POR GUILHERME GASSENFERTH
Como os habituées do Chuva Ácida são esclarecidos e
inteligentes, talvez seria desnecessário explicitar os fatos que fizeram
originar este texto, mas dou-me o direito. Na semana passada, o editor-chefe do
Jornal da Cidade (esforcei-me para manter as maiúsculas no nome), João
Francisco da Silva, homem esclarecido, letrado, vivido e experiente, cometeu o
que deve ter sido o mais lamentável equívoco de seus quatro decênios a serviço
da pena jornalística. Referiu-se ao beijo gay veiculado na propaganda do
candidato a prefeito de Joinville pelo PSOL, Leonel Camasão, com as seguintes
palavras: “Nojento aquele beijo gay exibido no programa eleitoral do Leonel
Camasão, do PSOL. Tão asqueroso quanto alguém defecar em público ou assoar o
nariz à mesa”. Ele prossegue, mas eu vou lhes poupar.
Eu não escreveria a respeito. Aliás, eu havia prometido a
mim mesmo não escrever mais sobre temas polêmicos no blog, mas aí o caso tomou
uma proporção que me forçou a emitir opinião – na condição não apenas de gay, mas
de defensor dos direitos humanos, de cidadão antenado e de joinvilense
envergonhado.
Para ser sincero, eu preferiria ver alguém defecando em
público, ou ainda mesmo que alguém assoasse o nariz nas minhas próprias vestes
do que ter lido o que li – proferido por alguém que até ali admirara. Embora eu
seja absolutamente favorável à veiculação do beijo gay – não só na campanha,
mas sempre que se quiser retratar o assunto – não é sobre isso que escreverei.
A infeliz declaração do João Francisco ecoou na sociedade
joinvilense e, como um sonar, fez detectar três tipos de pessoas – indiferentes,
reacionários e revoltados com a declaração. Aos primeiros, meu lamento. Disse
Weber: “neutro é quem já se decidiu pelo mais forte”. Aos segundos, meu
desprezo. Um ósculo de Judas a vocês. E aos terceiros, minha admiração,
solidariedade e apoio. Estes revoltados fizeram um estardalhaço que retumbou em
âmbitos maiores que nosso feudo de vinte e cinco léguas quadradas e ganhou o
país. João Francisco e o Jornal da Cidade (já falei algo das maiúsculas?)
ganharam manchetes em rede nacional, que produziram vergonha alheia nos
joinvilenses mais esclarecidos. Até mesmo o deputado federal Jean Wyllys
(PSOL-RJ), eleito segundo melhor congressista brasileiro, pronunciou-se a
respeito, repudiando a forma com que o João Francisco falou e classificando a
atitude do Leonel Camasão como “pedagógica”. Concordo.
Até o momento acima, eu havia ficado tão inerte quanto o são
os sete neurônios da cabeça do Gebaili. Mas aí li na quarta-feira a versão do Jornal da Cidade disponibilizada na internet e quedou impossível a minha ausência de manifestação, tendo a oportunidade de
escrever às sextas aqui no blog.
O João Francisco não arredou de sua avaliação rasa e fétida
qual as águas do Cachoeira em maré baixa e reiterou sua permanência na caverna
de Platão, mantendo as palavras de sua missiva embotada de opinião jurássica. Ele
diz ter confrontado “generais, juízes e delegados de polícia”, mas claramente
faltou o embate com a razoabilidade e a inteligência. Porém ainda vejo esperança
em dias melhores e na sua redenção. O homem deve ter tomado um vinho tão ruim
que lhe azedou as ideias.
Já o Antonio Alberto Gouveia Gebaili (chamá-lo de Beto
poderia denotar uma eventual intimidade, cuja inexistência me é grata) escreveu
um “amontoado de palavras” que ganhou minha atenção pela estultice e admirável
falta de senso de autocrítica e amor à honra. Que ele é parvo e oco, toda a
cidade já sabia. Mas é como disse uma amiga, o “amontoado de palavras” serviu
para nos apercebermos de seu único talento: a incrível capacidade de proferir
tantas sandices por lauda. As palavras, pobrezinhas, deveriam ter o direito de
se recusarem a trabalhar para alguns.
