Mostrando postagens com marcador eleições 2018. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador eleições 2018. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

O ano foi de Bolsonaro

POR CLÓVIS GRUNER
Outro dia alguém me sugeriu em tom de chacota, no Facebook, que eu superasse Bolsonaro. Não há motivos, obviamente: se tanta gente – a começar por boa parte dos comentaristas anônimos desse blog – ainda não superou Lula, preso há meses em Curitiba, ao ponto de não conseguir comentar uma receita de bolo sem dar um jeito de meter o nome do ex-presidente no meio, por que deveria eu superar um presidente, que nem posse tomou ainda?

Começo citando essa pequena anedota, típica das redes sociais, porque o ano foi mesmo de Bolsonaro: desde fevereiro, quando sua candidatura não estava ainda formalizada, foram oito textos que o tiveram por tema. Alguns falaram dele mais tangencialmente, ao abordar a produção e difusão das fake news e da homofobia, ou o “kit gay”, uma das muitas mentiras perversas propagadas por Bolsonaro em sua campanha.

Mas a partir de agosto, falar do candidato Bolsonaro se tornou uma obrigação. Em outubro, quando a eleição de um candidato fascista já era praticamente certa, quatro textos abordavam o assunto: as razões de sua vitória, além de eleitoral, simbólica; uma análise de seu discurso após o primeiro turno; a eleição de Bolsonaro como um retrocesso democrático; e, enfim, o caráter fascista de sua candidatura.

Os impasses e os equívocos da esquerda também mereceram algumas linhas. Falei da indicação no mínimo problemática de Guilherme Boulos à presidência pelo PSOL, e extrapolando os limites nacionais, desenvolvi uma breve digressão sobre o caráter autoritário dos governos de Maduro e Ortega, na Venezuela e na Nicarágua, em uma polêmica com meu colega de blog, José Antóio Baço.

E sim, também falei de Lula. E em pelo menos dois textos – sobre a concepção frágil de cidadania dos governos petistas e os impasses eleitorais após decretada a sua prisão – sob perspectivas bastante críticas. Obviamente elas não foram percebidas pelos nossos comentaristas anônimos porque bem, se fossem, não seriam os nossos comentaristas anônimos. 

Mas no balanço de 2018, há outros assuntos igualmente desagradáveis além de Bolsonaro (não foi um ano fácil): a intervenção no Rio de Janeiro e o assassinato, ainda sem solução, da vereadora Marielle Franco, abordaram a violência e seus vínculos com a política e o Estado. Nas últimas semanas, o avanço da ideologia reacionária do “Escola sem Partido”, um dos efeitos deletérios da eleição de Bolsonaro, foi tema de alguns textos, onde abordei a escolha dos docentes como os novos inimigos, e a “ideologia de gênero”, outra das grandes mentiras propagadas por Bolsonaro.

E enfim, não seria possível um balanço de 2018 sem falar dos cinco anos de Junho de 2013. O texto que faz uma leitura das manifestações saiu no dia 20, exatos cinco anos depois que mais de dois milhões de pessoas ocuparam praças e ruas de cerca de 400 cidades em todo o país. Em um ano que deixará tantas lembranças ruins, a memória das Jornadas de Junho pode servir como um sopro de esperança: ainda que as expectativas para 2019 não sejam as melhores, seguiremos. E como só merece consideração e paciência quem perturba, minha escolha está feita: sigo perturbando.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A indiferença é irmã gêmea do fascismo

POR CLÓVIS GRUNER
O deputado e candidato à presidência Jair Bolsonaro é um fascista. E seus eleitores, também? Na segunda (22), meu colega José António Baço respondeu afirmativamente à questão e, nos comentários, um dos anônimos mencionou meu nada santo nome em vão, no que me soou uma espécie de inquirição. Minha resposta à pergunta está em um texto publicado em agosto, e não vejo motivos para reparar o que está escrito nele.

Mas o problema me parece outro: faz mesmo alguma diferença se os eleitores de Bolsonaro são todos fascistas? Mesmo que não o sejam (e não acho que sejam) ao votarem nele, não legitimam a ascensão de um fascista? No domingo, a se confirmarem as pesquisas, Bolsonaro chega ao poder montado na campanha mais sórdida, mentirosa e violenta na história recente da República – e o páreo, convenhamos, é duro.

Ele não era oficialmente candidato, mas já viajava o país em campanha usando ilegalmente recursos públicos, quando vociferou que, em seu governo, as minorias se submetem à maioria, ou desaparecem. O que ele pretendeu com a afirmação, ficou mais claro no silêncio que manteve, e mantém, sobre o assassinato de Marielle Franco, executada com três tiros na cabeça por não se sujeitar e combater a maioria e as milícias, aquelas que Bolsonaro elogiou em um de seus discursos parlamentares.

Em seu primeiro pronunciamento após a votação do primeiro turno, condicionou a unificação do país ao fim de “toda forma de ativismo”. Não é preciso nenhum esforço para entender a que ativismo ele se referia, porque é legítimo supor que os seus próprios ativismos e aqueles que reverberam suas ideias (tipo mulheres ganharem menos e pobres serem privados do ensino superior), deverão ser mantidos e estimulados em seu governo.

No domingo, seguro que tem o apoio de uma maioria nada silenciosa, e contando com a conivência acovardada do STF, que insiste em afirmar a “normalidade das instituições”, Bolsonaro ampliou o escopo daqueles que pretende perseguir caso eleito: a “escória vermelha”, disse, precisa escolher entre o exílio ou a prisão (aos trabalhadores ele já sugeriu escolherem entre direitos e emprego), e aniquilá-la será a condição para melhorar o país.

Os exemplos abundam, mas não é preciso que me alongue mais. É bastante provável que, a essas alturas, a maioria dos seus eleitores conheça cada uma dessas declarações e outras tantas. Mas a tendência geral é, cinicamente, ignorá-las, relativizá-las ou justificá-las, como no episódio do caixa 2, apelando a teorias conspiratórias as mais esdrúxulas. Bolsonaro é “mito” até quando recebe apoio da Ku Klux  Klan e reduz a “coitadismo” a desigualdade e o preconceito.

A parada do velho novo – Em “Como a democracia chega ao fim”, o cientista político David Runciman parte da eleição de Donald Trump nos EUA, para analisar o que chama de “versão caricatural do fascismo”. A insatisfação e a desconfiança com a democracia, geradas principalmente pela crise econômica, propiciaram a ascensão de um líder populista, que se apresentou aos eleitores como um outsider antissistêmico. Sem um programa claro, Trump foi eleito oferecendo soluções simplistas para problemas complexos, somando-se a isso a produção e proliferação serial de fake news, o preconceito contra minorias e o anti-intelectualismo.

Há semelhanças com o caso brasileiro, mas as diferenças chamam mais a atenção. Não temos o poder nem a influência econômica dos EUA. Na linguagem do mercado, o Brasil não é um player, e a eleição de um fascista pode dificultar a almejada recuperação econômica. Além disso, a democracia americana é sólida o suficiente para assegurar a cada cidadão, eleitor ou não de Trump, que seu mandato tem prazo de validade. Não temos a mesma garantia.

Além disso, Bolsonaro conjuga elementos do fascismo histórico – a irracionalidade, o personalismo, o elogio da força física e da violência, a moralização da política e a demonização de supostos inimigos, por exemplo –, a formas de autoritarismo cultivadas no terreno fértil da história nacional: a escravidão, experiência estruturante do nosso racismo; a violência estatal contra movimentos sociais; o esquecimento da ditadura; a cordialidade, raiz de nossa baixa tolerância à democracia.

As democracias modernas, nos ensina Runciman, morrem por dentro. A eleição de líderes populistas autoritários, argumenta, é o primeiro passo para um caminho de difícil retorno: quando abrimos mão de nossos direitos e liberdades, ou simplesmente votamos insensíveis ao fato de que indivíduos e grupos serão forçosamente privados deles, porque parte de “minorias”, estamos legitimando com nossas escolhas o fascismo.

Na segunda, não por acaso o dia seguinte ao discurso inflamado de Bolsonaro me oferecendo e a muitos de meus conhecidos, a prisão ou o exílio, e nos ameaçando com o aniquilamento, uma petição pública virtual circulou pela internet pedindo apoio à proposta de pena de morte para “petistas”. Antes de ser tirada do ar, já havia colhido cerca de 400 assinaturas.

Um eleitor de Bolsonaro me disse, em meio a uma discussão algo acalorada, que eu estava a exagerar; o abaixo assinado, afinal, não prosperou. Que ele tenha sido concebido e proposto, e que quase quatro centenas de internautas tenham se disposto a assiná-lo, basta. Se todos os eleitores de Bolsonaro são, como ele, fascistas? Como eu disse, isso importa menos. São indiferentes, e a indiferença já produziu, na história, um bom quinhão de barbárie.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Bolsonaro, 40 anos em 4

POR CLÓVIS GRUNER
“O progresso pede passagem”, me avisa um comentarista anônimo, depois de classificar meu último texto como “pobre e retrógrado” e sugerir que eu continuasse “falando com as paredes”. Ele sabe, certamente, que a campanha de seu candidato foi construída com base na fabricação e distribuição em série de centenas de fake news, com um nível de profissionalismo só visto na eleição que conduziu Trump à presidência dos EUA, coordenada pelo estrategista Steve Bannon.

