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quarta-feira, 6 de maio de 2015
quarta-feira, 12 de março de 2014
O ódio conservador
POR CLÓVIS GRUNER
Alex tinha oito anos, gostava
de lavar louças, não gostava de cortar o cabelo e era um pouco desobediente –
provavelmente não mais nem menos que os garotos de sua idade. Desde o dia 17 de
fevereiro ele não lava mais louça, não desobedece e nunca mais precisará cortar
o cabelo. Foi espancado pelo pai, Alex André Moraes Soeiro, com quem vivia desde o ano passado, que o achava
afeminado e queria que ele aprendesse a “andar como um homem”. Morreu com
inúmeros hematomas pelo corpo e o fígado perfurado.
Renato Duarte Horácio, de
16 anos, queria levar de Gastão Vidigal algumas boas lembranças depois de
passar e passear pela cidade nos três dias de carnaval, acompanhado da mãe e do
irmão mais velho. Fotografou lugares, fotografou a folia, fotografou pessoas. Confundido
com um pedófilo e levado à delegacia, terminou seu feriado espancado até a morte por um “justiceiro”, Fabrício Avelino de Almeida, que o encurralou
em frente ao prédio da Delegacia de Polícia e o agrediu com seguidos e
violentos socos na cabeça.
As mortes precoces, trágicas
e violentas de Alex e Renato são a expressão de um estado de coisas que cada vez
mais escapa ao controle e nos ameaça a todos. Estamos envolvidos por um
ambiente de ódio crescente. Alimentado diuturnamente, o ódio que viceja hoje
país afora já não se conforma em permanecer nos ambientes virtuais, onde não faltam
anônimos (e alguns não anônimos) dispostos a trocar a inteligência e o bom
senso pelo simples ranger de dentes. Ele se impõe, cada vez mais e mais
perigosamente, nos espaços do mundo dito “real”, estimulando e chancelando ações
como as de Alex, o pai, e Fabrício. Alex, o filho, e Renato, não foram as
primeiras vítimas dessa escalada de ódio e violência e, temo, não serão as
últimas.
CULTIVAR O FASCISMO – O
fenômeno não é inteiramente novo, embora esteja a ganhar contornos mais
sombrios. A atravessá-lo e sustentá-lo, uma moral e uma conduta conservadoras
(porque não se pode falar, no Brasil, de um “pensamento
conservador”) que não apenas empobrecem o debate e o ambiente políticos, mas
disseminam a truculência e legitimam a intolerância.
Como disse, isso tudo não
é inteiramente novo. Em 2010, principalmente durante as eleições
presidenciais, já era possível perceber que havia algo ruim no ar que
respirávamos. Naquele ano praticamente todo o debate eleitoral do segundo turno
foi pautado pela agenda conservadora e assistimos a candidatura de José Serra e
o PSDB aderirem aos grupos fundamentalistas, ao passo que Dilma Rousseff e o PT
se mostravam incapazes de oferecer uma alternativa verdadeiramente
progressista. Temerosos de confrontar os grupos religiosos, a candidatura
petista sinalizava o rumo que o governo tomaria depois da candidata eleita,
culminando com o vexame da eleição de Marco Feliciano para a presidência da
CDHM em 2013.
Recentemente escrevi no Chuva sobre uma certa monotonia conservadora. No artigo apontava,
entre outros, dois traços fundamentais do que Murilo Cleto chamou, em texto
lapidar, de “a onda”: a tendência crescente entre os grupos e indivíduos reacionários
a ver no outro não um adversário a ser confrontado, mas um inimigo a ser
eliminado; e a dificuldade de conviver em um ambiente democrático e de livre
circulação de ideias. Na ocasião, me referia principalmente ao debate travado
nos ambientes midiáticos – ou talvez seja mais correto afirmar a falta de
debate –, pontuado por uma ausência de ideias e de pluralidade que beiram à
monotonia e caracterizado pela mixórdia argumentativa – a lei de Coqsics, na
definição de José António Baço.
Mas ainda mais preocupante e nada monótono é que o conservadorismo e os sentimentos de ódio que cultiva e dissemina estão agora a orientar não apenas o blá-blá-blá ressentido teclado no conforto covarde do anonimato. Eles estão matando gente inocente: quando um pai espanca o filho de oito anos até a morte porque ele era “afeminado”, e um “justiceiro” mata um adolescente de dezesseis anos porque suspeitava que ele fosse pedófilo, os assassinos podem se chamar Alex e Fabrício. Mas por detrás de seu gesto paira a sombra de um Jair Bolsonaro e de uma Rachel Sheherazade, que tem motivos para estarem felizes e orgulhosos, junto com os milhares que se reconhecem neles e se identificam com sua postura e discursos protofascistas. Não é todo mundo que goza do privilégio de matar sem nem sujar as mãos. E ainda receber aplausos por isso.
Mas ainda mais preocupante e nada monótono é que o conservadorismo e os sentimentos de ódio que cultiva e dissemina estão agora a orientar não apenas o blá-blá-blá ressentido teclado no conforto covarde do anonimato. Eles estão matando gente inocente: quando um pai espanca o filho de oito anos até a morte porque ele era “afeminado”, e um “justiceiro” mata um adolescente de dezesseis anos porque suspeitava que ele fosse pedófilo, os assassinos podem se chamar Alex e Fabrício. Mas por detrás de seu gesto paira a sombra de um Jair Bolsonaro e de uma Rachel Sheherazade, que tem motivos para estarem felizes e orgulhosos, junto com os milhares que se reconhecem neles e se identificam com sua postura e discursos protofascistas. Não é todo mundo que goza do privilégio de matar sem nem sujar as mãos. E ainda receber aplausos por isso.
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