terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O ND e a imprensa joinvilense na encruzilhada















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A morte de um jornal nunca é boa notícia. E o fechamento do ND - Notícias do Dia Joinville vem deixar a cidade ainda mais depauperada no plano cultural. Mas neste caso a notícia foi recebida com uma certa indiferença e fica a parecer que as pessoas não entenderam o alcance da perda. A discussão limitou-se praticamente às pessoas ligadas aos meios de comunicação... e apenas no dia do anúncio.

Há a visão objetivista do mercado, que traz uma equação simples: não dá lucro, fecha. Mas a questão é mais complexa e merecia uma reflexão de todos os que se preocupam com a cultura na cidade. Sim, jornalismo é parte da cultura. Aliás, por isso nem estou a falar dos responsáveis do poder público, que confundem cultura com agenda de eventos. É importante refletir sobre os fatos que fizeram a cidade chegar a este ponto.

A repercussão do fechamento do ND limitou-se a uns posts nas redes sociais e pouco mais. Quer dizer, as reflexões não passaram de fogachos. No dia seguinte, as pessoas voltaram a cuidar das próprias vidas e o tema desapareceu. Aliás, esse comportamento deveria ser parte central na discussão. A desimportância que se atribui ao fim de um jornal é sintoma de um mal estar na cultura.

Eis a visão do mercado. Para sobreviver, um jornal precisa, em média, de 50% dos recursos provenientes da publicidade (há variações). A sustentabilidade tem um elevado preço. Por mais que os diretores do jornais recusem, é inegável que o anunciante tem o poder sobre o plano editorial. E o pior. Os jornais – os catarinenses, com certeza – não sobrevivem sem a publicidade dos governos. E tornam-se reféns dos políticos.

Mas as verbas publicitárias migraram para outros meios e deixaram muitos jornais de pires na mão. Para os otimistas, a solução poderia vir do aumento de leitores. Mas não. Porque temos a tempestade perfeita. Os jornais, dependentes de empresários e políticos, começaram a mostrar medo dos leitores. E passaram a adaptar as suas linhas editoriais às auscultações feitas pelos seus departamentos de marketing. Ou seja, viraram panfletos.

Eis a tragédia editorial para os jornais com menores recursos. Porque passaram a publicar apenas o que esses “stakeholders” esperam. O projeto passa a ser linear, previsível e incapaz de produzir (é mais que atrair) novos leitores. Lembro de ter lido que 72% dos brasileiros sabem das notícias nas redes sociais. É culpa das novas tecnologias, mas também da fragilidade dos projetos editoriais. A falta de adaptação é a tinta que escreve o epitáfio.

Mas como fica o panorama da imprensa em Joinville? O ND era um concorrente direto do jornal A Notícia. Sendo um challenger, mesmo com menor dimensão, não deixava o líder dormir em berço esplêndido. Lembro de, certa vez, ter ouvido de um responsável do ND que havia um prazer especial em dar um furo no A Notícia. Era uma forma de mostrar que, mesmo com menos recursos, era capaz de fazer o líder levantar a guarda.

O problema é que a vida é ainda mais difícil numa cidade onde o establishment não se interessa por jornais. Para as “elites” da cidade, um jornal tem que ser um panfleto que reproduza a sua forma de vida. Sem marolas. Sem perguntas. Sem contraditório. Se tem coisa que essa gente odeia são as ideias que gerem controvérsia. O que se espera da imprensa é que fique em sintonia com o provincianismo bacoco das suas elites.

Ao longo de décadas o jornalismo joinvilense tem sido feito para introjetar o conservadorismo das elites em toda a sociedade. O jornalismo se deixou moldar pelo conservadorismo local, quando a função é exatamente o contrário. É trazer coisas novas, promover o debate e ajudar os leitores na compreensão dos fenômenos. Enfim, durante décadas a imprensa tem se contentado em ser a voz do dono. Ou dos donos.

É uma encruzilhada de morte. O problema dos jornais joinvilenses não é só o mercado. É também a cultura.

É a dança da chuva.

16 comentários:

  1. Há fortes rumores do AN se tornar uma espécie de filial do DC, com maior quantidade de notícias da capital e menos de Jlle. Se isso for verdade, a Gazeta vai pirar.

    Eduardo, Jlle

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  2. O texto é quase perfeito, mas, sem publicidade, não existe panfleto, muito menos jornal.Ficou na mesma É a lei do mercado.

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    1. Exatamente. Sem publicidade. É o que está a acontecer nos países desenvolvidos, onde os investimentos publicitários online já superam os investimentos no impresso (e estou a fazer apenas de uma comparação direta). A fórmula ainda pode durar mais algum tempo nos ambientes paroquiais, mas não terá longa dura. Cedo ou tarde, o jornalismo impresso terá que encontrar novas fórmulas.

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  3. AN já é filial do DC. Ambos são do grupo RBS.

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  4. Em tempo, um textinho sobre o futuro do jornalismo e da publicidade.

    http://bycom.pt/culture/will-a-robot-be-able-to-create-ads

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  5. A crise transcende, ao meu modesto juízo, o modelo tradicional de negócios da mídia, mestre ZA. Neste caso, sua análise é perfeita: "os jornais viraram panfletos". A chave para refletirmos sobre a crise tem a ver diretamente com o fator credibilidade. O Relatório Global de Confiança 2015 (GfK) apontou que a confiança dos brasileiros na mídia (descrita como TV, rádio, jornais) caiu de 45% em 2011 para 29% em 2015, enquanto a confiança na internet variou de 43% para 34% no período. Paradoxalmente, a confiança nos profissionais (jornalistas), no âmbito do mesmo estudo, é de 64% (entre as sete profissões com maior credibilidade junto ao público) - os/as jornalistas aparecem empatados com os médicos e à frente dos juízes – que aparecem apenas com 57% de taxa de credibilidade.