Ele também sabe da escalada de violência que, da destruição da placa em homenagem à Marielle Franco, executada a tiros há sete meses, ao assassinato de Moa do Katendê, sinalizam muito claramente que estamos a lidar com uma milícia que não limita sua ação ao ambiente virtual. Ele sabe, mas simplesmente não se importa, provavelmente porque considera isso o preço a pagar pelo “progresso”.

Mas onde meu anônimo leitor – que se considera uma parede, se o entendi bem – encontra, no programa de governo e nas declarações de Bolsonaro, o mais pálido indício de que sua vitória eleitoral no próximo dia 28 abrirá às portas para o progresso? Certamente não na trajetória do deputado, um político tradicional e governista, que sempre se posicionou favoravelmente à manutenção de todos os privilégios parlamentares, incluindo o direito de receber propinas e empregar assessores fantasmas.

Talvez ele vislumbre o progresso na afirmação de que Bolsonaro não negociará cargos, uma bravata típica de políticos profissionais em campanha que, no caso de Bolsonaro, já caiu por terra: ele pretende nomear como Ministro da Educação um dos diretores da “Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)”, justamente a entidade que mais lucrará se, presidente, Bolsonaro levar adiante sua proposta de implementar o ensino a distância desde a alfabetização.

Paulo Guedes, o candidato a Ministro da Economia do candidato a presidente que é honesto e não negociará cargos, é sócio em negócios que lucrarão muito dinheiro com as propostas econômicas de Bolsonaro que, aliás, ele ajudou a formular. Além disso, está a ser investigado por supostas fraudes em negócios com fundos de pensão de estatais, associado a executivos e políticos ligados (adivinhem?) ao MDB e ao PT. Um progresso e tanto, sem dúvida.

A agenda liberal, que a depender do ponto de vista justificaria a crença algo oitocentista no progresso, também é incerta: Bolsonaro já foi chamado de “ameaça” pela britânica “The Economist” e pelo filósofo nipo-americano Francis Fukuyama. É verdade que entre seus eleitores, ambos viraram bastiões do comunismo internacional, mas isso só demonstra, mais uma vez, o baixíssimo nível intelectual daqueles. Além disso, ele não tem um programa claro para a economia e se recusa a debater como pretende implementar, depois de eleito, medidas para conter a crise.

Violência e Venezuela – Maria do Rosário, a que não merece ser estuprada porque é feia, apresentou Projeto de Lei para aumentar a punição a quem comete crime contra funcionários públicos no exercício de sua função, incluindo policiais. Marielle Franco, a que foi assassinada, prestava assistência, por meio da Comissão de Direitos Humanos da Alerj e do seu mandato como vereadora, a policiais e familiares vítimas da violência.

Já Bolsonaro promete acabar com a violência, o que seria de fato um progresso, mas nunca aprovou um único projeto que beneficiasse as políticas públicas de segurança no seu estado em quase 30 anos como deputado. Informado sobre as seguidas agressões perpetradas por seus apoiadores nos últimos dias, se desresponsabilizou inteiramente por elas. Seu desejo é que o Brasil volte a ser como há 40, 50 anos – ou seja, durante a ditadura militar, justamente o período em que os índices de criminalidade explodiram.

Mas talvez o anônimo comentarista se refira ao “risco Venezuela”: circula furiosamente nas redes a versão de que apenas um governo bolsonariano pode evitar que o Brasil copie o país vizinho, mergulhando-nos no atraso. É verdade que parte da esquerda, incluindo segmentos do PT, ainda insiste em defender o desastre autoritário em que se transformou a Venezuela. Mas não há nada, nos 13 anos de governo petista, que sustente um medo que só sobrevive graças à ignorância e os grupos de WhatsApp.

Não se pode dizer o mesmo de Bolsonaro, no entanto. Ele pretende nomear “um montão” de ministros militares. Como Hugo Chávez na Venezuela. Seu vice, o general Mourão, defendeu uma Constituição sem constituinte, escrita por “notáveis” e depois submetida a referendo popular, sem debate com a oposição. Como Hugo Chávez na Venezuela. Bolsonaro quer aumentar o número de ministros no STF, para nomear uma maioria de juízes alinhada com seu governo. Como Hugo Chávez na Venezuela.

Em artigo publicado recentemente na revista “Época”, Conrado Hübner Mendes escreveu que ser “contra a venezuelização do Brasil e votar em Bolsonaro é uma contradição performativa (aquele ato que faz o contrário da intenção declarada)”. Para a cientista política Maria Hermínia Tavares, Bolsonaro representa o chavismo com sinal invertido. Steven Levistky, professor em Harvard e autor de “Como as democracias morrem”, equipara Bolsonaro a Chávez, e vê no deputado brasileiro um exemplo do que defende em seu livro.

Quem não vê nele uma ameaça é David Duke. O líder da Ku Klux Klan disse que o deputado “soa como nós”, e somou forças à ampla coligação que o apoia. Só o censura por sua proximidade com Israel, possivelmente porque desconhece que Bolsonaro não é solidário exatamente aos judeus, mas ao governo Netanyahu, de extrema direita, e à política de extermínio dos palestinos. Auschwitz, câmara de gás, Shoah? “Chega de mimimi”, diria Bolsonaro. Um progresso.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Bolsonaro e a anatomia de uma derrota

POR CLÓVIS GRUNER
Foi afirmando seu descompromisso inabalável com a democracia, que Jair Bolsonaro se dirigiu ao Brasil na noite de domingo, logo após a confirmação de um segundo turno entre ele e Fernando Haddad. Ao lado de uma tradutora de Libras e de uma reprodução em papelão de Paulo Guedes, afirmou que o primeiro turno foi fraudado e que será preciso, após eleito, acabar com todo o ativismo político no Brasil.

Não há evidência de fraude. Problemas com urnas eletrônicas surgem e são resolvidos em todas as eleições, mas isso nunca impediu Bolsonaro de ser eleito por elas para seus vários e improdutivos mandatos como deputado. No domingo mesmo, o resultado das urnas parece ter surpreendido o próprio candidato, e não apenas porque sua votação – 46,7% do total de votos válidos – ficou bem acima do que indicavam as pesquisas.

Mas também porque o PSL elegeu a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, além de vários parlamentares nas Assembleias Legislativas de diferentes estados. Um bom número é egresso de quarteis e delegacias: no Paraná, por exemplo, são quatro delegados e quatro militares (dois soldados, um subtenente e um coronel). Depois de “regime militar” (ou “movimento”, de acordo com Dias Toffoli), parece que o Brasil fará mais uma contribuição original à ciência política: a “democracia policial”.

Os números mais que confirmam o fracasso da política e dos partidos tradicionais. Mais particularmente para a esquerda, se trata de uma derrota acachapante, que pouco provavelmente será revertida no segundo turno. Os anônimos comentaristas desse blog podem preparar o foguetório: de tanto nos mandarem para a Venezuela, a partir de 2019 a Venezuela virá até nós.

Vitória do antipetismo – Bolsonaro concorre com um programa que reproduz as conversas de grupos do WhatsApp, diagramado por algum adolescente. Suas declarações, do general Mourão e do economista Paulo Guedes, além de desencontradas, infundem temor. Os seguidos desmentidos inspiram tanta confiança quanto Collor afirmando, em 89, que não confiscaria nossa poupança.

Sem estrutura partidária nem direção, e com parcos oito segundos de TV, o PSL concentrou a campanha nas redes sociais, principalmente nos grupos de WhatsApp, onde montou uma rede de compartilhamento de fake news difícil de rastrear, controlar e desmentir, porque demasiado “líquida”. O alvo principal foi, obviamente, o PT, embora tenham sobrado petardos também para outras candidaturas do establishment.

A estratégia foi suficiente para eleger, entre outros, Hélio Fernando Barbosa, ou “Hélio Negão”: em 2016, pelo PSC, ele obteve menos de 500 votos e ficou em 131º lugar na eleição para vereador em Nova Iguaçú, no Rio de Janeiro. No domingo, recebeu 342 mil votos para deputado federal. Como Hélio, inúmeros outros candidatos que “colaram” em Bolsonaro passaram da condição de desconhecidos a campeões de voto. Por outro lado, figuras tradicionais da política brasileira, à direita e à esquerda, não conseguiram se reeleger.

Aquilo que analistas vem chamando, desde o final de semana, de “nova direita” é, basicamente, fruto de uma aliança que tem como eixo central o antipetismo. Não há programa, projetos, ideias; mas sobra um ódio patológico ao PT que justifica qualquer coisa, inclusive colocar sob risco nossa já frágil democracia, entregando o governo nas mãos de um político aventureiro e fascista.

