quarta-feira, 21 de março de 2018

A morte e as mortes de Marielle Franco


“As marcas dos homicídios não estão presentes apenas nas pesquisas, nos números, nos indicadores. Elas estão presentes sobretudo no peito de cada mãe de morador de favela ou mãe de policial que tenha perdido a vida. Nenhuma desculpa pública, seja governamental ou não, oficial ou não, é capaz de acalentar as mães que perderam seus filhos. (…) Não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pela dor que paira também nas 16 famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs”.

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Desde julho de 2014, quando o líder quilombola Paulo Sérgio Santos foi morto a tiros no acampamento Nelson Mandela, em Helvécia, no interior da Bahia, outras 22 lideranças políticas, militantes de diferentes movimentos sociais, foram assassinadas. No dia 15 de março último, o assassinato de Marielle Franco, vereadora pelo PSOL carioca, aumentou essa estatística perversa.

A morte de Marielle, 24a vítima de execuções políticas em menos de quatro anos, teve ampla repercussão dentro e fora do Brasil, em parte pelo contexto em que ocorreu, apenas um mês depois da intervenção federal no Rio de Janeiro. Uma das facetas dessa repercussão evidenciou, uma vez mais, os imensos reservatórios de ódio – a expressão é do historiador germano-americano Peter Gay – capazes de banalizar e justificar, de maneiras as mais torpes, uma tragédia que ceifou, violentamente, duas vidas – junto com Marielle, morreu também Anderson Pedro Gomes, seu motorista.

Das vozes que emergiram do esgoto, algumas se sobressaíram: o líder do MBL gaúcho, Felipe Pedri; o deputado federal Alberto Fraga (DEM); a desembargadora carioca Marília de Castro Neves; o também deputado e pastor Marco Feliciano. Centenas de outras se incumbiram da tarefa abjeta de difamar e caluniar Marielle Franco. Para os milicianos virtuais, a morte física perpetrada pela milícia armada – quatro tiros na cabeça – não foi suficiente. Era preciso matá-la de novo, ainda que as razões dessa segunda milícia, a das redes, não sejam exatamente as mesmas daquela, a armada.

Para esta, a vereadora e militante do PSOL era, principalmente, um incômodo político. Sua atuação, primeiro na Comissão de Direitos Humanos da Alerj, ainda como assessora do deputado Marcelo Freixo e, desde o ano passado, como parlamentar, foi pautada na defesa intransigente dos indivíduos e comunidades fragilizadas pela constante violência a que são sujeitadas.

Isso significava, entre outras coisas, denunciar a corrupção e a violência policiais e a ação das milícias, expondo suas digitais nos assassinatos e chacinas que se tornaram um lugar comum nas favelas cariocas. Significava também escancarar a participação de parte da própria força policial nas milícias, mostrando o quanto, em certa medida, uma era extensão da outra, e que a violência não é “uma exceção”. Discurso comum entre oficiais que precisam justificar a truculência desmedida de seus subordinados e as deles próprios, ela é um mal que afeta estruturalmente a corporação, de alto a baixo, resultado de nossa concepção equivocada e distorcida de polícia.

Nas redes sociais, os milicianos virtuais fizeram o que sabem fazer melhor: mentiram, distorceram, difamaram, caluniaram. A segunda morte de Marielle, a tentativa de assassiná-la, por assim dizer, simbolicamente, foi principalmente um empreendimento movido pelo ódio ao outro, sintetizado na figura de uma mulher negra, lésbica, nascida e criada na periferia, militante de esquerda e dos direitos humanos.

Contra o “Estado penal” – Mas foram principalmente o racismo e o preconceito de classe os afetos que moveram a verborragia virtual. Para as milícias que atuam nas redes, não há outra explicação possível à ascensão social e política de uma mulher negra e da periferia – Marielle nasceu e foi criada na Maré –, que não sua associação ao crime – o líder do MBL gaúcho afirmou, textualmente, que “por óbvio a vereadora tinha relações com o CV e outros. Isso é básico”.

O duplo preconceito é reforçado na afirmação, reproduzida inúmeras vezes, de que Marielle “defendia bandidos” por conta de sua militância nas comunidades periféricas. Não há retórica que disfarce o óbvio: para os seus executores virtuais, todo morador de favela é um criminoso, principalmente se negro, e estar ao lado deles na defesa de seus direitos mais básicos – como o direito à vida – é entrincheirar-se ao lado de bandidos.

