que foi professor na Faculdade de Direito, ficou com essa bota para descalçar. Ou segue as normas da diplomacia e não participa ou mergulha no ninho dos golpistas. Mas nada que a alegação de uma agenda sobrecarregada não possa resolver.

Em nota enviada ao mesmo jornal “Público”, Rebelo de Sousa fala em outros compromissos: “O Presidente da República foi convidado para encerrar um colóquio académico na Faculdade de Direito de Lisboa, escola com a qual tem, como é sabido, uma relação particular. Seria a primeira oportunidade após a tomada de posse de lá regressar. No entanto, há um problema de agenda muito complexo. O Presidente não sabe ainda se poderá participar. Mas será de certeza muito difícil…”

Há outras desistências a ser anunciadas, mesmo de gente à direira no espectro político. Qual a razão? Pode haver muitas explicações, mas uma delas parece ser mais consistente: ao longo das últimas semanas a opinião pública portuguesa, acompanhada pela imprensa, parece ter reajustado a bússola. No exterior, a percepção da ideia de golpe fica cada vez mais evidente. E a reunião dos golpistas em Lisboa – num evento no mínimo questionável – é algo que os democratas, mesmo que de direita, têm dificuldade em engolir. 

Palestras com Serra ou Aécio? A Faculdade de Direito é uma instituição respeitada. É incômodo vê-la a ser usada como palco para iniciativas que apontam para o golpismo. 

É a dança da chuva.

Matéria do jornal português Correio da Manhã

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Da utilidade dos retrovisores

POR CLÓVIS GRUNER

O tcheco Max Brod, biógrafo de Franz Kafka, perguntou um dia ao escritor e amigo se ele acreditava existir alguma esperança “fora desse mundo de aparências que conhecemos?”. A resposta foi kafkiana: “Há esperança suficiente, esperança infinita. Mas não para nós”. Lembro-me do diálogo a propósito do segundo turno das eleições presidenciais, que encerram domingo próximo. Está a se vender demasiada esperança em troca do voto, tanto Aécio como Dilma. Esta mais diretamente, aquele quase sempre por metáforas que acusam a candidata à reeleição e seus eleitores de “olhar sempre pelo retrovisor” quando, diz ele, é hora de olharmos para frente.

Pois diferente do que prega Aécio, decidi meu voto no segundo turno – no primeiro fui eleitor de Luciana Genro, do PSOL – principalmente porque cultivo o saudável hábito de olhar sempre pelos retrovisores. Se em uma eleição toda escolha implica certo grau de incerteza e risco, porque não há garantias sobre como o candidato, se eleito, se comportará ao longo do mandato, o recurso ao passado pode servir para orientar escolhas no presente, além de nos ajudar a compor aquilo que o historiador alemão Reinhart Koselleck denominou “horizonte de expectativas”, o mais próximo que nos é permitido vislumbrar do que chamamos de futuro.

OLHAR PARA TRÁS UMA VEZ – De um de meus retrovisores eu vejo um país que em 2011 atingiu o menor índice de desigualdade social da história, muito disso em função do Bolsa Família: em 10 anos, o programa tirou cerca de 36 milhões de pessoas da extrema pobreza e contribuiu para a redução da mortalidade infantil em 40%. Também na última década, o crescimento real da renda dos 10% mais pobres foi de 91,2%. As políticas sociais implementadas ou ampliadas pelos governos petistas – e que provocam um surto de esquizofrenia em muitos eleitores tucanos – contribuíram para que neste ano o Brasil, pela primeira vez desde que o instrumento foi criado, ficasse fora do Mapa Mundial da Fome, depois de reduzir em 82% a população em situação de subalimentação.

Em outra área que me afeta sensivelmente, a escolaridade média da população de 25 anos ou mais aumentou na década entre 2002 e 2012, passando de 6,1 para 7,6 anos de estudo completos. O incremento foi mais intenso no ensino fundamental e atingiu principalmente os “mais pobres”, graças a programas como o Viver Sem Limite e o Caminho da Escola, destinados respectivamente à crianças portadores de deficiência e moradoras de zonas rurais e ribeirinhas. No ensino superior, entre outras coisas, a política de cotas ajudou a triplicar o número de negros nas universidades; o programa Ciência Sem Fronteiras levou 60 mil universitários para estagiar e estudar em universidades estrangeiras; novas universidades foram construídas, ampliando o número de vagas em instituições públicas federais; e aumentou a oferta de bolsas para estudantes de graduação e pós-graduação.