Herança autoritária – Não há paralelo na história recente da América do Sul. Apesar de terem vivido ditaduras, algumas ainda mais cruéis que a nossa, soluções autoritárias não são sequer cogitadas na Argentina, no Chile ou no Uruguai. Nos dois primeiros, presidentes de direita foram eleitos dentro dos limites da normalidade democrática, e não há indícios de que pretendam alterá-la.

Um paralelo possível para entender o funcionamento e a capacidade de mobilização dessa “nova direita” está em outro tempo. Uma tradição historiográfica que inicia em Hannah Arendt e se estende até historiadores como Robert Paxton e Michael Mann, insiste na tese de que a eficácia do fascismo europeu dos anos 30 residiu, entre outras coisas, em sua capacidade de contrapor, à racionalidade política das democracias liberais, o irracionalismo característico das massas.

O culto personalista ao líder, o elogio da força física e da violência política, em um ambiente de instabilidade e crise, sedimentaram um tipo de unidade que não tardou a reconhecer, na democracia e suas instituições, a razão de um declínio que era, principalmente, moral. O passo seguinte foi oferecer, a essa mesma massa, um inimigo a temer, combater e eliminar.

No Brasil, Bolsonaro conta ainda com as políticas de esquecimento que atravessam e estruturam o presente de uma sociedade que não aceita nem mesmo discutir a dívida histórica da escravidão, que nega a existência de uma ditadura e desqualifica a memória de suas vítimas. No domingo, Bolsonaro prometeu “acabar com todo o ativismo político” como condição para “conciliar o país”. Instruído por algum assessor, dessa vez ele não disse que as minorias, ou se curvam à maioria, ou simplesmente desaparecem. Mas poucas vezes um silêncio gritou tão alto.

***

Bolsonaro ainda não foi eleito e a escalada da violência já começou. Ontem à noite, um aluno do curso de História da UFPR foi agredido por um grupo de eleitores aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”, porque usava um boné do MST. Não é o primeiro caso, mas é o primeiro que tem por vítima alguém mais próximo. Têm razão os que dizem que Bolsonaro não assinará nenhuma lei autorizando agredir e matar quem lhe faz oposição. Não será preciso.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Rachou feio


POR JORDI CASTAN
Rachou feio.

Escrevi aqui, semana passada que o Brasil amanheceria hoje rachado. Não seria surpresa o resultado desta eleição, mesmo que polarizada, ser muito parecida com a que elegeu a chapa Dilma-Temer. Das urnas saíram dois brasis. Duas nações cada vez mais diferentes, cada vez mais contrastantes e cada vez mais difíceis de governar. O Brasil perdeu, saiu ainda menor. E o resultado do segundo turno será ainda mais dramático.

Podemos prever discursos inflamados entre “nós” e “eles”. Discursos que agora terão ainda mais eco e ganharão força e terão repercussão. Aliás, já começaram. Ontem à noite, mesmo antes do fechamento total do escrutínio dos votos, já circulavam nas redes sociais frases, imagens e consignas contra a “Venezuela do Sul” ou a “Cuba do Sul”, aquele país, que no imaginário do eleitor de Bolsonaro representa tudo o que de atrasado no Brasil.

Deve ganhar força o discurso separatista do Brasil economicamente desenvolvido e progressista, que reuniria, no imaginário de muitos todos aqueles estados em que o candidato da direita nacionalista venceu. O outro Brasil seria o constituído por todos aqueles estados que votam PT, mesmo sabendo que o partido roubou numa escala nunca antes vista. Mesmo conscientes que uma boa parte do seu atraso e subdesenvolvimento são resultado da corrupção com que compactuam e aprovam, pretendem eleger e reeleger uma e outra vez dinastias de políticos que os exploram e os enganam, mantendo-os num estado de miséria que os faz dependentes dos mesmos políticos em que votam.

O quadro é desastroso. Mas para não nós deixar levar só pelo pessimismo, é bom destacar que alguns dos piores nomes da política nacional não foram reeleitos. E, portanto, perderam o foro privilegiado. Vou deixar para cada um dos leitores escolher os nomes dos que ficaram no caminho. O importante é que houve uma renovação significativa no Senado. Houve nomes destacados que se candidataram para a Câmara dos Deputados, para assim garantir a sua eleição, em alguns casos a estratagema funcionou bem.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Anatomia de um desastre

POR CLÓVIS GRUNER
Na última sexta (28), José António Baço, meu colega de blog, publicou texto onde, sob o título “10 razões para o fracasso de Bolsonaro”, defende que a candidatura do deputado fascista está, como o título sugere, “condenada ao fracasso”. E vaticina: “Perdendo ou ganhando, o fato é que o candidato nada tem a oferecer ao país. Não tem uma proposta. Não tem um programa. Não tem uma orientação”.

Tudo isso é verdade. Mas se concordo com Baço no varejo, discordo dele no atacado: independente do resultado das urnas, Bolsonaro é o grande vitorioso dessas eleições, e por diferentes razões. Uma mais imediata: mesmo que não se eleja presidente, sua candidatura mobiliza votos suficientes para garantir bancadas parlamentares numerosas e fortes o bastante para barganharem, com os governos, cargos e retrocessos.

Além disso, levaremos anos para reconquistar o mínimo de civilidade, se é que conseguiremos, no debate público, depois que naturalizamos excrescências até há pouco tratadas como exceção. O estrago que uma campanha movida à  fake news, disseminação do ódio contra minorias, intolerância à democracia, às liberdades individuais e aos direitos humanos os mais elementares causa, não pode nem mesmo ser mensurado no curto prazo.

Bolsonaro é, de fato, um fenômeno: na história política recente, apenas Eduardo Cunha rivaliza com ele quando se trata de comparar políticos que, oriundos do chamado “baixo clero”, ascenderam tão rapidamente a posições de prestígio. Mas, diferente do antigo aliado, Bolsonaro disciplinou a sede com que foi ao pote e sobreviveu ao tsunami que, em graus variados, atingiu parte do “alto clero” nos últimos dois ou três anos.

Foi isso, e não sua suposta honestidade (e quem o diz não sou só eu, mas o próprio, em entrevista ao Jornal Nacional), que o manteve longe das manchetes policiais. Por outro lado, ele foi hábil o suficiente para se descolar rapidamente tanto de seu passado próximo ao PT – ele pertenceu à base de sustentação dos governos Lula e Dilma –, quanto de sua aliança e de seu partido, o PSL, com o governo Temer.

Há muitas, inúmeras razões, para temer Bolsonaro. Democratas à esquerda e à direita, têm alertado para os constantes ataques do candidato às minorias, seu desprezo às liberdades individuais e aos direitos humanos, e do quanto isso, entre outras coisas, compromete a imagem do país entre as nações desenvolvidas. Mas boa parte de seu eleitorado parece disposto a votar nele, não apesar, mas justamente por isso.

Como na Venezuela – Talvez porque se sintam desconfortáveis em viver em um país onde, como em sociedades de democracia mais estável, mulheres, negros e LGBTs têm seus direitos os mais básicos garantidos – por exemplo, o de perceberem salários iguais ou de não serem agredidos e assassinados em função de sua etnia e orientação sexual. É possível que vejam em Bolsonaro a possibilidade de voltarmos a algum estágio anterior, mais próximo da sociedade do século XIX, época em que, acreditam, a família tradicional brasileira não era ameaçada pelas minorias.

Mas Bolsonaro não representa apenas um atraso civilizacional, nos costumes e liberdades. Um passeio por suas declarações e de alguns de seus principais assessores, como o candidato à vice, o general Mourão, e o pretenso futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, além de uma leitura atenta de seu programa de governo, sinalizam mais claramente que o retrocesso será muito mais amplo. E nem seus eleitores mais devotos escapam dele.

O general Mourão, por exemplo, já falou em “autogolpe” e em “Constituição sem constituinte”, redigida, de acordo com ele, por um grupo de “notáveis” e submetida depois ao crivo de um referendo popular, sem a interferência da oposição. Uma proposta semelhante ao processo que culminou, na Venezuela chavista, com a promulgação da Constituição bolivariana que vigora por lá atualmente.

Em entrevista recente, o próprio Bolsonaro afirmou não reconhecer outro resultado que não a sua vitória, e já defendeu também a ampliação de 11 para 21 o número de ministros no STF, para que possa nomear a maioria dos juízes durante seu mandato. Não sei se os comentaristas anônimos sabem, mas foi o que fizeram os generais brasileiros e também Hugo Chávez, na Venezuela, e por uma razão: controlar o judiciário é um dos princípios elementares de qualquer ditadura, à direita e à esquerda.

Mas talvez você seja daqueles que acredita na existência de ditaduras do bem, as de direita. E não se importa com porões clandestinos funcionando, quem sabe para eliminar de vez os tais 30 mil que a ditadura brasileira deixou de matar, desde que o Estado seja eficiente e o mercado, livre. Bom, nesse caso, sugiro revisitar urgentemente o histórico de votações de Bolsonaro em seus pouco produtivos 30 anos como deputado federal.

