quarta-feira, 19 de setembro de 2018

E se fosse #ElaSim?


POR CLÓVIS GRUNER
Mereceria uma leitura mais cuidadosa o fato de que, mesmo entre setores da esquerda que atentam para a urgência das pautas identitárias, a candidatura de Marina Silva não tenha sido nem mesmo cogitada como uma alternativa ao segundo turno. Não bastasse serem três homens a protagonizarem as candidaturas de centro esquerda, dois deles, os que disputam nominalmente o voto – Ciro e Haddad – têm vices mulheres relegadas a um papel coadjuvante.

Os argumentos mais comuns contra Marina são simplistas, quando não desonestos. Pesa contra ela o apoio a Aécio no segundo turno de 2014, um equivoco, já que ela podia simplesmente não apoiar nenhuma das candidaturas, como Luciana Genro. Mas a atitude não me parece mais grave que as alianças que o PT fez com quase toda a banda podre da política brasileira, incluindo Michel Temer, escolhido a dedo por Lula para vice de Dilma, por exemplo.

Ela é acusada de ser de direita, mas nada em sua trajetória passada e presente sustentem isso. Sua aproximação a economistas liberais como Eduardo Gianetti é supostamente a prova de seu neoliberalismo, dizem os petistas, olvidados de que Henrique Meireles foi o homem forte da economia nos governos Lula, que Dilma nomeou Joaquim Levy seu Ministro da Fazenda, e que Fernando Haddad, mal subiu nas pesquisas, já acena ao também liberal Marcos Lisboa.

Um debate não polarizado – A lógica vale para a acusação de que, evangélica, Marina fará um governo “conservador nos costumes”, como se as administrações anteriores, incluindo e principalmente as do PT, tivessem assegurado a plena laicidade do Estado. Até prova em contrário, o Estado laico está menos fragilizado com a orientação religiosa de Marina, do que estava quando Lula nomeou pastores da IURD como ministros ou Dilma rifou a Comissão de Direitos Humanos, abrindo as portas para que Marco Feliciano assumisse sua presidência.

O seu programa de governo, por outro lado, reafirma o que Marina efetivamente representa: uma candidatura de centro esquerda, com as pautas, os limites e as possibilidades atinentes a uma candidatura de centro esquerda. Suas propostas em áreas como educação, cultura e direitos humanos, por exemplo, não diferem substancialmente do que propõem Lula/Haddad e Ciro, e mesmo avançam em alguns pontos.

Seu alegado liberalismo não a impede de defender os investimentos públicos como um dos fatores para alavancar a economia, ou a não privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. Além disso, ela mantém uma relativa autonomia frente aos grupos políticos que disputam hoje a presidência baseados na polarização extrema, uma maldição que não poupou o PSOL e, tampouco, Ciro. Com Marina, penso que teríamos a chance de algum debate racional, e poderíamos fazer nossa escolha baseados em outros critérios que não o ódio ou o medo.

***

Post Scriptum: Braziliansplaining – Na semana passada, ainda com o 7 a 1 da Copa de 2014 atravessado na garganta, brasileiros decidiram acertar as contas numa seara onde somos craques: a história alemã. Um vídeo publicado pela Embaixada da Alemanha mobilizou nossos melhores atletas, que entraram em campo decididos a explicar aos alemães que o holocausto não existiu e que o nazismo é, sim, de esquerda.

Como aparentemente nem a Alemanha é suficiente para convencer nossa direita pouco esclarecida, vou tentar com o próprio Adolf Hitler. Em entrevista concedida em 1923 ao escritor alemão George Sylvester Viereck, publicada anos depois pela conservadora “Liberty”, e acessível aos leitores coevos no site do inglês “The Guardian”, Hitler explica o que entende por socialismo, sua relação com a noção de raça ariana e porque o nazismo não era um movimento de esquerda.

Em um dado momento, para enfatizar seu ponto de vista e o que o separava do marxismo e dos bolcheviques, o líder alemão sentencia: “Nós poderíamos ter nos chamado de Partido Liberal”. Como historiador, posso assegurar que Hitler estava equivocado: não há muito de liberal ou do liberalismo no Partido Nazista. Por outro lado, e os comentaristas anônimos desse blog não cansam de me lembrar, a palavra de um historiador, no Brasil de hoje, não vale nada. 

3 comentários:

  1. Olha só, achei um Marineiro. Pensei que não tinha ng que votava na Marina "democraticamente" Silva.

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    1. Não sou eleitor da Marina; mas preferia um segundo turno com ela do que com Ciro ou Haddad.

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  2. Sou de centro, já votei na Marina e assim como muitos perdi a confiança na esquerda e em todos que tem um passado militando nela.
    A questão é que nenhum dos lados confia na Marina por inteiro, portanto hoje ela não tem chance alguma, mas se no futuro ela transmitir melhor o que pensa, pode voltar a ter apoio do centro e quem sabe de liberais sem perfil conservador.

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