(Você também pode dar uma olhada no retrovisor do Murilo Cleto, do blog Desafinado, com uma visão bem mais panorâmica que o meu.)

E OLHAR DE NOVO – No segundo retrovisor as imagens são menos agradáveis. Há a corrupção, mas sua presença nos últimos governos não me incomoda mais nem menos que nos anteriores, no que sou diferente de muitos eleitores, inclusive colegas deste blog, cuja indignação é bastante seletiva. Gostaria de ver todos os culpados presos, mas tucanos e aliados estão e provavelmente continuarão todos soltos. O discurso contra a corrupção, aliás, ajudou a alimentar uma indignação dispersa e sem conteúdo e a transformá-la em um ódio quase patológico dirigido principalmente contra o PT mas, não raro, generalizado e direcionado, indiscriminadamente, à esquerda. Na ausência de propostas, a oposição passou os últimos 12 anos batendo na mesma tecla, ciente de que se trata de um discurso de fácil adesão: ao menos em tese, afinal, mesmo o sujeito que estaciona em vaga proibida, pára o carro em cima da faixa de pedestres ou suborna um agente público, é contra a corrupção, não é mesmo?

Dos fragmentos de imagens que chegam do passado, me incomoda muito mais o viés conservador dos últimos governos, notadamente o último; as alianças comprometedoras, que acabaram por tornar figuras como a senadora Kátia Abreu parte da base de apoio de Dilma Rousseff, além de sua aliada nesta eleição; a ausência de uma política efetiva de garantia dos direitos humanos e das minorias, expressa na indiferença ou mesmo na truculência com que foram tratadas as demandas LGBTs e das comunidades indígenas, por exemplo; a subserviência aos grupos de comunicação, que impediu o governo de levar adiante o necessário e urgente marco regulatório, condição fundamental à uma efetiva democratização das mídias; a criminalização dos movimentos sociais e a repressão violenta, junto com os governos estaduais, das manifestações de 2013 e do #NãoVaiTerCopa, nesse ano; e, enfim, uma política de segurança pública equivocada, cujas escolhas nem de longe tocam no que é fundamental: a desmilitarização da polícia e uma nova política penitenciária.

O RISCO DO RETROCESSO – Na hora de decidir meu voto no segundo turno, isso pesou tanto ou mais que o conjunto de realizações sumariamente elencadas acima. Políticas de inclusão social são sempre muitíssimo bem vindas, mas cidadania não se constroi apenas pela inserção de novos consumidores no mercado, e nosso amadurecimento democrático implica, justamente, seguir avançando naqueles pontos onde os governos petistas – os dois de Lula inclusos – avançaram timidamente ou simplesmente não avançaram. A consciência disso ajuda a contabilizar os riscos de minha escolha e a ajustar minhas expectativas a elas: não acredito que iremos avançar muito mais nos próximos anos do que conseguimos nos últimos quatro.

Mas acredito, por outro lado, que as conquistas sociais elencadas acima, entre outras, são importantes demais para as colocarmos em risco com quatro anos de uma aliança historicamente pouco comprometida com elas. E que a candidatura do PT representa, hoje, se não a garantia mas a possibilidade de não retrocedermos ainda mais nas demais pautas, postas sob ameaça maior em um eventual governo tucano. É claro que, não importa quem seja o próximo partido a ocupar o governo, será preciso tensioná-lo para tentar garantir algumas mudanças que, principalmente os grupos e forças conservadores, temem e recusam, o que não será tarefa fácil. Não há certezas em uma eleição, mas olhar atentamente o retrovisor pode ajudar a evitar retrocessos e evita alimentar ilusões. Talvez não haja esperança suficiente para nós. Mas me satisfaz a ideia de que, no domingo, a memória pode vencer o ódio.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

BRANCO

POR CHARLES HENRIQUE VOOS


No primeiro turno destas eleições, conforme manifesto feito aqui no Chuva Ácida, votei na candidata do PSOL. Os motivos estão todos expostos naquele texto e pretendo segui-los. Sendo assim, creio que seja o momento de dizer o porquê do meu voto em branco no próximo dia 26.