Ele pode ter mudado, é verdade. Mas temo que não para melhor. Mourão já vociferou contra o 13º, essa “jabuticaba” paga aos trabalhadores brasileiros – ele não parece incomodado com os cerca de 5 bilhões gastos anualmente em pensões a filhas solteiras de militares. Bolsonaro votou a favor da reforma trabalhista e defende a criação da carteira de trabalho verde-amarela, que não garante os direitos da tradicional carteira azul, e que costuma vender como solução ao desemprego.

Uma singular noção de eficiência – Sabemos no bolso de quem tais medidas impactarão mais drasticamente: nos mesmos que pagarão mais com a alíquota única do Imposto de Renda. A proposta de Paulo Guedes e Bolsonaro, de um percentual único de 20%, favorece quem tem renda maior e pagará menos imposto, e obriga os de baixa renda a desembolsar mais. Traduzindo: ganham os mais ricos, perdem os mais pobres. E há o retorno da CPMF; Guedes o defende, Bolsonaro diz que não. Mas como se trata de um mentiroso contumaz, não há porque acreditar nele.

Tem mais? Tem. Bolsonaro é contra o Bolsa Família; acha que a “molecada” tem “tara pelo ensino superior”, e por isso quer limitar o acesso dos menos favorecidos às universidades públicas extinguindo as cotas; defende o ensino à distância desde a alfabetização; e aposta na disciplina espartana do ensino militarizado, alheio ao fato de que qualidade em educação depende principalmente de investimentos que, entre outras coisas, valorizem os professores, suas carreiras e seus salários.

A única novidade do programa de Bolsonaro naquilo que ele afirma ser especialista, a segurança, é garantir que o cidadão comum, sem nenhum tipo de preparo ou treinamento, seja responsável direto pela sua proteção e do seu lar. Afinal, para que política pública se o “cidadão de bem” está disposto a morrer defendendo ele mesmo as fronteiras do lar e, de quebra, armar o bandido, só pelo prazer de portar e exibir um segundo falo?

Antes de levar um “cala a boca” e ser obrigado a cancelar suas aparições públicas, Paulo Guedes, cuja carreira era obscura até encontrar um beócio para chamar de seu, defendeu zerar o déficit público em um ano vendendo todas as estatais e todos os terrenos do governo federal – a proposta está no programa de governo de Bolsonaro. A expectativa, afirma, é conseguir arrecadar até 1 trilhão de reais aos cofres públicos.

Não sei dizer se por “todos os terrenos” devemos entender também os que incluem prédios públicos, e se Bolsonaro pretende transferir a estrutura governamental para imóveis alugados. Mas economistas sérios já alertaram para o fato de que a participação do governo nas estatais passa longe do trilhão – gira em torno de 140 bilhões. Além disso, não é possível privatizar todas as estatais em apenas um ano – vender empresas públicas não é como ir à feira no final de semana.

Anti-petistas, o grosso do eleitorado de Bolsonaro, costumam acusar quem votou em Dilma Rousseff na última eleição, de sabermos o que estávamos a fazer e que, por isso, não há motivos para reclamação. Na devida proporção, eles têm alguma razão. Mas devolvo a provocação: o desastre social, político e econômico de um governo Bolsonaro está devidamente anunciado. E demasiadamente explicado para desautorizar dizer depois: “eu não sabia”.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Acordaremos dia 8 com um Brasil rachado


POR JORDI CASTAN
Já escrevi aqui sobre o risco da polarização, dos extremismos, e da ruptura social que representa. Era previsível que a teoria do pêndulo fizesse oscilar o eleitor pós-ditadura, na direção de opções de esquerda, do mesmo jeito que agora é completamente previsível que depois de décadas de governos de esquerda o eleitor opte por votar em candidatos de direita. O problema reside na falta de opções. Não há opções reais de direita. Assim o eleitor fica dividido entre um ex-militar reformado com um discurso confuso e retrógrado e um bando de extremistas de esquerda cujo líder está preso por corrupção, condenado em segunda instância.

O quadro é desesperador. Para agravar ainda mais, Fernando Haddad diz que não quer repassar os erros de todos os envolvidos (em seu partido e nos governos de que formo parte) porque são muitos. Eu gostaria que os repassasse, que os expusesse e que não precisasse buscar conselho e apoio com um presidiário.

Não escondo que minha opção política será o partido NOVO, o único que apresenta até agora uma alternativa real a termos mais do mesmo. E entenda-se “mais do mesmo” como a institucionalização da corrupção, a roubalheira e a união mancomunada de todos os partidos, ou da sua imensa maioria, em torno de um projeto de poder, de aparelhamento do estado e da preservação de privilégios e sinecuras infinitas e insustentáveis.

No dia 7 de outubro não votarei no 17, até porque no atual quadro político não acredito que nenhum candidato possa ganhar no primeiro turno e não entrarei no jogo fácil de deixar de votar no candidato que defende as propostas e programas em que acredito, para votar em outro que representa um salto no escuro.

O que facilita a escolha no segundo turno é que tudo se encaminha a colocar o eleitor frente o dilema de votar no conhecido ou no desconhecido. E, neste caso, pesa muito o que já sabemos. Assusta o rancor, a falta de autocrítica, a incapacidade manifesta de reconhecer os erros e querer corrigi-los. Sem reconhecimento da culpa o PT e os partidos que orbitam no seu entorno, querem converter esta eleição num plebiscito que legitime suas roubalheiras, seus desmandos, seus abusos.

O retorno do PT e do que ele representa ao poder, seria a volta ao atraso, mais troglodítico. Seria realinhar o Brasil a Maduros, Evos, Kims, Castros, Obiangs e outros líderes totalitários, dos que qualquer país ou pessoa decente deveria manter prudente distância.
O resultado das urnas permitirá que o eleitor tenha tempo para refletir. Um tempo para pensar no Brasil que queremos. Hoje dois pontos chamam a atenção. O país está rachado entre os que estão a favor e os que estão contra um mito. A eleição converteu-se num plebiscito para escolher qual dos dois mitos vencerá. Não há como entender a furibunda dedicação de essa parcela do eleitorado, que destina mais tempo a ser contra um candidato, que a defender e divulgar as propostas do seu próprio candidato.

O resultado das urnas determinará se são mais os milhões que votaram em Ali Babá e a sua corja de ladrões ou os que acreditaram num mito. O eleitor foi jogado num beco sem saída. Se ganhar um será a legitimação da corrupção e a veneração da máxima que diz que “o fim justifica os meios” e que mesmo condenados e reconhecendo seus crimes merecem ser votados e voltar ao poder. Se ganhar o outro estaremos apoiando a volta da direita mais radical, a que flerta com o extremismo e o totalitarismo, e que se apresenta como não sendo corrupto. O drama é que as duas únicas alternativas possíveis sejam estas.

E tudo isso sem falar nas opções para os legislativos. Porque seja quem seja quem seja eleito terá que negociar com Assembleias, Congresso e Senado. Haja estômago. s

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Mudança ou morte!


POR JORDI CASTAN
Esta é uma eleição diferente. É certo que cada eleição é única e tem suas peculiaridades, mas esta, especialmente, tem características próprias. Seria ideal que tivéssemos a capacidade de nós abstrair um pouco da emoção, do fanatismo, do rancor, do que diz e mostra a imprensa e olhássemos além do que querem nos mostrar.

O eleitor, especialmente o menos educado politicamente - o que nada tem a ver com o seu grau de instrução - é facilmente manipulado pelas pesquisas, pelas fake news, pelos diversos jogos de interesses que envolvem cada eleição. O efeito manada tem um peso considerável na decisão de votar neste ou naquele candidato.

O brasileiro tem a ideia que não quer perder o voto e vota, muitas vezes, como se fizesse uma aposta. Muitos votam em quem tem mais chances de ganhar, ou em quem as pesquisas dizem que tem mais chances de ganhar. É como se de uma corrida de cavalos se tratasse. O resultado é, entre outros muitos, a baixa renovação dos legislativos, a reeleição dos mesmos de sempre, a baixa chance que tem as propostas e os candidatos menos conhecidos.
Para quem quiser ter uma visão mais clara ou menos deturpada do cenário político, seria bom que deixasse de ler jornais, ver televisão e de analisar pesquisas, porque todos mentem. Alguns mais deslavadamente que outros, mas todos mentem. Cada um tem seus próprios interesses e a verdade é a primeira vitima deste cenário.

Para piorar ainda mais, os meios e instrumentos de que partidos, marqueteiros, o sistema e os políticos dispõem para distorcer a realidade são cada vez maiores e mais sofisticados. É comum ver imagens de manifestações, comícios, carreatas que não condizem com a realidade e não sempre é fácil identificar a manipulação que se faz, ou o objetivo pretendido.
Imagens, frases fora de contexto, editadas são meias verdades, quando não são mentiras inteiras. Assim que o eleitor que não queira formar parte do rebanho precisa estar muito atento. Há dois pontos que me parecem importantes e que são uma novidade nesta eleição.

