POR CLÓVIS GRUNER
“Se eu lhe dissesse olhe além do horizonte/
Será que você olharia?/
Bravo mundo novo está nascendo/
Pelo visto vai te surpreender um dia”
Philippe Seabra e André X (Plebe Rude)
Os europeus foram às urnas no último final de semana, e os
resultados das eleições, além do gosto acre na boca, fizeram acordar de seu
torpor as principais lideranças políticas do velho continente: pela primeira
vez em décadas, a extrema direita conquistou amplo apoio eleitoral na maioria
dos países, aumentando significativamente seu peso e importância no Parlamento
Europeu. O fenômeno é novo entre outras coisas porque o avanço conservador não se
deu apenas naqueles Estados considerados “problemáticos”, como a Croácia, onde o
nacionalista HSP conquistou espantosos 41,39% dos votos. As legendas e alianças
de extrema direita, que hoje abrigam os restos de um fascismo que,
equivocadamente, imaginávamos sepultado, avançaram em países importantes e em sociedades
de perfil tradicionalmente mais liberal.
No Reino Unido, por exemplo, o ultradireitista UKIP
conquistou cerca de 29% dos votos, um aumento expressivo se comparados com os
pouco mais de 16% em 2009. Na França, a Frente Nacional, comandada por Le Pen,
deu um salto ainda maior: de insignificantes 6,3% na última eleição,
conquistou 25,4% dos eleitores no pleito de agora. Mesmo na Alemanha, onde o
Partido Nacional Democrata conquistou o que parece ser um número ínfimo dos votos – apenas 1% – a situação não é confortável: afinal, o NPD é franca e abertamente
neonazista, e que ele tenha conquistado algumas cadeiras no Parlamento Europeu
é em si preocupante, pouco importa o número.
Não me sinto em condições de avaliar o quanto, desse
resultado, é fruto do descontentamento dos eleitores com os caminhos e descaminhos da União
Europeia. Há também, por certo, uma tentativa de responder, nas urnas, à
incapacidade dos governos de oferecerem uma resposta à crise econômica a afetar,
mesmo que desigualmente, a vida de milhões de cidadãos. Mas o resultado das
eleições sintetiza, igualmente, um processo crescente de radicalização à direita
nas sociedades europeias: marchas contra o aborto e o casamento homossexual; a xenofobia;
a hostilidade contra muçulmanos; o nacionalismo exacerbado, etc..., expressam desde
algum tempo os riscos a que estamos submetidos quando fazemos do ódio, do
ressentimento e do medo os principais afetos a orientar as ações políticas.
Fonte: http://www.lamarea.com/2014/05/26/resultados-de-la-extrema-derecha-en-europa-por-paises/ |
E O BRASIL COM ISSO? – Desde o final de semana tenho lido,
principalmente nas redes sociais, manifestações de partidários do governo
petista a usar os resultados das eleições europeias como um pretexto a
reforçar a importância da reeleição de Dilma Rousseff. O argumento é simples:
se a intolerância conseguiu avançar mesmo em um continente que, ao menos em
tese, deveria estar imunizado contra ela depois das
experiências do século XX, o Brasil não está a salvo da tormenta. A reeleição
de um governo de esquerda, nesse contexto, pode não ser uma garantia, mas ao
menos minimiza as chances que o mesmo ocorra desse lado do Atlântico. Não estou
tão certo.
Nos últimos anos – e particularmente nos últimos meses – não
faltam exemplos de que os níveis de intolerância, não raro inflacionados por
vozes midiáticas, se impuseram no debate (ou falta de) público. Os
justiçamentos que pipocam pelo país, com indivíduos presos a postes, quando não
linchados em praça pública, são apenas a face mais atual e abjeta de uma
sensibilidade cada vez menos disposta à uma conduta pública pautada por
princípios que são os da razão, da ética e da solidariedade; e disposta a
investir suas energias na propagação da violência, física e simbólica, contra
os muitos inimigos, reais e imaginários, que surgem aos montes sempre que a
ignorância, o ódio e o medo pautam o que talvez já não se possa mais chamar
exatamente de “política”.
Que isso esteja a acontecer
justamente em um governo de esquerda, o mesmo que empreendeu a maior e mais
eficaz política de inclusão social e combate à miséria extrema, não chega a ser contraditório.
Sob certo aspecto, os governos Lula e Dilma valeram-se principalmente de
políticas distributivas que permitiram, de maneira inédita, elevar os padrões
de consumo de parcelas significativas da população, para diluir outros temas e
travar pautas fundamentais ao avanço dos direitos humanos e da democracia. A
aliança dos governos petistas com, por exemplo, segmentos religiosos
fundamentalistas ou com a bancada ruralista no Congresso, está na origem da
indiferença institucional para com temas e políticas que deveriam ser fundamentais
a uma política de esquerda.
Em nome da governabilidade,
Lula e Dilma colaboraram para a reprodução de uma já histórica despolitização de parcela significativa da
sociedade brasileira, danosa para a consolidação de uma democracia efetivamente
pluralista e sensível aos direitos humanos mais fundamentais. E acho,
particularmente, que as consequências disso ainda não podem ser medidas em toda
a sua extensão. Mas acredito que, na Europa como aqui, parte da
responsabilidade pelo avanço conservador e do protofascismo reside, justamente,
na fragilidade de uma esquerda que não teve e não tem a necessária coragem de
fazer uma política efetivamente de esquerda, preferindo ajudar a chocar o ovo
de uma serpente que acabará por nos envenenar a todos.