O voto em Luciana no primeiro turno foi também um voto de protesto contra os três grandes da eleição - Dilma, Marina e Aécio, os quais monopolizaram a maioria dos debates nos últimos meses. São, também, candidatos que não representam uma "nova política". Independente de quem chegasse ao segundo turno, daria no mesmo.

Com a ida de Dilma e Aécio para o segundo turno, chegou a hora de tomar uma posição coerente com tudo aquilo que defendo. É evidente que o voto no PSDB de Aécio representa um retrocesso, não somente pelas lembranças de Fernando Henrique Cardoso, mas também por tudo o que este partido vem fazendo na história recente do Brasil em São Paulo, Minas Gerais, no Congresso Nacional e em Joinville, principalmente. 

Votar no PSDB de Aécio é concordar com o mensalão mineiro, com a falta de água em SP, com o cartel do metrô, com a intransigência da polícia nas áreas de ocupações irregulares, e todo o conservadorismo que marca os parlamentares tucanos em Brasília. Não consigo concordar com isto e nem com a filosofia dos seus aliados: Bolsonaro, Malafaia, Marina, e tantos outros. Puxando para a questão urbana, tema no qual me dedico a anos, votar em Aécio representa aceitar todo o esquema montado pelas grandes empreiteiras em prol dos tucanos nos últimos anos. É sabido sim que, quanto mais uma empreiteira injeta dinheiro em campanhas e em diretórios partidários, mais as cidades são formatadas em prol de interesses empresariais. 

E em Joinville tivemos secretário da saúde do PSDB preso por corrupção.

Somado a tudo isto, não podemos esquecer os 27 motivos para não votar em Aécio, link que faz sucesso na internet. 

Sobre a Dilma, preciso reconhecer todos os seus avanços no combate à desigualdade, combate à fome e à miséria. O Brasil tem políticas públicas reconhecidas mundialmente pela ONU e por entidades reconhecidas no estudo da desigualdade, como a Oxfam. Seria burrice de qualquer cidadão brasileiro não reconhecer este avanço. Por outro lado, e voltando à questão urbana brasileira, o governo Dilma representa o mesmo retrocesso que o seu oponente tucano. 

Os recentes incentivos às indústrias automobilísticas rasgam todos os preceitos estabelecidos no Estatuto das Cidades, juntamente com o que mais moderno vem se fazendo nos países desenvolvidos: a abolição do automóvel e o incentivo aos modos coletivos e/ou aos modos não-motorizados. Para dar suporte ao projeto da Copa do Mundo, o governo petista se aliou às grandes empreiteiras, diretamente interessadas na construção de novos estádios e suas respectivas obras de apoio (avenidas, pontes, infraestrutura para o transporte coletivo, etc). Ao mesmo passo que isso acontecia, milhares de famílias foram despejadas de suas casas sem o devido tratamento (segundo a BBC Brasil, mais de 250 mil pessoas foram afetadas). 

Por manter uma linha de coerência, creio que o ideal para quem defende a questão urbana brasileira seja, sim, o voto em branco. Antes que o leitor mais desavisado possa pensar que esta posição caminha rumo a uma neutralidade, antecipo o engano: é um posicionamento claro de que nem Dilma e nem Aécio me representam. Creio, por fim, que os dois também não representem as verdadeiras necessidades da política urbana brasileira. Independente de quem ganhar, as cidades serão as principais prejudicadas e, em consequência, os seus moradores. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Um debate polarizado, de novo

POR CLÓVIS GRUNER

Encerrado o primeiro turno, poucas surpresas ‒ a vitória de Aécio Neves sobre Marina Silva é uma “meia surpresa” ‒ e uma certeza: a política brasileira tem dificuldade de se desvencilhar da polarização PT x PSDB. Desde o retorno das eleições diretas para presidente, em 1989, já foram sete campanhas; petistas e tucanos se enfrentaram em seis delas, com a vitória do PSDB em duas (com FHC em 1994 e 1998, no primeiro turno) e do PT em outras três (2002 e 2006 com Lula; e 2010 com Dilma, todas no segundo turno). Fora do governo há mais de uma década, tucanos e aliados tem sede de voltar a ele e farão literalmente qualquer coisa para isso. Os petistas, por sua vez, sabem que enfrentam seu pleito mais difícil, e que pela primeira vez desde a vitória de Lula há o risco real de saírem derrotados no dia 26 de outubro.

