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terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Carta a Luana Piovani


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Olá, Luana.

Que legal! Fiquei a saber que você decidiu vir morar em Portugal e então tomei a liberdade de escrever para dar uns bitaites. Não agradeça, é a cortesia lusitana. As pessoas de bem são sempre bem-vindas, Luana. Os portugueses são um povo que sabe receber, mas também tem o lado prático: há cálculos a dizer que, para manter o crescimento, o país precisa de 900 mil imigrantes para trabalhar e a gerar riqueza. É gente, né?

Eu explico, Luana. Em Portugal a gente tem um sistema de welfare (muito já se perdeu com os ataques neoliberais) e o dinheiro dos impostos é essencial para investir em saúde, segurança ou educação. Para todos. Então você vai entender a preocupação. Todos são bem-vindos, menos aqueles brasileiros que defendem a ideia de que “sonegar é legítima defesa”. Esses a gente não quer. Podem ficar no Brasil.

Aliás, soube que você estava indecisa entre Portugal e EUA. Não resisto a dar um palpite: a Califórnia deve ser melhor opção. Imagine que Portugal é governado pelo Partido Socialista, um pessoal de centro-esquerda muito parecido com o Partido dos Trabalhadores, no Brasil. E surge a questão. Será que você vai curtir a ideia de ser governada por “socialistas”? O poder está tomado pelos “esquerdistas”, Luana.

O atual governo é minoritário e só consegue governar com o apoio do Partido Comunista (coligado com os não menos esquerdistas Os Verdes) e do Bloco de Esquerda. É o tipo de gente que, mesmo em Portugal, um país de brandos costumes, muitos chamam “extrema esquerda”. Ou seja, para os padrões coxinhas brasileiros eles são ainda mais “esquerdopatas” que os petistas. É dureza.

E mais uma inside information. O Bloco de Esquerda é coordenado pela Catarina Martins. Então fico a imaginar como você vai reagir a isso, uma vez que parece não gostar muito de mulheres no comando. Dilma que o diga, né? E o Partido Comunista é liderado pelo Jerónimo de Sousa, um antigo operário metalúrgico. Metalúrgico? Onde é que já ouvimos essa história? Ah, sim, Lula. Então fica a pergunta: será que você quer mesmo viver num país como Portugal?

Olha, Luana, a gente até já esqueceu aquele episódio do Instagram. Lembra como foi? “O Brasil foi explorado tantos anos por Portugal e agora continuará a ser pela PT! Não é à toa que a sigla de Portugal é PT! Eu votei Aécio!”, você escreveu. Confesso que não entendi a declaração, porque parece uma maluquice pegada (expressão cá da terra) e não faz o menor sentido. Era uma tentativa de ofender? Passou.

Despeço-me, Luana, na expectativa de que tenham sido informações úteis e que a ajudem a decidir. Se vier para Portugal vai ser bem recebida. Como foi a Madonna, que já vive aqui faz um tempinho. Aliás, vai ser uma honra para os portugueses ter, ao mesmo tempo, duas estrelas de expressão mundial.

É a dança da chuva.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Austeridade é o remédio que mata o paciente: o caso português

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Portugal, 2011. “Austeridade” é escolhida a palavra do ano. É um momento em que a crise econômica atinge um dos seus pontos mais dramáticos. Afundado numa recessão, o país vai às urnas e faz ascender ao poder o governo de direita (e ultraliberal) de Pedro Passos Coelho. E tem início um dos mais lamentáveis governos desde que a democracia foi instaurada em abril de 1974, com a Revolução dos Cravos.

Não foi o que podemos chamar um “governo”. O novo primeiro-ministro tornou-se um simples títere da “troika” formada pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Tudo o que fazia era aplicar a cartilha da austeridade determinada por essas três entidades. A população, rendida à “evidência” de que não havia alternativa, aceitou de forma passiva.

Mas os resultados da fórmula teimavam em não aparecer. Pelo contrário, as coisas pareciam ir de mal a pior. O remédio neoliberal parecia estar a matar o paciente. Houve  um ou outro aviso esporádico, que era logo abafado pela voz da “razão” dos poderosos. Não há alternativa. E viveu-se uma situação impensável. A estratégia do governo passava por empobrecer os portugueses e mesmo por estimular a emigração.

Em 2015, depois de quatro anos de um governo que levou o país à exaustão, vieram as eleições. E o partido de Passos Coelho conseguiu uma nova vitória. Mas os sistemas parlamentares têm as suas virtudes. De forma inédita na democracia portuguesa, as esquerdas (Partido Socialista, Bloco de Esquerda e Partido Comunista) optaram por um acordo parlamentar que lhes deu uma maioria e permitiu formar governo.

Muitos vaticinaram o fim do acordo em pouco tempo. O convívio entre partidos de esquerda não podia ter futuro. Apeada do poder, a direita tentou realçar a esquisitice do acordo, apelidando a solução de “geringonça”. Mas as primeiras medidas do novo governo passaram justamente por reverter muitas das ações austeritárias (austeridade mais autoritarismo) dos anos anteriores. E a coisa tem dado certo.

Até este momento o resultado é positivo, apesar da enorme dívida externa do país, que muitos analistas classificam como impagável. Os dois parceiros mais à esquerda do governo socialista – Bloco de Esquerda e Partido Comunista – já falam em restruturação da dívida. A questão é séria, mas por enquanto a “geringonça” mostrou que é possível crescer sem austeridade. E é aí que mora o perigo. Porque muitos decisores da União Europeia não parecem particularmente felizes com o sucesso português.

Se um país abandona a política de austeridade (não foi totalmente extirpada) e ainda cresce, surge a evidência de que há alternativas à política austeritária. E a pior das evidências: muitos países foram sangrados por causa de políticas econômicas equivocadas. Aliás, é só lembrar que o FMI tem sido ziguezagueante nesse aspecto. Ora defende a austeridade, mas esporadicamente diz que não funciona.

Há gente pouco confortável com a situação. Um dos casos mais flagrantes é o do ministro alemão Wolfgang Schäuble, das Finanças. O sucesso português parece ter-lhe estragado o fígado e ele não perde uma oportunidade mandar recados azedos. Outro caso mais midiático foi o do holandês Jeroen Dijsselboem, que acusou os países do sul da Europa de gastarem o dinheiro com “mulheres e copos”. O preconceito é indisfarçado.

O fato é que Portugal mudou. Depois de quatro anos sombrios, os portugueses voltaram a sorrir. Os problemas não estão todos resolvidos (longe disso), mas há motivos para confiar. A economia cresce, o desemprego desce, os salários e as aposentadorias aumentaram e o déficit de 2016 foi o mais baixo da história da democracia. Aliás, até os feriados que haviam sido cortados por moralismo da troika foram repostos e trouxeram ganhos para a economia.

Enfim, a depender da experiência portuguesa parece que a austeridade não é o único caminho. É um remédio tão forte que pode matar o paciente. Enfim, parece haver alternativa. E a alternativa é a morte lógica neoliberal da TINA (there is no alternative).

É a dança da chuva.