Marielle Franco respondeu aos que fomentam o ódio, o preconceito de classe e o racismo quatro anos antes de ser assassinada. Em sua dissertação de mestrado em Administração Pública, “UPP – a redução da favela a três letras”, defendida na Universidade Federal Fluminense em 2014, cuja passagem serve de epígrafe a esse texto, ela identifica na implantação das UPPs, fruto da parceria dos governos petistas com os governadores Sérgio Cabral e Pezão, a continuidade do que estudiosos do tema chamam de “Estado penal”.

Os resultados nefastos desse modelo de segurança pública, que traduz exemplarmente a relação do Estado com as populações subalternizadas, não vitimiza apenas civis. Na dissertação, mas também em intervenções públicas, Marielle pontuava que a violência atingia igualmente policiais, e lembrava que o efetivo militar que atuava nos morros era composto, em sua maioria, por homens negros e pobres.

De um modo ou de outro, as vítimas preferenciais do “Estado penal” brasileiro têm a mesma cor de pele, a mesma etnia e as mesmas origens sociais e geográficas, daí a necessidade de organizar, nas palavras de um amigo muito caro, “as rebeldias de pessoas exploradas e oprimidas”, tarefa a qual ela se dedicou com afinco.

Sim, Marielle Franco foi assassinada por ser mulher, negra, lésbica, nascida e criada na periferia e militante de esquerda e dos direitos humanos; e pelos mesmos motivos, milícias virtuais a executaram nas redes. Mas suas mortes foram impulsionadas também pelo que temiam, nela, seus muitos executores: a irrupção do novo, a militância em defesa da dignidade e da vida, e contra as muitas formas de violência que, desde o Estado, precarizam principalmente os corpos de homens e mulheres pobres e negros. Nossa melhor resposta, talvez a única possível, para honrar sua memória, é não esmorecer frente à barbárie.

12 comentários:

  1. Há anos uma ativista dos direitos humanos disse em um congresso sobre anistia, sediado no Rio, aquilo que todos nós sabemos: “o político só sobe o morro com o consentimento do traficante”. Não vejo políticos do MDB, nem do PSDB, nem do PT nem até mesmo do PC do B subindo morros e “falando com a comunidade”, só os do PSOL (socialismo “COM” liberdade!!!). Uma vez que o canal é aberto com o chefe do tráfico, o “dono do morro”, há cobranças sobre aqueles que objetivam angariar votos dos moradores se travestindo de defensores dos direitos humanos. Vejam bem, não estou afirmando que essa moça tinha relações com os criminosos, acho até que tinha boas intenções junto à comunidade, mas alguém do partido dela provavelmente tinha.

    O PSOL vem há muito denegrindo a imagem da polícia. Para a maioria dos políticos desse partido, o aviãozinho assassinado pelo chefe da boca de fumo não vira nem estatística, só as mortes causadas nos conflitos entre os traficantes (“vítimas da sociedade”) e os “assassinos” policiais. Uma coisa é apontar criminosos dentro da polícia, outra é generalizar toda uma corporação. Obviamente um político que defende abertamente as ações de criminosos tem suicídio politico, mas ao desqualificar as ações da corporação policial perante a sociedade, o crime organizado agradece.

    Percebam, inclusive, que as investigações estão ocorrendo pela polícia civil, OAB, direitos humanos etc, e ainda não chegaram aos criminosos, mas para muitos do PSOL (socialismo “COM” liberdade...) foi a Polícia quem matou a vereadora. Vejam bem: não foram “assassinos” ou “criminosos”, foi a “POLÍCIA”. Tem método nesse discurso.

    A dantesca maioria que votou na vereadora assassinada é da classe média de Copacabana e Leblon (malacos usuários de drogas ilicitas). Ou seja, a vereadora não representava a população que supostamente “sofre com as ações da polícia”, mas a população de classe média, que também sofre com as ações da polícia por não receber a trouxinha de maconha ou cocaína nos seus condomínios fechados. Foi essa classe média “politizada” que votou maciçamente nela e no Freixo.