Não será uma disputa fácil, portanto. E embora seja uma espécie de mantra afirmar que o segundo turno é uma “nova eleição”, penso que algumas possibilidades podem ser aventadas com base nos resultados do primeiro. A começar pelo destino dos votos de Marina Silva. Desde o começo da semana, a candidata sinalizava o apoio à candidatura de Aécio Neves, confirmado ontem, no mesmo dia em que Aécio recebeu também o apoio do PV de Eduardo Jorge o PSOL de Luciana Genro declinou de apoiar um dos candidatos, embora desaconselhe o voto no tucano. De todos, certamente o de Marina foi o golpe mais duro para o PT, que provavelmente esperava uma posição neutra, a repetir a posição tomada em 2010. Por outro lado, o apoio a Aécio Neves, se confirmado, pode repercutir a médio prazo nas pretensões de Marina, que corre o risco de perder definitivamente a credibilidade adquirida entre aqueles setores mais à esquerda que, descontentes com os seguidos governos do petistas, depositaram nela alguma expectativa de renovação.

Não acredito, como parte da militância marinista, que sua derrota se deva aos ataques desferidos contra ela pela campanha de Dilma. Primeiro, porque Marina não foi exposta nestes dois meses de campanha mais do que o PT nos últimos 12 anos e de Dilma nos últimos quatro. Ambos sobreviveram, e com chances reais de emplacar o quarto mandato. Seu discurso careceu de solidez e pecou por excesso de ambiguidade. Se é verdade que Marina foi exposta pelo programa e pela militância petistas, sua derrocada se deveu também e, penso, principalmente, ao fato dela mesmo ter se exposto, revelando suas muitas contradições. E isso, me parece, contribuiu mais para a perda de votos que o confronto com a candidata petista.

Junto aos eleitores mais à esquerda, Marina perdeu votos em função de seus flertes com as políticas econômicas neoliberais ou sua capitulação frente às pressões de setores conservadores; à direita, porque tentou aproximar sua candidatura justamente daquelas políticas que estes setores rejeitam, como ficou claro no último debate, quando insinuou que seu programa era mais parecido com o de Luciana Genro do que com o dos tucanos. Pretendendo não ser de esquerda, mas também não de direita, defendendo um princípio vago de governar com “os bons” de todos os lados e matizes, Marina não só perdeu votos ao ponto de nem figurar no segundo turno. Mas turbinou a campanha de seus adversários, principalmente a de Aécio Neves, para onde parece ter migrado boa parte deles.

UMA CAMPANHA DE MEDO E ÓDIO – A meu ver, o pior de Marina Silva ter ficado de fora foi, justamente, o retorno à polarização PT x PSDB que a candidata, por um breve momento, chegou perto de dissolver. Particularmente, eu a preferia em uma disputa com Dilma Rousseff, mas certamente as lideranças e os marqueteiros petistas não concordariam comigo. Tanto que investiram parte de seu tempo e energia para forçar um segundo turno com Aécio e os tucanos, e não é difícil entender as razões. Sob certa perspectiva, Marina representava um risco maior à reeleição de Dilma, inclusive porque suas trajetórias e perfis são, em alguns aspectos, bastante próximos, o que dificultaria o discurso polarizado.

A polarização entre petistas e tucanos interessa ao PT, que poderá afrontar seu adversário ao longo dos próximos dias recorrendo a um discurso baseado principalmente no medo de um passado que muitos eleitores não querem de volta e, contra o qual, o PT se apresenta como o único antídoto. Com Marina, este discurso era mais difícil, porque seu passado e de sua legenda provisória, o PSB, incluía uma passagem pelo governo petista. Tendo ela como adversária, a candidatura petista precisaria deslocar o temor do passado para o futuro. Mas este, como sabemos, é um horizonte de expectativas e pode ser tanto lugar de receio como de esperança. Será preciso esperar o resultado do segundo turno para saber se os estrategistas de campanha acertaram. Tenho dúvidas.