As imagens de candidatos a deputado federal ou senador discursando para multidões de 3 ou 4 pessoas, deveriam gerar uma análise profunda da consistência dos percentuais mostrados nas pesquisas para esses mesmos candidatos. É evidente que alguma coisa não está certa. Aliás, é oportuno lembrar que Hilary estava eleita antes de abrir as urnas e que Trump não tinha nenhuma chance. Ou que Aécio ganhava de Dilma com facilidade.

O primeiro é que as pessoas estão perdendo a vergonha de se assumir como sendo de direita. Verdade que depois de tantas décadas de péssimos governos de esquerda, o eleitor demorou muito. Mas ajuda a melhorar o processo democrático que haja mais alternativas que não sejam a extrema esquerda e a esquerda, representados aqui pelo PSOL e o PSDB como vértices do espectro politico brasileiro. Era lógico que depois de anos de governos militares o eleitor optasse por escolher candidatos e propostas de esquerda. Sem novidade, completamente previsível. Só a falta de formação política do brasileiro pode justificar que tenham sido necessárias mais de três décadas para surgirem alternativas de centro, centro direita e de direita viáveis e com amplo respaldo popular.

O segundo ponto é o surgimento de movimentos horizontais, sem lideranças claramente identificadas, que não respondem a uma hierarquia tradicional. Num primeiro momento parecem desorganizados, mas rapidamente ganham o respaldo de uma parte significativa da população, o que em muitos países se chamava até faz pouco tempo de “maioria silenciosa”.
Frente à algaravia barulhenta que tradicionalmente era característica da esquerda, há agora uma mudança significativa. Os eleitores que se identificam com programas e candidatos de direita não têm mais medo de mostrar a cara, de sair à rua e de dizer aos quatro cantos que fazem isso livremente, sem precisar de pão com mortadela.

Escrevi, na semana passada, que esta eleição tinha se convertido num Fla-Flu ou num Barça- Madrid e esta sensação tem aumentado a cada dia. Nós e Eles, Corruptos e Honestos, Esquerda e Direita, Norte – Sul, Homo – Heteros, Brancos e Pretos, Altos e baixos, Machistas e Feministas, e todas as outras tribos em que estamos querendo dividir o Brasil. Espero só que a impunidade perca, que não ganhe a violência, que não nos deixemos levar pelos cantos de sereia dos que ante o risco de perder o poder que detém desde faz décadas queiram agora entregar os anéis para não perder os dedos.

Em tempo, só eu achei que a festa de posse do presidente do STF foi uma reedição cafona e fora de época do baile da Ilha Fiscal? O que mais me preocupou é que ninguém tenha ficado revoltado, nem envergonhado. Pode ser que porque boa parte dos brasileiros teriam gostado de ter sido convidados. Em quanto os que não achem nada de errado numa festa como aquela sejam maioria, a corrupção vencerá.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

E se fosse #ElaSim?


POR CLÓVIS GRUNER
Mereceria uma leitura mais cuidadosa o fato de que, mesmo entre setores da esquerda que atentam para a urgência das pautas identitárias, a candidatura de Marina Silva não tenha sido nem mesmo cogitada como uma alternativa ao segundo turno. Não bastasse serem três homens a protagonizarem as candidaturas de centro esquerda, dois deles, os que disputam nominalmente o voto – Ciro e Haddad – têm vices mulheres relegadas a um papel coadjuvante.

Os argumentos mais comuns contra Marina são simplistas, quando não desonestos. Pesa contra ela o apoio a Aécio no segundo turno de 2014, um equivoco, já que ela podia simplesmente não apoiar nenhuma das candidaturas, como Luciana Genro. Mas a atitude não me parece mais grave que as alianças que o PT fez com quase toda a banda podre da política brasileira, incluindo Michel Temer, escolhido a dedo por Lula para vice de Dilma, por exemplo.

Ela é acusada de ser de direita, mas nada em sua trajetória passada e presente sustentem isso. Sua aproximação a economistas liberais como Eduardo Gianetti é supostamente a prova de seu neoliberalismo, dizem os petistas, olvidados de que Henrique Meireles foi o homem forte da economia nos governos Lula, que Dilma nomeou Joaquim Levy seu Ministro da Fazenda, e que Fernando Haddad, mal subiu nas pesquisas, já acena ao também liberal Marcos Lisboa.

Um debate não polarizado – A lógica vale para a acusação de que, evangélica, Marina fará um governo “conservador nos costumes”, como se as administrações anteriores, incluindo e principalmente as do PT, tivessem assegurado a plena laicidade do Estado. Até prova em contrário, o Estado laico está menos fragilizado com a orientação religiosa de Marina, do que estava quando Lula nomeou pastores da IURD como ministros ou Dilma rifou a Comissão de Direitos Humanos, abrindo as portas para que Marco Feliciano assumisse sua presidência.

O seu programa de governo, por outro lado, reafirma o que Marina efetivamente representa: uma candidatura de centro esquerda, com as pautas, os limites e as possibilidades atinentes a uma candidatura de centro esquerda. Suas propostas em áreas como educação, cultura e direitos humanos, por exemplo, não diferem substancialmente do que propõem Lula/Haddad e Ciro, e mesmo avançam em alguns pontos.

Seu alegado liberalismo não a impede de defender os investimentos públicos como um dos fatores para alavancar a economia, ou a não privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. Além disso, ela mantém uma relativa autonomia frente aos grupos políticos que disputam hoje a presidência baseados na polarização extrema, uma maldição que não poupou o PSOL e, tampouco, Ciro. Com Marina, penso que teríamos a chance de algum debate racional, e poderíamos fazer nossa escolha baseados em outros critérios que não o ódio ou o medo.

***

Post Scriptum: Braziliansplaining – Na semana passada, ainda com o 7 a 1 da Copa de 2014 atravessado na garganta, brasileiros decidiram acertar as contas numa seara onde somos craques: a história alemã. Um vídeo publicado pela Embaixada da Alemanha mobilizou nossos melhores atletas, que entraram em campo decididos a explicar aos alemães que o holocausto não existiu e que o nazismo é, sim, de esquerda.

Como aparentemente nem a Alemanha é suficiente para convencer nossa direita pouco esclarecida, vou tentar com o próprio Adolf Hitler. Em entrevista concedida em 1923 ao escritor alemão George Sylvester Viereck, publicada anos depois pela conservadora “Liberty”, e acessível aos leitores coevos no site do inglês “The Guardian”, Hitler explica o que entende por socialismo, sua relação com a noção de raça ariana e porque o nazismo não era um movimento de esquerda.

Em um dado momento, para enfatizar seu ponto de vista e o que o separava do marxismo e dos bolcheviques, o líder alemão sentencia: “Nós poderíamos ter nos chamado de Partido Liberal”. Como historiador, posso assegurar que Hitler estava equivocado: não há muito de liberal ou do liberalismo no Partido Nazista. Por outro lado, e os comentaristas anônimos desse blog não cansam de me lembrar, a palavra de um historiador, no Brasil de hoje, não vale nada. 

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Não há o “melhor dos mundos”

POR CLÓVIS GRUNER
Uma prisão em Curitiba talvez tenha, nas eleições presidenciais, repercussão equivalente ao de uma facada em Juiz de Fora. Me refiro, obviamente, à prisão do ex-governador Beto Richa ontem pela manhã (11), em ação conjunta dos Ministérios Públicos estadual e federal, e ao atentado contra o candidato a presidente e fascista de estimação dos comentaristas anônimos do blog, Jair Bolsonaro, na quinta última (06).

A quantidade e a variedade de investigações envolvendo Beto Richa são tantas, que até pra quem vive aqui foi difícil entender. Ele foi preso, provisoriamente, pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), suspeito de fraude em licitações de obras públicas do Programa Patrulha do Campo. A Lava Jato pegou carona – a coincidência não foi por acaso – e deflagrou a “Operação Piloto”; Richa aparece nela como suspeito de receber propinas da Odebrecht.

É bastante provável que a prisão de Richa repercuta eleitoralmente também fora do Paraná, onde ele é um dos favoritos a uma das vagas para o Senado. Considerado há até pouco tempo, junto com Aécio Neves, uma das principais vitrines do PSDB e promessa de renovação do tucanato, sua prisão pode sepultar de vez as chances de Alckmin, cuja candidatura já se encontrava relativamente estagnada, disputar o segundo turno.

De certo até agora, é que Jair Bolsonaro vai mesmo para o segundo turno, ao menos de acordo com as pesquisas Datafolha e Ibope divulgadas, respectivamente, na segunda (10) e ontem. O levantamento do Ibope, embora divulgado depois, foi realizado antes – nos dias 8, 9 e 10 de setembro –, e seus resultados podem estar influenciados mais diretamente pelos ânimos eleitorais imediatamente após o atentado.