É importante advertir que este texto não é direcionado ao Gebaili.
Não tenho a pretensão de atirar pérolas ao porco, nem de semear entre os
espinhos da imbecilidade. Tampouco eu gostaria de gastar palavras com alguém
que não tem capacidade para compreendê-las. E ainda, como disse outro amigo, eu
não falo a língua das antas para comunicar-me adequadamente com o virtual
receptor da mensagem. Mas julguei importante colocar opinião neste caso que acabou
por reverberar pela sociedade.
Não quero fazer juízo da opinião de Gebaili sobre a causa
LGBT ou das suas bobagens travestidas de falsificada honradez porque não vale a
energia gasta. Mas a falta de ética e decoro humano é flagrante quando Gebaili refere-se
à relação de uma comunicadora da cidade com seu pai. Vomita indignidade ao
escrever: “permite que seu pai enfrente muitas necessidades financeiras, o
fazendo passar por grandes humilhações na nossa sociedade!!! Alguém, que um dia
retirou esta pobre figura de um cesto de vime que se encontrava no canto de uma
creche, e que ninguém queria!!!”. É a coisa mais repugnante que já li na história
da comunicação joinvilense. O tipo de
argumentação baixa que ele usa evidencia que a única coisa que o distingue dos demais
animais irracionais é o polegar opositor à mão, que infelizmente lhe deu a
capacidade de pinça que lhe permite segurar uma caneta. O processo de erosão
moral e intelectual que se inicia no cérebro parece ser irreversível e
impiedosamente degenerativo.
João Francisco e demais reacionários: ninguém quis retirar
de vocês o direito de julgar e até mesmo de manifestar-se contra a exibição do
beijo gay. Aliás, nós, ativistas LGBT, consideramos este debate importante e
até entendemos a importância de haver um contraponto às ideias por nós
defendidas. O grande deslize foi a forma como foi feito.
Eu, que evidentemente já beijei alguns homens, o fiz com
tanto amor e afeto como os heterossexuais o fazem. Para mim, é um belo gesto de
humanidade e carinho. Felizmente, nunca vi nenhuma manifestação contrária à
exibição de um beijo heterossexual que seja tão inocente quanto o veiculado
pelo PSOL. Dizer que o ato que eu pratico é tão asqueroso quanto defecar em
público ou assoar o nariz à mesa é ultrajante, João. É um comentário carregado
de visível preconceito e de nociva discriminação.
Você poderia tê-lo feito de
forma totalmente respeitosa e condizente com sua biografia, mas num ato impensado
– quero crer – preferiu trilhar a senda ímpia do extremismo.
Para finalizar, não posso deixar de enxergar um lado
positivo em toda esta história. Além da muito válida contribuição a este debate
trazida pelo candidato Leonel Camasão, a reação que ultimamente se vê no Brasil
quando o assunto é direitos LGBT já era por alguns esperada. Estamos
conquistando direitos (não queremos ser melhores ou maiores, apenas iguais). Já
podemos ter união civil estável, adotar, incluir parceiros(as) na previdência e
nos planos de saúde. Políticas antidiscriminatórias espalham-se pelo país todo.
Como está escrito na foto que bati em minha viagem a Buenos Aires e escolhi para iniciar esta postagem, “direitos não
se pedem, se tomam”. E não sem sangue, suor e lágrimas.
Quando é preciso purificar, limpar, dedetizar, joga-se
inseticida em um ninho de insetos. Para as ideias dos conservadores, agrupados em ninhos,
os direitos gays são como o inseticida. Com o advento das conquistas da
tolerância, é natural que as baratas estejam à solta, voando e dando rasantes.
Mas logo o veneno fará efeito e elas vão morrer.