Particularmente, penso que o PT terá de investir mais na tentativa de mostrar aos eleitores que tem capacidade de se reinventar, mesmo depois de 12 anos de governo. E isso me parece fundamental por pelo menos duas razões. Primeiro, porque a quantidade de votos dados aos candidatos de oposição, incluindo os chamados nanicos, sinaliza um claro desejo de renovação. Cabe à candidatura petista mostrar que é capaz de fazê-lo, preservando as conquistas que apresentou ao longo do primeiro turno como seus principais trunfos políticos. Além disso, a quantidade expressiva de votos nulos e brancos, somada a um alto índice de abstenção, deixa claro um outro tipo de descontentamento, não apenas com este governo, mas com o debate político tal como posto hoje, polarizado e pouco criativo. Conquistar parte deste eleitorado é tarefa ainda mais difícil.

Por outro lado, se Aécio Neves tem, a favor dele, o consenso narrativo forjado ao longo dos últimos anos, segundo o qual o PT é a matriz de todos os males, ainda não deixou claro quais são suas propostas e suas soluções para os problemas que acusa no governo petista. Com sua dupla derrota em Minas Gerais, fica mais difícil simplesmente dizer que pretende fazer pelo Brasil o que fez pelo seu estado depois de ter sido rejeitado pela maioria dos mineiros. Sua campanha, fundamentalmente, se alimentou do e repercutiu o ódio contra o PT, e seus eleitores parecem mais odiar o governo petista que, necessariamente, aprová-lo – e a onda de violência contra os votos de nordestinos e pobres nas redes sociais, desqualificando-os, são um indicativo disso. E num ambiente político de paixões exacerbadas e onde, historicamente, poucos são os eleitores que escolhem candidatos baseados em propostas e programas, há o risco que a polarização partidária reverbere em outra, ainda mais nociva à democracia: a que opõem o medo ao ódio. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Marinando

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Reservei-me de comentar as eleições deste ano aqui no blog, pois considerava que a morte de Eduardo Campos não geraria cenários sólidos, e a espera seria necessária. Por um lado, a comoção nacional em torno do ocorrido geraria um cenário favorável para a ecocapitalista Marina (com seu natural crescimento nas pesquisas) e, por outro, um ataque direto de Dilma e Aécio, temendo perder espaço.

Quando um candidato ganha notoriedade, sua vida é revirada por partidos, imprensa e população. Foi isto que aconteceu com a socialista. Sua atuação como Ministra foi posta em xeque juntamente com suas relações com os banqueiros e mega empresários do país. O vice escolhido, Beto Albuquerque, tem estreitas ligações com o agronegócio e contraria tudo aquilo que Marina fala. Contrariedade, digamos, é a marca registrada dela: o escândalo sobre as políticas LGBT no plano de governo fala por si só.

Em um trocadilho tosco, sempre pensei que as intenções de voto para Marina estavam "marinando" em torno do que aconteceu com o jatinho lá em Santos. E a tendência, após as semanas passarem, seria a acomodação para perto do cenário "normal", com Aécio e Marina se aproximando, e Dilma mantendo a ponta, principalmente pela força da máquina estatal e as alianças que ela possibilita. As últimas pesquisas mostram isto. Até a tão badalada vantagem de Marina no segundo turno vem diminuindo.

Quanto aos demais candidatos, outro cenário de acomodação em direção ao natural: Pastor Everaldo desce de seu posto de surpresa, e dá lugar para candidatos com propostas mais densas, como Luciana Genro e Eduardo Jorge. E o resto vira meme na internet ou é motivo de piada.

No segundo turno o jogo é outro, claro, mas a comoção acabou e a fidelidade em torno de Marina está chegando ao fim. É consenso que candidato que sobe rápido demais nas pesquisas e na hora errada, não leva. É esperar para ver.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Marina Silva tem cacife para vencer?

