terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Por que a tarifa de ônibus é tão cara em Joinville?


DIEGO FELIPE DA COSTA

Joinville é uma cidade com cerca de 560 mil habitantes, a terceira maior cidade do Sul do Brasil, possuindo um dos mais altos PIBs do país. Entretanto, quando o quesito analisado é a qualidade, possui um dos piores sistemas de transporte, na comparação com outras cidades com o mesmo porte. E a qualidade vem caindo cada vez mais, visto que a cada mês as empresas da cidade fazem novos cortes nos horários das linhas, extinguem linhas e reduz o número e o tamanho dos veículos ofertados, objetivando apenas manter o índice de lotação dos veículos sempre alto, muitas vezes acima do limite permitido pelo contrato.

Fazendo uma comparação rápida entre Joinville, Florianópolis, Londrina e Caxias do Sul (cidades com mais ou menos a mesma quantidade de habitantes), Joinville se torna piada. Essas outras cidades estão investindo em seus sistemas de transporte, seja através realizando licitações, ou mesmo exigindo mais qualidade nas renovações de frota, ou ainda criando um sistema de transporte coletivo novo. E detalhe: todas essas cidades possuem uma tarifa mais barata que a do sistema joinvilense. Em Joinville, o que temos são promessas e nada concretizado. Apenas cortes e mais cortes que enxugam ainda mais nosso sistema de transporte já tão raquítico. Mas por que então a passagem é tão cara por aqui? 

A tarifa acaba de chegar ao patamar dos R$ 4,00 (antecipada), sendo mantida a tarifa embarcada no patamar dos R$ 4,50. Esta última modalidade de passagem, a meu ver, já deveria ter sido extirpada do sistema, visto que só incentiva as empresas a não criarem novos postos de venda da tarifa antecipada, obrigando o usuário a pagar, em muitas situações, a tarifa mais cara (a embarcada). Já quase não existem pontos de venda antecipada das passagens.

Na rodoviária, por exemplo, antes existiam até funcionários das concessionárias vendendo passagens antecipadas aos usuários que recém-chegados de outras localidades. Hoje a única opção em grande período do dia é a compra embarcada, uma vez que não existem mais funcionários vendendo a passagem no local, sendo esta disponível apenas no guichê da Viação Graciosa, que não se encontra aberto durante todo o período de operação dos ônibus urbanos.

Não bastasse a surpresa por ter que pagar a multa da tarifa embarca, sem ter a opção de adquirir a passagem antecipada, o usuário se surpreende com o fato de que a passagem é cobrada pelo próprio motorista, não pelo cobrador, como ocorre em praticamente todas as cidades do Brasil. Logo, também se surpreendem com a qualidade dos veículos, muito inferior a da grande maioria das cidades, que além de ofertarem bancos de “plásticos”, não possuem sistema de ar condicionado muito menos higienização e manutenção adequadas.

Ao desembarcarem no Terminal Central do sistema, percebem que, apesar do grande volume de passageiros espremidos nas pequenas plataformas daquele terminal, os ônibus em operação são pequenos, que evidentemente não comportam o fluxo de passageiros que lá esperam para embarcar. 

A queda na qualidade dos veículos ofertados no sistema de transporte coletivo de Joinville foi tão grande, que os usuários mais antigos, ainda que leigos (no sentido de habitualmente não perceberem diferenças técnicas nos veículos) estão notando que os veículos mais novos do sistema têm qualidade extremamente inferior em relação aos mais antigos. Sendo assim, por que a passagem é tão cara?

1. SEM COBRADORES, COM BAIXOS SALÁRIOS - Aí vai um fato curioso: Joinville é uma das poucas grandes cidades do país em que o transporte coletivo não possui cobrador. É isso mesmo. Não existem cobradores (ou trocadores) no sistema de transporte joinvilense. Quem faz o trabalho de cobrar as passagens é o motorista, que ganha uma pequena bonificação por isso. Inclusive, os salários em Joinville para motoristas são relativamente baixos. Sendo assim, sem a necessidade de contratar centenas de cobradores para trabalharem no sistema de transporte de Joinville, por que a passagem é tão cara por aqui?

2. SEM CONFORTO - Falando em qualidade, algo imprescindível para alguém trocar o automóvel pelo ônibus: desde 2008 todos os ônibus comprados não possuem nem mais uma almofadinha, apenas bancos de fibra, “de plástico” popularmente dito. São mais econômicos na hora da compra e da manutenção, mas quem anda de ônibus sabe o conforto que (não) tem. Primeiro começaram trocando as grandes poltronas acolchoadas por poltronas mais modestas, mas ainda com estofamento. Depois, trocaram estas pelas que temos hoje: sem estofamento algum (e ainda sim, nesse período, a passagem continuou aumentando descontroladamente).