A pesquisa Datafolha, realizada no dia 10, parece representar melhor o ambiente em que a facada contra Bolsonaro, e a comoção que ela provocou, tende à acomodação. De todo modo, em ambas, Bolsonaro mantém uma dupla liderança: a de intenções de voto (26% no Ibope e 24% na Datafolha) e a de rejeição (41% e 43%, respectivamente). E embora os resultados não sejam tão dispares, uma nova pesquisa oferecerá um retrato mais preciso do quanto os últimos eventos podem influenciar nas eleições. 

Diferentes fatores podem ter colaborado para, apesar de vítima, Bolsonaro não ter ampliado ainda mais sua vantagem. Uma facada, afinal, não muda o caráter e o programa de um candidato. Mesmo hospitalizado, Bolsonaro ainda é o presidenciável que quer trabalhadores escolhendo entre ter empregos ou direitos, ou seus eleitores expostos à violência ao defender que não cabe ao poder público, mas ao cidadão, a responsabilidade pela sua segurança, por exemplo.

Auto golpe e voto útil – Os usos políticos da facada também não colaboraram. O senador Magno Malta compartilhou uma montagem grotesca onde o autor do atentado aparece em um comício de Lula; Silas Malafaia afirmou que ele era assessor da campanha de Dilma Rousseff; Janaína Paschoal o associou ao “Lula Livre” e acusou a imprensa de esconder o fato. Foram coerentes, porque não se esperava nada diferente. Mas é possível que tenham perdido a chance de ampliar a penetração do candidato junto aos eleitores ainda indecisos.

Persiste a dúvida sobre quem será o nome a disputar com ele o segundo turno, e também nisso as pesquisas reforçam alguns medos e sugerem possíveis tendências. Cresce o temor de que Haddad, ungido ontem candidato por Lula, seja prejudicado pela alta rejeição dos eleitores ao PT. Em ambas as pesquisas, Bolsonaro perde em todos os cenários, menos com o petista, de quem ganha na pesquisa Ibope, e empata tecnicamente na do Datafolha.

Como reação, já se discute abertamente, em grupos de eleitores à esquerda, a possibilidade do voto útil em Ciro ainda no primeiro turno. Uma disputa entre ele e Bolsonaro evitaria, entre outras coisas, que se repetisse, ainda mais violenta, a polarização de 2014, cujos resultados conhecemos: a vitória apertada de Dilma, um governo fragilizado ante uma oposição fortalecida e com medo da cadeia, e a turbulência dos meses seguintes até o “grande acordo” e o impeachment.

A estratégia, obviamente, depende em parte do PT, que durante anos defendeu o “voto útil” para evitar o “mal maior”, como em 2014, inclusive. Quer dizer, para dar certo, o PT precisaria provar que a tal Frente Antifascista, anunciada ano passado, foi mais que uma bravata eleitoreira e aceitar avaliar a sério quais as chances e os riscos de Haddad, e pesar na balança se as chances compensam os riscos. Pessoalmente, acho improvável que isso aconteça.

Nos últimos dias, por exemplo, os mesmos militantes que não viram problema em ter Kátia Abreu como ministra e aliada de Dilma, lembraram repentinamente que a candidata a vice de Ciro é representante do agronegócio, e passaram a usá-la como pretexto para anunciar um futuro sombrio em caso de vitória da chapa. O argumento central é que um segundo turno entre Bolsonaro e Ciro “não é o melhor dos mundos”. Concordo.

Mas em uma eleição onde a chapa que lidera em todas as pesquisas fala em “auto golpe” e em “declaração de guerra” contra adversários políticos, e cujo candidato dissemina e alimenta um ódio contínuo contra a democracia, os direitos e liberdades individuais, soa temerário esperar “pelo melhor dos mundos”. Se Ciro não convence inteiramente, a imagem de Haddad abraçado com o “golpista” Renan Calheiros e seu filho, tampouco inspira confiança. Nenhum deles é o “melhor dos mundos”. Mas, convenhamos, não podemos nos dar a esse luxo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Bolsonaro, a facada e as eleições

POR CLÓVIS GRUNER
Em março desse ano, quando a vereadora Marielle Franco, do PSOL carioca, e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados, ela com três tiros na cabeça, o deputado Jair Bolsonaro, à época já presidenciável, silenciou. Um de seus assessores justificou o silêncio alegando que “a opinião de Bolsonaro seria polêmica demais”. Dois outros membros da família, no entanto, se manifestaram.

O deputado estadual pelo Rio, Flávio Bolsonaro, chegou a prestar condolências à família em um tuite para, logo depois, apagá-lo. Já Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo, tuitou: “Se você morrer seus assassinos serão tratados por suspeitos, salvo se você for do PSOL, aí você coloca a culpa em quem você quiser, inclusive na PM. Eis o verdadeiro preconceito, a hipocrisia”. E compartilhou outro, de um ferrenho seguidor do clã: “O assassino da vereadora Marielle Franco, se for um PM guilhotina, se for um traficante é vítima da sociedade. Assim é a esquerda”.

Quase seis meses depois, o assassinato de Marielle Franco continua impune, apesar dos alegados esforços da polícia para elucidá-lo. E mesmo sendo um candidato supostamente preocupado com a segurança pública, Bolsonaro segue silente sobre o crime. Mas se não sabemos até hoje sua opinião polêmica sobre os três tiros que executaram Marielle e Anderson, sabemos o que o candidato pensa a respeito de outras violências.

Sabemos que ele sugeriu terem sido os petistas que atiraram contra a caravana de Lula no interior do Paraná. Sabemos, também, que ele prometeu – em uma de suas típicas “brincadeiras” – fuzilar os mesmos petistas em um comício, semana passada. Sabemos ainda o que ele pensa de mulheres, negros, quilombolas e LGBTs e, finalmente, de seus muitos elogios e homenagens a um torturador, estuprador e assassino, o coronel e chefe do DOI-CODI, Brilhante Ustra. A lista é grande, mas paro por aqui.

Minha reação imediata quando soube do atentado, no final da tarde de ontem, foi de ceticismo. Na minha página do Facebook, escrevi: “Se não for um novo Riocentro, algum imbecil escolheu uma péssima hora pra brincar de Justiceiro”. A desconfiança era mais que legítima: aí estão, além do Riocentro, o incêndio ao Reichstag como evidências históricas de que fascistas, sempre que lhes convém, mandam os escrúpulos às favas.

Violência e oportunismo – As informações nas horas seguintes desfizeram as suspeitas e confirmaram que Jair Bolsonaro foi vítima de um atentado à faca, e que deve ficar de fora da campanha eleitoral – o que inclui os debates, no que a agressão foi providencial – até o fim do primeiro turno. À direita e à esquerda, analistas parecem não ter dúvidas de que, se as chances de um segundo turno com Bolsonaro eram significativas, desde ontem a questão é saber de quem será a outra vaga.

A tendência é que os usos políticos que ele e seus seguidores farão do acontecimento, sigam na direção de apresentá-lo como vítima porque ameaçava “tudo que está aí”, num esforço narrativo que pretende consolidar sua imagem como aquilo que obviamente não é: um candidato antissistema. A estratégia é aproveitar a violência contra Bolsonaro para diminuir a enorme rejeição contra ele e, ao mesmo tempo, inflar ainda mais o ódio contra seus adversários e a esquerda.

Pode dar certo, o que coloca os demais candidatos, especialmente os de centro-esquerda, em uma posição delicada: se persistem nas criticas, podem ser vistos como insensíveis; se recuam, deixam o campo aberto à militância pró-Bolsonaro monopolizar as narrativas de vitimização do candidato e culpabilização dos grupos adversários, jogados na vala comum da “esquerda” e representados como responsáveis pelo atentado, porque a eles supostamente interessa que ele esteja fora da disputa.

Nessas horas, dizer que Bolsonaro colheu o que plantou, a violência, não faz diferença, embora seja verdade. Desde ontem, da alta cúpula do partido à militância anônima das redes e nas ruas, a narrativa é a mesma, e sua ausência física na campanha não diminuirá o efeito eleitoral do atentado, que torna ainda mais agudo um ambiente político já extremamente polarizado.

E se alguém tinha alguma ilusão sobre a possibilidade de Bolsonaro refletir sobre as consequências de seus discursos de ódio e de sua defesa da violência como método, as declarações do presidente do PSL, Gustavo Bebianno, à Folha – “agora é GUERRA!!” –, e do candidato à vice, o general Mourão – “os profissionais da violência somos nós” –,   trataram de desfazê-la. Estamos lidando com o pior da política, com um fascista, um apologista da tortura que rende homenagens a um assassino fardado. Um atentado não muda o que Bolsonaro é nem o perigo que sua candidatura representa.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

É hora de mudar. O modelo político esgotou...


POR JORDI CASTAN
O cenário eleitoral está posto. Os candidatos, como cavalos antes de uma corrida, estão prontos para a largada. Para o Legislativo, o resultado será conhecido já no dia 7 de outubro. Para o Executivo - em alguns estados - e para presidente será necessário esperar os resultados do segundo turno. Não há hoje um quadro claro que faça prever que o presidente será eleito já no primeiro turno.