Foto que circula na internet
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Qual é a margem de erro de uma pesquisa de opinião pública feita quando o velório ainda nem acabou? Não vou fazer contas – é coisa para os especialistas -, mas todos sabemos que os fatores emocionais interferem nas respostas dos eleitores. E a comoção nacional pela morte de Eduardo Campos produziu um efeito instantâneo: alçou Marina Silva para o segundo lugar nas preferências do eleitorado, com 21% das intenções de voto.

Então, qual é a validade da pesquisa? Ora, é um bom método para tomar a temperatura política num momento específico, em que a memória do acidente ainda está fresca. Mas nos próximos dias, assim que esse clima de consternação passar (e, acreditem, passa rápido) a tarefa de Marina Silva começará a ficar difícil, caso o seu nome venha a ser confirmado pelo PSB, como tudo indica que será.

Vamos começar pelo óbvio. Marina Silva é problema de Aécio Neves. A correr o risco de não ir para o segundo turno, o candidato do PSDB vai gastar o seu tempo (inclusive os seus preciosos minutos de televisão) a atacar a ex-senadora. Aliás, os inomináveis chiens de garde aecistas já começaram a disparar sobre a adversária, como pudemos acompanhar em textos publicados ontem nos lugares do costume. É esperar para ver até que ponto a imagem de Marina Silva resiste.

Outro aspecto importante é a imagem da candidata. Marina Silva pode ser alternativa para um voto de protesto, mas não tem estatura para ser presidente de um país tão complexo como o Brasil. De fato, ela é desprovida de conteúdo e cheia de contradições, fato que não escapará aos eleitores. Aliás, tenho a intuição de que quando começar a falar, Marina Silva só tem a perder porque vai revelar as suas fragilidades. E vai dar munição para os adversários.

Exemplo? Mesmo que fruto de um acaso, aparecer a sorrir ao lado do caixão de Eduardo Campos é um azar colossal. A imagem pode atrapalhar as suas pretensões. E vou explicar, para que fique claro: não acredito que ela estivesse em regozijo, mas a imagem é um prato feito para os assessores de qualquer dos outros candidatos. Nada os impede de usar a foto ad nauseum como forma de atacar a sua imagem e estancar o crescimento da candidatura.

A foto tem uma história plausível – até já houve uma explicação – e é óbvio que a ex-senadora não estava feliz. No entanto, há um fato em política: boa parte dos eleitores não entende a complexidade do cargo de presidente, mas entende a simplicidade de um sorriso (que parece matreiro) numa foto. Pessoalmente, lamentaria que ele fosse alijada do processo por causa de uma foto (que ilustra este texto), mas quem está na chuva é para se queimar...

Marina Silva tem fragilidades que ganharão evidência quando ela puser a candidatura na rua. Não vamos esquecer que ela é acusada de ser contumaz em roer a corda dos seus parceiros políticos, o que cria uma imagem pouco aceitável. Ou seja, ela pode até dar uma embolada na disputa, mas com o tempo as suas deficiências irão ficar tão indisfarçáveis que muita gente ainda vai achar Aécio Neves um candidato aceitável.

Enfim, essa conversa de reinício do processo eleitoral, como se tudo fosse recomeçar do zero, é apenas o desejo de alguns. Porque com o andar da carroça as melancias se ajeitam. 


É como diz o velho deitado: “previsões só no final”.

P.S. Este texto foi escrito antes da entrevista de Dilma Rousseff ao JN. Tendo corrido bem ou mal (as opiniões divergem), é provável que a entrevista nada vá alterar nas intenções de voto.

terça-feira, 22 de julho de 2014

José António Baço



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Dilma é a minha escolha. Poderia elencar uma série de razões, mas tem peso decisivo o argumento da legítima defesa: o temor de que, em caso de vitória da oposição, o Brasil possa recuar aos tempos da privataria, quando as coisas eram feitas a pensar exclusivamente nos interesses dos poderosos e as políticas sociais eram bruma. Enfim, não se pode esperar "amanhãs" a partir de "ontens" de má memória.

O problema dos países menos desenvolvidos é tomarem como novidade o que já está a cair em desuso nos países mais evoluídos. É uma armadilha que o Brasil deve evitar. O ideário neoliberal já demonstrou que nada tem a oferecer além da precariedade, da concentração da riqueza e da falta de solidariedade para com os mais fracos. No entanto, é uma tentação à qual a direita se entrega levianamente.

