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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O Brasil não é um país para pobres

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
É uma história que não me canso de repetir. Faz uns anos estava de férias no Brasil e quis o destino que acabasse a tomar cerveja com um empresário de Brusque (não, não é aquele da estátua da liberdade). Era uma pessoa de muita grana e evidente pouca cultura, mas que pela primeira vez pretendia ir para a Europa. E quis saber de Portugal.

Disse que a grande diferença em relação ao Brasil é que as distâncias entre ricos e pobres são menos acentuadas. Não há tanta exclusão social, apesar de ser um problema. E usei o exemplo de um dos meus patrões, sócio numa agência publicidade, que tinha como vizinho de frente, no prédio onde morava, um motorista de táxi. É difícil acontecer no Brasil.

O homem ouvia com atenção, mas não parece ter ficado comovido. Então usei o exemplo da mulher da limpeza da agência.
- É uma senhora que tem uma boa casa e vem para o trabalho de carro. Ela não ganha bem, mas vai mantendo um padrão de vida razoável.

O homem fez um olhar de intrigado. Eu continuei.
- Faz algum tempo, numa conversa, ela disse que tinha juntado dinheiro para passar as férias em Florianópolis.

O sujeito começou a fazer um ar intrigado.
- Mas ela trabalha na limpeza e não é pobre?

Tentei esclarecer.
- Sim. Ela é o que podemos chamar "pobre", para os padrões locais. Mas com certeza é menos pobre que os pobres brasileiros.

E o cara, um tanto desconcertado, soltou:
- Se o vizinho do teu patrão é taxista e até uma doméstica pode tirar férias no Brasil, então qual é a graça de ser rico em Portugal?

Dá para rir, mas também dá para chorar. O episódio pode não ter valor para análise sociológica, mas aponta uma tendência: o Brasil deve ter os piores ricos do mundo. Aliás, isso remete para a frase atribuída ao professor Victor Bulmer-Thomas, da Universidade de Londres: “as elites da América Latina só conseguem sentir-se ricas se estiverem rodeadas de pobres”.

O Brasil tem vivido essa realidade absurda, ao longo dos séculos. Para algumas pessoas – em especial aquelas que a tradição decidiu chamara “coxinhas” – não basta o sucesso próprio. É preciso ver o fracasso dos outros. É preciso que haja pobres. E que os pobres conheçam o seu lugar.

E não há exemplo mais emblemático desse espírito que os episódios divulgados na semana passada – e hoje praticamente fora da agenda midiática – nas favelas do Rio de Janeiro. Favelados pobres (porque são todos pobres) sendo fotografados e fichados pelo exército como fossem cidadãos de segunda categoria. Ou melhor, como se nem fossem cidadãos.

É a dança da chuva.