Independente do que venha a acontecer até lá, fica claro que o modelo eleitoral brasileiro está esgotado, o eleitor tem a obrigação de votar e pode votar nas poucas alternativas que os partidos apresentam. A falta de renovação do sistema e a dificuldade imposta pelo modelo atual, que impede o surgimento de novas lideranças, condenam o eleitor a ter que escolher entre os mesmos de sempre. Sem renovação real, sem alternativas, a política nacional está cada dia mais podre. As alianças mais espúrias são possíveis porque não há nem moral, nem princípios que sobrevivam.

Todo o sistema eleitoral e o modelo político está construído para perpetuar as antigas capitanias hereditárias. Os nomes são os mesmos e os objetivos continuam sendo os mesmos que cem ou duzentos anos atrás, ou seja, a perpetuação dos mesmos clãs no poder. Em Santa Catarina, os mesmos nomes, as mesmas famílias. Um cheiro de ranço, de velho, de mofo. Não há, entre os candidatos ao Executivo ou ao Legislativo qualquer novidade. Os partidos, convertidos em espaços de poder privado, apresentam sempre os mesmos nomes, os mesmos candidatos, as mesmas propostas. A política catarinense fede. Falta ar fresco, luz e muita água e sabão para limpar tanta podridão. Não podemos contar com nenhum salvador da pátria. Não virá um Héracles moderno a limpar os estábulos de Áugias.

O modelo partidário está corrompido, esgotado. E sem uma mudança radical de modelo continuaremos vendo os mesmos nomes e sobrenomes, as mesmas propostas, as mesmas maracutaias. E o país está cada vez mais perdido. A única saída, antes da falência completa deste modelo, é entender que é hora de renovar, de não reeleger nenhum dos políticos que ai estão, que o tempo deles já passou, que nada fizeram pelo Brasil. Eles só enriqueceram, fizeram negociatas e não se preocuparam com o cidadão.

É hora de acabar com o fundo partidário. No Brasil que extinguiu, em boa hora, a obrigatoriedade da contribuição sindical, o fundo partidário é um anacronismo. A política só mudará com gente nova, com novas ideias, com novas propostas. É hora de mudar. Vamos começar não reelegendo ninguém desses que aqui estão. É tempo de mudança.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Uma patacoada jurídica

POR CLÓVIS GRUNER
Há um trecho quase sempre esquecido da famosa conversa telefônica entre Romero Jucá e o ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado. Refiro-me, vocês sabem, ao diálogo em que ambos combinam o “grande acordo com o Supremo com tudo” que culminaria no impeachment de Dilma e na posse do presidente que, parece, só consegue apoio acima de um dígito entre os comentaristas anônimos desse blog e milicianos do MBL.

Voltemos ao telefonema. Lá pelas tantas, como parte da definição da estratégia de colocar Temer na presidência para “delimitar tudo onde estava”, Machado defende que um “governo de união nacional”, possível apenas com a saída de Dilma, “protege o Lula, protege todo mundo”. Se em algum momento proteger o Lula esteve mesmo nos planos da quadrilha que chamamos de governo, parece que, passados dois anos, ela mudou de ideia.

E se para isolar e inviabilizar a candidatura do ex-presidente os signatários do acordo não mediram esforços no aparelhamento das instituições, incluindo o Poder Judiciário, o outro lado decidiu ver até onde chegava jogando nas mesmas regras – ou na ausência delas. E o resultado foram os eventos patéticos de domingo (08),  resultado da extrema politização das nossas cortes, ao menos teoricamente, responsáveis por zelar pela normalidade jurídica.

A sequência de acontecimentos é de conhecimento público, e análises jurídicas pertinentes e bem fundamentadas circulam amplamente desde o final de semana (recomendo particularmente o artigo “Politização com esteroides”, de Conrado Hübner Mendes, professor de Direito e colunista da revista Época). Vou arriscar alguns pitacos sobre as motivações e os possíveis desdobramentos políticos do imbróglio.

Mídias e desespero - Se a intenção era manter Lula nas mídias e visibilizar os interesses políticos nebulosos por trás da cruzada pessoal e partidária de Moro, a estratégia dos deputados petistas e advogados Paulo Pimenta, Paulo Teixeira e Wadih Damous foi impecável. A apresentação do habeas corpus, depois de encerrado o expediente normal do tribunal, em um final de semana onde o plantonista, o desembargador Rogério Favreto, é um conhecido crítico da Lava Jato, não foi mera coincidência.

Se como plantonista Favreto não extrapolou suas obrigações legais, o bom senso e o respeito à “normalidade” sugerem que ele deveria ter se manifestado impedido de julgar o pedido, em função de sua proximidade com o PT. Ao mandar às favas os escrúpulos, já que isso se tornou prática comum nos tribunais superiores – e aí estão Gilmar Mendes e Alexandre Moraes, no STF, além do próprio Moro, a dar provas fartas de que já não importa manter mesmo a mais remota aparência de isenção –, o desembargador não contribuiu para melhorar a imagem da toga.

A insubordinação do juiz de Curitiba, que não encontrou tempo e alegou excesso de trabalho para não julgar o conterrâneo e companheiro Beto Richa, mas despachou de férias em Portugal, e a atitude destemperada dos desembargadores Gebran Neto e Thompson Flores, tampouco. Afinal, se o fundamento da decisão era frágil e juridicamente insustentável, bastaria seguir o procedimento normal, esperar a segunda para derrubá-la e Lula voltar à sua cela na Polícia Federal.

Um cenário incerto - O desespero de Moro e dos desembargadores de Porto Alegre para impedir a sua liberdade, mesmo que por poucas horas, desequilibrou momentaneamente o jogo político, e a favor de Lula e do PT. A dúvida é sobre quais os efeitos desse desequilíbrio no médio prazo. Se a intenção é insistir na tese da candidatura de Lula, o tiro talvez saia pela culatra e repercussões de domingo escampem ao planejado.

É verdade que o ex-presidente segue liderando todas as pesquisas, mas também o é que o voto em Lula tem algo de messiânico, radicalizando uma característica do eleitorado brasileiro, a desconfiança em partidos e programas e a aposta em lideranças carismáticas, como Lula. A estratégia de fortalecer o nome do ex-presidente, mantendo-o em evidência ao mesmo tempo em que reforça a imagem de um líder popular perseguido por forças antidemocráticas, não garante que seus votos serão automaticamente transferidos ao candidato ungido por ele.

O melhor, e venho insistindo nisso há alguma tempo, era as esquerdas oferecerem uma alternativa programática a Lula, o que nem o PT nem nenhum outro partido o fez até agora – à exceção, talvez, do PSTU, mas sem chance alguma de prosperar eleitoralmente. Mesmo fora da órbita petista não há nome viável que inspire segurança, seja Ciro ou Marina. A direita liberal, ao apostar em nomes como Alckmin ou Amoedo, também arrisca nadar e morrer antes de chegar à praia.

O risco é de que o descontentamento e a desconfiança dos eleitores com a política e os partidos tradicionais inflem a única candidatura identificada, hoje, como alternativa a “tudo o que está aí”, e quem capitalize os votos principalmente indecisos nas eleições de outubro não seja um candidato ou partido comprometido com a democracia. É possível, embora não seja certo, que a geleia geral de domingo também sirva para recrudescer a opção pelo fascismo e fortaleça a candidatura daquele que não se deve nomear.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Lula, uma candidatura encurralada


Há algumas conclusões possíveis a serem tiradas do jejum com orações que o procurador Deltan Dallagnol (o juiz carioca Marcelo Bretas, cuja carne talvez seja mais fraca, irá acompanhá-lo apenas nas orações) pretende fazer hoje, durante o julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF, espalhafatosamente anunciados em sua conta pessoal no Twitter. A primeira: se se preocupassem efetivamente com o bem estar do país, presente e futuro, Dallagnol e Bretas fariam melhor se, ao invés de orações e jejum, renunciassem ao auxílio-moradia.

Além disso, porque sua fé parece funcionar com base em algum algoritmo semelhante ao das redes sociais, Dallagnol não achou que a Lava Jato estivesse sob ameaça quando, por exemplo, o Congresso barrou, por duas vezes, as denúncias oferecidas contra Temer – flagrado em conversas nada republicanas, conspirando com criminosos para garantir, comprando, o silêncio de Eduardo Cunha – pela Procuradoria Geral. Ou mesmo quando Romero Jucá deixou claro que o impeachment tinha como principal propósito, justamente, enfraquecer a Lava Jato, essa que Dallagnol diz defender com jejum e orações.

Sejamos sinceros: a preocupação do Procurador da republiqueta curitibana com a corrupção e os corruptos tem a mesma extensão e sofisticação da maioria dos comentários anônimos que emergem do esgoto, dia sim outro também, aqui nesse blog, por exemplo. O fundamental, no entanto, Dallagnol não diz – e não diz porque seus dotes intelectuais e de analista político estão na proporção inversa às suas convicções religiosas.