A realpolitik levou o PT a se afastar de um certo ideário de esquerda - em especial por compor governo com partidos fisiológicos e conservadores -, mas o partido ainda representa a possibilidade de uma sociedade mais solidária. É claro que isso desagrada os que vivem a repetir o mantra do Estado mínimo, do individualismo e do endeusamento do mercado. E desperta os ódios irracionais que vemos todos os dias.

Outro fato é que os dois principais opositores – Aécio Neves e Eduardo Campos – parecem ter meros projetos de poder, mas nenhum projeto de governo ou de país. Aliás, esse é o grande dilema dos eleitores antiDilma: querem votar contra a presidente mas não conseguem ver estatura de estadistas nos opositores. Arrisco a dizer que teremos o voto silencioso e envergonhado: votarão contra Dilma, mas nunca a favor de qualquer um deles.

É claro que a minha visão é de quem vive fora e passa apenas um mês por ano no Brasil. Mas talvez seja exatamente essa posição a dar uma “frieza” de julgamento que muitas vezes falta no dia a dia. O Brasil mudou muito nos últimos anos. E para melhor. Tanto que a proposta dos opositores passa por "melhorar" o que o atual governo está a fazer. Ou seja, a oposição propõe fazer mais do mesmo. Não há proposta de valor.

E, para finalizar, deixo registrado que acredito na alternância no poder. O problema é que não se faz alternância sem alternativa.


quinta-feira, 19 de junho de 2014

Enfim, o bolsa-mortadela


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A palavra bolsa entrou de forma definitiva para o léxico comum dos brasileiros. Aliás, foram os opositores do Bolsa Família a dar um enorme impulso para a coisa, ao chamarem o programa do governo de bolsa-esmola (programa que, vale dizer, na hora das eleições a oposição começa a amar de paixão). A coisa foi tão séria que até o velho ditado ficou desatualizado: “jacaré que dorme de touca vira bolsa”. Não serve mais. No patropi hoje tudo vira bolsa.

O pessoal foi com tanta sede ao pote que escorregou na maionese. E saiu aí pelas redes sociais inventar coisas como bolsa-prostituta, bolsa-bandido ou bolsa-crack. É estranho ver pessoas adultas e aparentemente "instruídas" a levarem esse tipo de patacoada a sério. Parafraseando La Boétie, é o discurso da boçalidade voluntária. E não adianta tentar repor a verdade com fatos. A lógica é simploriazinha: não venha com a verdade, porque eu não acredito.

Bolsa para cá, bolsa para lá: este é o Brasil da política nos últimos tempos. Mas de tanto insistir no tema, agora esse pessoal abriu a guarda e permite uma ironia. Eis que me sinto autorizado a introduzir o termo “bolsa-mortadela” na semântica das eleições. Atenção, não vamos matar o mensageiro, porque não estou a inventar (não adianta a escrever comentários mal-educados). A coisa saiu no insuspeito "Estadão".

Leio, no jornalão, um interessante título sobre a convenção que confirmou a candidatura de Aécio Neves à Presidência da República: “Ato reúne 5 mil pessoas, entre filiados e militância paga”. Informa ainda o texto que participantes – alguns sem título de eleitor – admitiram receber 25 reais pela presença. Uma coordenadora desmentiu e disse que eles teriam direito apenas ao “lanche”. É pura ousadia política. Ainda nem ganharam as eleições e já estão a inovar: o primeiro ato foi criar essa bolsa-mortadela. Isso promete.

Sei que é difícil agradar a todos. Mas mesmo sendo fã confesso e incondicional da mortadela (a que chamo carinhosamente “mortandela”), eu esperava algo mais arrojado. Parece que o budget não anda muito alto (25 real é mal – pus no singular para rimar), mas mortadela é coisa de pobre. Parece coisa do PT. O pessoal devia seguir aquele antigo conselho político: “chega de realidade, façam promessas”. Ou seja, chega de mortadela, eu quero é caviar. 

P.S.: Por falar em sanduíche, não adianta escrever a xingar. Hoje não tem pão para maluco. Nem mortadela.