POR CLÓVIS GRUNER
Encerrado
o primeiro turno, poucas surpresas ‒ a
vitória de Aécio Neves sobre Marina Silva é uma “meia surpresa” ‒ e uma certeza: a política brasileira tem dificuldade
de se desvencilhar da polarização PT x PSDB. Desde o retorno das eleições
diretas para presidente, em 1989, já foram sete campanhas; petistas e tucanos
se enfrentaram em seis delas, com a vitória do PSDB em duas (com FHC em 1994 e
1998, no primeiro turno) e do PT em outras três (2002 e 2006 com Lula; e 2010
com Dilma, todas no segundo turno). Fora do governo há mais de uma década,
tucanos e aliados tem sede de voltar a ele e farão literalmente qualquer coisa
para isso. Os petistas, por sua vez, sabem que enfrentam seu pleito mais
difícil, e que pela primeira vez desde a vitória de Lula há o risco real de
saírem derrotados no dia 26 de outubro.
Não
será uma disputa fácil, portanto. E embora seja uma espécie de mantra afirmar
que o segundo turno é uma “nova eleição”, penso que algumas possibilidades
podem ser aventadas com base nos resultados do primeiro. A começar pelo destino
dos votos de Marina Silva. Desde o
começo da semana, a candidata sinalizava o apoio à candidatura de Aécio Neves, confirmado ontem, no mesmo dia em que Aécio recebeu também o apoio do PV de Eduardo Jorge – o PSOL de Luciana Genro declinou de apoiar um dos candidatos, embora desaconselhe o voto no tucano. De todos, certamente o de Marina foi o golpe mais duro para o PT, que provavelmente esperava uma posição neutra,
a repetir a posição tomada em 2010. Por outro lado, o apoio a Aécio Neves, se confirmado, pode repercutir a médio prazo nas pretensões de Marina, que corre o
risco de perder definitivamente a credibilidade adquirida entre aqueles setores
mais à esquerda que, descontentes com os seguidos governos do petistas, depositaram nela alguma expectativa
de renovação.
Não
acredito, como parte da militância marinista, que sua derrota se deva aos ataques desferidos contra
ela pela campanha de Dilma. Primeiro,
porque Marina não foi exposta nestes dois meses de campanha mais do que o PT
nos últimos 12 anos e de Dilma nos últimos quatro. Ambos sobreviveram, e com chances
reais de emplacar o quarto mandato. Seu discurso careceu de solidez
e pecou por excesso de ambiguidade. Se é verdade que Marina foi exposta pelo
programa e pela militância petistas, sua derrocada se deveu também e, penso,
principalmente, ao fato dela mesmo ter se exposto, revelando suas muitas contradições.
E isso, me parece, contribuiu mais para a perda de votos que o confronto com a
candidata petista.
Junto aos eleitores mais à esquerda, Marina perdeu votos em
função de seus flertes com as políticas econômicas neoliberais ou sua
capitulação frente às pressões de setores conservadores; à direita, porque
tentou aproximar sua candidatura justamente daquelas políticas que estes
setores rejeitam, como ficou claro no último debate, quando insinuou que seu
programa era mais parecido com o de Luciana Genro do que com o dos tucanos. Pretendendo
não ser de esquerda, mas também não de direita, defendendo um princípio vago de
governar com “os bons” de todos os lados e matizes, Marina não só perdeu votos
ao ponto de nem figurar no segundo turno. Mas turbinou a campanha de seus
adversários, principalmente a de Aécio Neves, para onde parece ter migrado boa
parte deles.
UMA CAMPANHA DE MEDO E ÓDIO –
A meu ver, o pior de Marina Silva ter ficado de fora foi, justamente, o retorno
à polarização PT x PSDB que a candidata, por um breve momento, chegou perto de
dissolver. Particularmente, eu a preferia em uma disputa com Dilma Rousseff, mas
certamente as lideranças e os marqueteiros petistas não concordariam comigo. Tanto
que investiram parte de seu tempo e energia para forçar um segundo turno com
Aécio e os tucanos, e não é difícil entender as razões. Sob certa perspectiva, Marina representava um risco maior à
reeleição de Dilma, inclusive porque suas trajetórias e perfis são, em alguns
aspectos, bastante próximos, o que dificultaria o discurso polarizado.
A polarização entre petistas e tucanos
interessa ao PT, que poderá afrontar seu adversário ao longo dos próximos dias recorrendo
a um discurso baseado principalmente no medo de um passado que muitos eleitores
não querem de volta e, contra o qual, o PT se apresenta como o único antídoto. Com
Marina, este discurso era mais difícil, porque seu passado e de sua legenda
provisória, o PSB, incluía uma passagem pelo governo petista. Tendo ela como
adversária, a candidatura petista precisaria deslocar o temor do passado para o
futuro. Mas este, como sabemos, é um horizonte de expectativas e pode ser tanto lugar de receio como de
esperança. Será preciso esperar o resultado do segundo turno para saber se os
estrategistas de campanha acertaram. Tenho dúvidas.
Particularmente, penso que o PT terá de
investir mais na tentativa de mostrar aos eleitores que tem capacidade de se reinventar,
mesmo depois de 12 anos de governo. E isso me parece fundamental por pelo menos
duas razões. Primeiro, porque a quantidade de votos dados aos candidatos de
oposição, incluindo os chamados nanicos, sinaliza um claro desejo de renovação.
Cabe à candidatura petista mostrar que é capaz de fazê-lo, preservando as
conquistas que apresentou ao longo do primeiro turno como seus principais
trunfos políticos. Além disso, a quantidade expressiva de votos nulos e
brancos, somada a um alto índice de abstenção, deixa claro um outro tipo de
descontentamento, não apenas com este governo, mas com o debate político tal
como posto hoje, polarizado e pouco criativo. Conquistar parte deste eleitorado
é tarefa ainda mais difícil.
Por outro lado, se Aécio Neves
tem, a favor dele, o consenso narrativo forjado ao longo dos últimos anos,
segundo o qual o PT é a matriz de todos os males, ainda não deixou claro quais são suas propostas
e suas soluções para os problemas que acusa no governo petista. Com sua dupla
derrota em Minas Gerais, fica mais difícil simplesmente dizer que pretende fazer pelo Brasil o que fez pelo seu estado depois de ter sido rejeitado pela maioria dos mineiros. Sua campanha,
fundamentalmente, se alimentou do e repercutiu o ódio contra o PT, e seus
eleitores parecem mais odiar o governo petista que, necessariamente, aprová-lo –
e a onda de violência contra os votos de nordestinos e pobres nas redes sociais,
desqualificando-os, são um indicativo disso. E num ambiente político de paixões exacerbadas e onde,
historicamente, poucos são os eleitores que escolhem candidatos baseados em
propostas e programas, há o risco que a polarização partidária reverbere em
outra, ainda mais nociva à democracia: a que opõem o medo ao ódio.