Independente do resultado do julgamento de hoje, Lula é um político encurralado, e o futuro de sua candidatura – no momento em que escrevo, ainda incerto – é, para dizer o mínimo, nebuloso. Quer dizer, se o todo poderoso ouvir as preces do Procurador, Lula deixa de ser candidato e vira presidiário, para gáudio de muitos. Mas se os ministros decidirem contrariar a vontade dele (supondo que ele concorde com Dallagnol) e manter Lula solto, nem por isso sua candidatura se tornará, necessariamente, viável. Explico.

A essas alturas, em um ambiente político onde se trata um atentado a bala como se normal fosse, sugerindo tratar-se de uma encenação com fins políticos; ou se justifica o assassinato de uma vereadora negra e de esquerda, um crime que parece caminhar para o esquecimento, é pouco, pouquíssimo provável, que se consiga sustentar por muito mais tempo a farsa de que nossas instituições democráticas seguem “funcionando normalmente”.

Um horizonte nebuloso – Nesse sentido, são gravíssimas as declarações de dois generais do Exército, um deles de reserva, outro ninguém mais que o seu próprio comandante, que a pretexto de defender a Constituição e a democracia, deixam no ar a possibilidade da instituição fazer uso da força para atentar contra elas. Pode ser uma bravata, mas quando proferida por oficiais de alta patente, uma bravata pode ser mais que simples fanfarronice de mau gosto, e especialmente em um momento onde abundam afetos autoritários e o baixo apoio que tem, entre nós, a democracia mesmo a mais formal, é recomendável que os militares permanecem nos quarteis, de onde aliás, nunca deveriam ter saído. 

Mas mesmo que eliminemos o fantasma de um golpe militar, as alternativas nem por isso são alvissareiras. Um dos caminhos prováveis é de uma polarização ainda maior, com uma onda de indignação semelhante a de 2015 que, agora como lá, sirva de pretexto aos grupos e partidos de direita em sua nova tentativa de inviabilizar a candidatura lulista, caso a estratégia da condenação não funcione. Se deu certo uma vez, não há razões para não se tentar de novo, e nunca é tarde para tirar o pó da camisa verde e amarela da seleção e ensaiar de novo os movimentos ritmados daquelas velhas coreografias.

Se sobreviver politicamente e ganhar – dos cenários possíveis, a meu ver, o mais duvidoso –, Lula e o PT estarão frente a tarefa de governar um país em frangalhos, com uma economia ainda em crise e uma democracia em profunda recessão (a expressão “recessão democrática” é do sociólogo Celso Rocha, em texto publicado na Piauí). Não estamos mais em 2002 quando Lula e o PT subiram a rampa do Planalto surfando em uma onda de popularidade e esperança. A partir de 2019, com quem e com quais meios ambos, Lula e seu partido, pretendem responder a um quadro de instabilidade generalizada e estrutural?

A pergunta é pertinente porque, a rigor, Lula está isolado. O partido carece de um projeto para o país e de um programa mínimo de governo, porque salvar Lula se tornou o único projeto que realmente importa. A festejada “Frente antifascista” não existe ou, mais precisamente, não é exatamente uma frente, mas uma articulação de três partidos de esquerda e suas candidaturas. Se a intenção é formar uma frente, a ela deveriam ser incorporados partidos e candidaturas de centro esquerda, como o PDT de Ciro e a Rede de Marina Silva, e movimentos sociais não alinhados aos partidos, além de grupos e lideranças liberais que não se identificam com os discursos raivosos e reacionários da direita conservadora.

Sobra o apoio popular, traduzido nas intenções de voto que ainda, e apesar de tudo, continuam a manter Lula líder inconteste em todas as pesquisas. Mas não está claro como o PT pretende, se pretende, transformar essa devoção quase religiosa em algo com o qual governar. A experiência de 12 anos de governos petistas serviu para mostrar o contrário. Para manter a governabilidade, o partido optou pelos velhos, cômodos e corruptos esquemas e alianças eufemisticamente chamados de “coalizão”. Mas se a fatura foi alta em épocas de estabilidade, é justo supor que quem quer que se disponha a apoiar um hipotético futuro governo petista, não cobrará barato.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Boulos, o luto e a melancolia


POR CLÓVIS GRUNER
O PSOL confirmou sábado último (10), a pré-candidatura de Guilherme Boulos à presidência da República. O líder do MTST terá como vice a líder indígena Sônia Guajajara. À primeira vista, o nome de Boulos parece atender a uma necessidade algo pragmática, não inteiramente equivocada em termos eleitorais. O mais conhecido entre os pré-candidatos – os outros eram os economistas e professores universitários Nildo Ouriques e Plínio Jr., e o pedagogo Hamilton Assis –, ele talvez reúna as condições necessárias para “puxar votos” e aumentar a ainda tímida bancada psolista nos parlamentos estaduais e federal.

Mas esse mérito não oblitera alguns problemas, a começar pela forma como sua candidatura foi definida. Além disso, e o mais importante a meu ver, o despontar do nome de Boulos dentro do PSOL talvez encerre, definitivamente, qualquer possibilidade que ainda existia do partido se consolidar como uma opção aqueles eleitores que, como eu, ainda votam à esquerda, mas não têm intenção de votar no PT. Detenho-me um pouco mais nisso.

Simpática ao PT e a Lula, que gravou vídeo manifestando seu apoio, a candidatura de Boulos facilita uma aproximação em um eventual segundo turno, caso o partido de Lula esteja de fato no segundo turno, com ou sem ele. Em tese, os segmentos do PSOL favoráveis a uma aliança entendem que, com o líder do MTST, evitam repetir 2014, quando a liderança de Luciana Genro dificultou o apoio a Dilma. Na prática, a candidatura de Boulos não é muito diferente da de Manuela D’Avila, do PCdoB; em ambas a independência é relativa, porque demasiado próximas e pouco críticas ao PT.

Não é o tipo de coisa que me surpreende no PCdoB, mas não deixa de ser um pouco frustrante no caso do PSOL. Sempre soube dos limites, inclusive eleitorais, do partido, e sua dificuldade em inserir-se e dialogar com grupos e eleitores que não os da classe média, com quem o partido parece ter uma maior afinidade. E não ignoro que, ao menos em parte, a indicação de Boulos pode ser uma tentativa de minimizar isso.

Mas a inexistência de uma relação mais orgânica com o PSOL – ele se filiou em março, dias antes de ser indicado pré-candidato – talvez não surta o efeito esperado, com os possíveis eleitores se identificando mais com o candidato que, necessariamente, com o partido. Respeitadas as diferenças e proporções, há o risco do PSOL repetir, com Boulos, um dos principais erros do PT, o de produzir uma candidatura personalista, que mantém com o partido uma relação instrumental, quando não oportunista.

Além disso, a sua candidatura coloca o PSOL mais perto de ser “linha auxiliar do PT”, acusação lançada contra o partido pelo então candidato Aécio Neves na última campanha, e prontamente rebatida por Luciano Genro. A questão é: Boulos terá condições de negar, tão pronta e enfaticamente como Genro, se fizeram acusação semelhante ao PSOL em 2018? Creio que não. E nem é preciso muito esforço para entender por que.

A opção por lançá-lo e não qualquer outro candidato, representa a recusa do PSOL em assumir o risco de ser uma alternativa à esquerda, colocando-se em uma posição mais crítica em relação ao PT que o pariu. Que fique claro: não se trata de negar ou rechaçar aspectos positivos do legado petista, de esquecer e jogar na “lata do lixo da história” a herança de seus governos, acusação recorrente sempre que se ameaça criticar o partido e suas gestões, apontando suas contradições, seus limites e os muitos equívocos.

Mas não podemos seguir reféns do PT, entre outras coisas porque isso está a nos custar muito caro: enquanto a defesa incondicional de Lula parece ser o único projeto que realmente importa aos petistas e parte da esquerda, um governo criminoso e de criminosos continua a governar impunemente e sem enfrentar resistência alguma capaz de opor-se a ele. Em alguns meses iremos às urnas, e a esquerda ainda não disse o que pensa e propõe para a economia, a segurança pública ou o combate à corrupção, por exemplo.

Pode-se argumentar que ainda é cedo, e que isso aparecerá na hora certa. Bobagem: programas de governo são apresentados no período eleitoral; projetos para o país, não. A esquerda hoje não tem nenhuma coisa, nem outra – a exceção talvez seja o PSTU, concordemos ou não com ele; mas da perspectiva eleitoral o partido tem ainda mais dificuldades e limitações que o PSOL.

Com o declínio do PT, de um lado reduzido à liderança personalista e algo messiânica de Lula, de outro apostando que os eleitores acreditem que basta elegê-lo em outubro de 2018 para voltarmos a outubro de 2002, o PSOL tinha a chance de ser o porta-voz de inquietações e demandas que nem Lula, tampouco o PT, são hoje capazes de encampar. Mas para isso seria preciso elaborar de uma vez por todas o luto, o que o PSOL não fez. Sinal de que teremos, pela frente, uma campanha melancólica.