    O PSOL (socialismo “COM” liberdade), jornalecos esquerdistas (Foice de SP, Globo “golpista”) e blogs sujos vislumbram a possibilidade de serem policiais os assassinos porque um lote com as balas usadas na execução foi extraviado da PF em 2006 (!!!!). Mas o automóvel usado na execução, encontrado no interior de MG, que pertence a alguém ligado ao tráfico, “não é prova suficiente para relacionar o dono ao crime”! Ou seja, se não acharem os culpados, aos olhos do PSOL (socialismo COM liberdade!) e de jornalistas desonesto intelectuais, o crime já está precificado pela polícia e ponto final!

    Quem mandou executar a vereadora tem o mesmo objetivo que ela tinha: NÃO QUER A INTERVENÇÃO DO GOVERNO COM MILITARES NA PERIFERIA!!! Talvez essa moça foi usada para algo maior. Não excluo a possibilidade de milicianos (ligados à polícia ou não) estarem envolvidos na morte da vereadora, mas, com tudo isso, se eu representasse o PSOL, aguardaria a resolução dos fatos antes de apontar o dedo como vez fazendo.

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    1. Embora você não assine, pelo tamanho do texto e a verborragia, suponho que quem escreve seja o tal do "Eduardo, Jlle.".

      Pra você ver, até um canalha que não esconde o próprio nome, coisa rara por aqui, na hora de bancar o miliciano virtual apela ao anonimato.

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    2. Pessoas que vivem num conto de fadas, numa realidade idealizada, alheias aos fatos, não costumam lidar bem com perspectivas que vão de encontro com os anseios púberes delas.

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  2. Percebam q em toda sua arjumentação esquizofrênica, o lunático das 10:06 se refere a ativista e vereadora Marielle Franco como "a vereadora assassinada". Nada mais coerente, vindo do um covarde e sem caráter, que da mesma forma que os assassinos de Marielle, se esconde atrás do anonimato..

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  3. O crime está sendo investigado e não há nenhuma conclusão ainda. Porém, eu acredito que o crime tem razões políticas e nada tem a ver com racismo e preconceito. Traficantes, milícias e policiais corruptos são os principais interessados no término da intervenção militar! Assim sendo...

    https://www.youtube.com/watch?v=kr7dm62i6Vc

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  4. Intervenção militar nunca foi e nunca será a solução para o fim do tráfico, dos milicianos e da corrupção na polícia..é justamente o contrário. México está aí pra confirmar.

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    1. Não se trata da intervenção acabar ou não com o tráfico. O problema é que a intervenção atrapalha muito os "negócio$" do tráfico, da milícia, etc.

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    2. Deixe de ser tonto, seu tonto. Atrapalha nada, ajuda.... Tráfico não quer bandidagem assaltando mercearia da esquina..pq é isso que incomoda os negócios deles.

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  5. Gruner,

    E se alguém, ou algum partido político, viesse agora a defender os assassinos da vereadora Marielle, dizendo que esses assassinos são vítimas da sociedade opressora e blábláblá? Causaria revolta, né? Claro! Pois bem, essa é a mesma indignação que presenciamos quando o mesmo é defendido pelo PSOL.

    Bandido não tem lado! Bandido é bandido e precisa ser punido!

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    1. Não sei o que você anda lendo, nem com quem você anda conversando. Mas você precisa, urgentemente, melhorar seu nível de informação, porque só na sua cabeça de quinta série a discussão sobre direitos humanos e criminalidade pode ser resumida a "assassinos são vítimas da sociedade opressora e blábláblá".

      O que eu acho da sua pergunta? Simples: se pretende discutir assunto de gente grande como gente grande, cresça.

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    2. Clovis, tens um bom texto, mas parcial, o anônimo que postou acima foi lúcido, já que há conclusões precipitadas e sem apuração. Ninguém sabe quem foram os autores e quais os interesses ainda isto é fato, portanto é prematuro concluir qualquer coisa apenas supor, por hora temos apenas hipóteses, sejam válidas ou não.

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  6. Mesmo q 100% dos ativistas assassinados no Brasil sejam de pessoas ligadas à esquerda ou a movimentos sociais apoiados pela esquerda, ainda aparecem imbecis feito esse anônimo (redundância) das 13:18 pra bostejar que "não se sabe quais foram os motivos".

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