POR CLÓVIS GRUNER
No começo estranhei o silêncio. Em todo caso, ponderei:
diante de tão flagrante expressão de discriminação e preconceito, até o mais
clichê entre os anônimos (e alguns não anônimos também) deve ter-se rendido
ante às evidências. Mas no emblemático terceiro dia, eles ressuscitaram. Surgidos de suas catacumbas e sem subir aos céus, logo começaram a pipocar os
comentários ao meu texto e ao do Felipe sobre o episódio envolvendo o vice-presidente
da ABRH/SC, Pedro Luiz Pereira, e sua infeliz declaração ao jornalista Claudio
Loetz, de “A Notícia”.
Animados pela coragem dos primeiros, a tropa de choque
anônima (e de alguns não anônimos também) não tardou, e à medida que ela
avançava, descia o nível dos comentários. E como o anti-petismo agora é modinha,
obviamente não faltou quem regurgitasse a ladainha de uma inexistente ameaça à
liberdade de imprensa, num loop argumentativo que, sabe-se deus como e sem nem
mesmo mencionar a nota que gerou a controvérsia, terminou no presidente do
PT, o deputado Rui Falcão.
Escoimados os comentários anônimos (e alguns não anônimos
também), sobrou pouco. Basicamente, a maioria acusou a mim e ao Felipe de
responsabilizar fonte e jornalista por cumprirem seu papel, o de
informar. Em outras palavras, o problema não está no meio ou na mensagem, mas
em seu referente: as práticas discriminatórias levadas a cabo por empregadores
e seus profissionais de RH. Nós poderíamos denunciar a “realidade” ou nos resignarmos
a ela, tanto faz. Mas jamais acusarmos quem tratou apenas de “expressá-la”.
Sobre isso, permitam-me esclarecer:
1-) Nossos textos não pretenderam negar a tal “realidade”.
Aliás, pensei ter sido suficientemente claro sobre isso neste trecho: "Se
já sabíamos que todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros, a
declaração de Pedro Luiz Pereira pinta em tons mais berrantes esta realidade. Não se trata (...) de
convivermos com o fato de que algumas funções de destaque dentro dos
organogramas empresariais sejam de acesso exclusivo aos homens brancos (e
adultos); o vice-presidente da ABRH nos diz, com todas as letras, que dependendo do empregador a simples
aspiração a um posto de trabalho, independente do cargo, é exclusiva de homens
brancos e adultos.”
2-) Por outro lado, tanto o vice-presidente da ABRH
como o jornalista Claudio Loetz não estão
isentos de responsabilidade no episódio. Não se assume uma função de importância
na hierarquia de uma entidade que congrega profissionais de Recursos Humanos, para
continuar a tratar naturalmente o que não é natural. Continuo a afirmar que Pedro Luiz Pereira tem a
obrigação de questionar uma prática discriminatória ao invés de simplesmente
constatá-la. O mesmo vale para Loetz: justamente porque o conheço e sei de sua
competência e seriedade profissionais, me senti e me sinto muito à vontade para
dizer de novo o que afirmei no texto original: um repórter precisa ser um bom inquiridor
e, como tal, fazer falar sua fonte lá onde ela pretendeu, consciente ou
inconscientemente, silenciar. Se o jornalista não faz isso, é direito do leitor
cobrá-lo. Simples assim.
Fosse só isso, e a questão seria apenas de ordem cognitiva. Mas
uma segunda linha de argumentação de alguns anônimos (e de alguns não anônimos
também) insistiu que o problema não é a discriminação contra negros e
mulheres – a tal “realidade”. O problema de verdade é que somos, eu e Felipe –
alguns julgam que são todos os colaboradores do blog –, “politicamente corretos”. Não, eu não confundi
as coisas nem você entendeu mal: para alguns anônimos (e alguns não anônimos
também) o problema não são as políticas discriminatórias (sejam elas racistas, machistas,
homofóbicas, geracionais, etc...) no interior das empresas e seus RHs; não é a
constatação de que negros e mulheres são alijados do mercado de trabalho por
sua condição étnica e de gênero; que apesar das sete mil vagas ociosas, alguns
empregadores e seus profissionais de RH continuam a preterir negros e mulheres e a preferir homens brancos, independente do cargo e da função, da qualificação ou competência. Não, nada disso
é um problema porque, segundo alguns anônimos (e alguns não anônimos também)
nada disso realmente existe: é tudo coisa da patrulha “politicamente correta”.
O fato é que alguns desceram tão baixo em seus padrões
éticos que o simples gesto de solidariedade e indignação – em alguns casos,
menos que o mínimo necessário – com quem quer que seja – e especialmente se
o objeto da solidariedade pertencer às chamadas “minorias” – é achincalhado em
nome de alguma coisa tão vaga e ambivalente como o “politicamente incorreto”.
Nesse caso, não se trata de um problema simplesmente cognitivo. Ele é ético e
político. E é, sobretudo, um problema de caráter.