    O outro dado importante para pensarmos sobre o desaparecimento do ND Joinville (onde trabalhei freela, em 2009), é a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (Ibope Inteligência, ouvindo 15.050 respondentes, de mais de 700 municípios, nos 26 estados mais o DF. Ver aqui: http://www.pesquisademidia.gov.br/#/category/details-1205

    À pergunta “Em que meio de comunicação o(a) sr(a) se informa mais sobre o que acontece no Brasil?”, a TV aparece destacada com 63%, seguida da Internet com 26%, Rádio com 7% e Jornal com 3%. É como resumiu a pesquisadora Lívia Vieira (doutoranda do Posjor/UFSC), num diálogo breve conosco via Facebook: “O predomínio da TV como fonte de informação (63%) é assustador, dado o cenário de monopólio que temos. Isso explica bastante coisa. Internet, rádio e jornal, somados, não chegam nem perto...”. Dos respondentes, 50% afirmam acessar a internet 7 dias por semana, contra 37% que dizem não acessar nunca.

    Ao se desconectar do leitor, como público estratégico sine qua non, e se focar apenas na luta política, seja local ou a rede do golpe que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a imprensa (mídia, negócio) colocou mais "pregos" no seu "caixão". No caso do ND, um player modesto nessa escala de mega corporações, isso é fatal. Sem leitores e leitoras não há publicidade, nem receita, nem razão de existir.

    E o ND Joinville cumpria um papel fundamental de não permitir o reinado solene do monopólio da RBS, nesta mídia tão importante à democracia como é o jornal impresso: não por acaso, de todas as mídias tradicionais, continua com sólidos 60% de credibilidade, não obstante apenas 3% dos brasileiros dizem se informar por ela.

    Belo texto, mestre ZA. Saludos!

    Samuca

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    1. Graaande Samuca. Perfeito. A questão é complexa e obriga a analisar um sem-número de vetor. Mas no que se relaciona ao jornalismo catarina, o problema é – em pleno século 21 – reproduzir o mesmo modelo de décadas, quando o importante fazer as vontades ao poder (ou pelo menos não criar ondas). Na hora de fazer reformas, estão sempre a patinar sobre o imediatismo. Não se pensa em longos cursos. Enfim, é a velha história: não podemos esperar resultados diferentes se continuamos a fazer tudo igual. E sou daqueles que acreditam em soluções, mesmo quando tudo aponta para o contrário. É dar uma olhadinha no caso do NY Times ou Washington Post, que respiram e até contratam (vale lembrar o texto recente do Elio Gaspari na Folha). O futuro é difícil, mas acredito que passa por balizar bem a informação e ajudar a formar a opinião dos leitores de forma honesta e consistente. Abraços, mestre.

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  6. "O que se espera da imprensa é que fique em sintonia com o provincianismo bacoco das suas elites."
    Da mesma forma que o ND e o AN escrevem o que seus leitores querem ler, este blog faz o mesmo, sem a responsabilidade de mantê-lo financeiramente. É todo dia racismo, machismo, mídia, Lula, Cuba, Conservadorismo, etc.
    Há apenas dois tipos de leitores neste blog: Quem é de esquerda e lê para reafirmar seu pensamento e quem vem apenas para se divertir e se distrair.

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    1. Viu. Isso é ecletismo. Falamos para todos os públicos. Parabéns pra nóis.

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    2. Diferente do jornal aqui podemos criticar o Baço, Falar mal do Udo, ou defender o temer. Ainda podemos ser misóginos, racistas, xenófobos, machistas, e brancos elitistas. Com replicas, treplicas e o diabo a quatro . Ou a coisa mais legal trollar o Jordi ,o Felipe e o Baço.

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    3. Viu, o Chuva Ácida tem uma vertente de serviço público. Mas isso de trollar três pessoas e duas serem estrangeiras cheira a xenofobia.

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  7. Lamentável sob todos os aspectos, o desparecimento do ND Joinville. O monopólio não é bom para ninguém, exceto aos detentores. Somem empregos, salários são achatados, não há concorrência tanto para anunciantes (Quer anunciar? Pague meu preço!) como para assinantes e, pior, perde-se o comparativo. Ainda bem que nos resta a internet. Muitos colegas terão de se adequar ao meio, para sobreviver.

    Renni A. Schoenberger - Joinville

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  8. A cultura...artigo mais raro nas prateleiras locais...pode-se perder tudo, memória, história, valores, qualquer coisa. Menos a vidinha provinciana....

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    1. Provavelmente este dramalhão, que aqui se vê, não se repetiria se o veículo de comunicação que viesse à fechar fosse a revista Veja! Tô certo?

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  9. O único bom no ND é o Luiz Veríssimo que, logo engatará outra oportunidade no impresso e no rádio. O resto vai para onde merece...

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  10. Gente!!!!!! Está acontecendo um golpe na Venezuela! Igualzinho ao que aconteceu no Brasil! WTF? KKKKKKKKK

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