3. SEM AR CONDICIONADO - Ainda falando em qualidade, onde estão os ônibus com ar-condicionado? Apenas um ônibus tem ar condicionado, numa frota de 355 ônibus (frota que, pelo tamanho da população de Joinville, está em número menor do que o necessário para se manter certo grau de qualidade dos veículos). O fato curioso o sobre aparelho de ar-condicionado nos ônibus é que no grupo Gidion existe uma empresa que fabrica aparelhos de ar-condicionado para ônibus. Esse único ônibus com aparelho de ar na frota do sistema urbano ostenta também um aparelho fabricado pela empresa do grupo Gidion (VMG Aires). Sendo o próprio grupo Gidion fabricante dos aparelhos e operador do sistema de transporte, não deveria ele, em tese, incentivar o uso dos aparelhos os ônibus urbanos?

4. CARROCERIAS E CHASSIS - Vale destacar aqui também que os ônibus comprados nos últimos anos possuem as configurações mais baratas existentes no mercado de carrocerias e chassis de ônibus, sem o conforto algum, sem suspensão a ar, com rangidos em suas estruturas que causam desconforto ao passageiro e dão a impressão de que irão quebrar a qualquer momento, sem contar o desconforto durante a viagem, visto que, sem a já citada suspensão a ar (padrão na maior parte dos ônibus do mundo), os veículos trepidam e pulam mesmo no asfalto liso, quem dirá então nas vias esburacadas/remendadas da cidade.

A motorização/chassi das últimas compras, que são feitas em conjunto pela Gidion e Transtusa (as duas se juntam e compram do mesmo fornecedor, em quantidade elevada, para baixar os preços), que geralmente escolhem o fornecedor que fornece o produto mais barato e simples do mercado brasileiro, tendo, assim, um custo baixíssimo de manutenção, já que as peças ofertadas por esse fornecedor são extremamente baratas se comparadas às outras opções existentes no mercado de ônibus, além do fato de, por serem parceiras das revendas deste fornecedor na região, os preços caem ainda mais. Sendo assim, por que a passagem é tão cara por aqui?

5. PELA OITAVA VEZ - Para finalizar, o Município de Joinville irá renovar o contrato emergencial no próximo dia 11 de janeiro pela oitava vez, porque não tem a capacidade de fazer a tão almejada licitação. Não teve a capacidade de licitar e, se não bastasse isso, discute na justiça uma dívida que já passou pelo crivo do judiciário, atrasando ainda mais a possibilidade de licitar, visto que o judiciário, até o momento, não permite o seguimento da licitação antes da quitação desta dívida. Tenho a impressão de que as autoridades joinvilenses sequer têm vontade de resolver esse problema de uma vez por todas. Afinal, quem ali anda de ônibus? O prefeito? O vice? Os secretários? Nenhum deles! Nem os vereadores andam de ônibus. Então por que tratarão o assunto com urgência? Já foram reeleitos, já conseguiram o que queriam.
Foto: Gustavo Campos

Já tive a oportunidade de várias vezes, conversar com o secretário responsável pelo planejamento do transporte coletivo, e a cada conversa minha decepção aumenta, visto que ele concorda e luta e muito para a prevalência de uma situação que beneficie as  atuais empresas  do sistema, deixando o usuário do transporte coletivo em segundo plano, isso quando ele é levado em consideração. Mas isso não é novidade para ninguém, não é mesmo? 

6. E OS JOINVILENSES? - E o povo de Joinville, o que acha/pensa/faz diante de tudo isso? Infelizmente, o joinvilense é omisso, acomodado, conformado, influenciável, reclama dos problemas apenas nas redes sociais, não reclama diretamente ao poder público, não o confronta, não exige, sequer reclama diretamente aos operadores do sistema, nos terminais quando os ônibus atrasam (já presenciei isso várias vezes). Ficam lá parados, inertes, inexpressivos, aceitando a situação evidentemente errada. O pior de tudo é que ainda criticam os poucos que se dispõem a protestar contra os aumentos, chamando-os de vagabundos, esquerdopatas, petralhas, comunistas e  por vai.

Acho que agora sabemos o porquê da passagem ser tão cara em Joinville.

Diego Felipe da Costa é turismólogo e técnico em gestão da mobilidade urbana.

10 comentários:

  1. Excelente texto, Diego. Ontem (segunda-feira), após o ato no terminal central, fui para casa num dos veículos que me parecem ser da nova frota (um articulado, com uma parte preta perto das janelas). Antes de embarcar, o motorista esqueceu de abrir as últimas duas portas. E nem tinha como ver direito, pois esses novos ônibus não possuem câmeras internas; mais um corte de custo que, com certeza, não é colocado na planilha.

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    1. Obrigado pelo elogio Yan, pois então esses articulados com máscaras pretas nas janelas foram reformados recentemente. Esses articulados já são inferiores desde a compra entre 2007/2008. Mas ainda há articulados de 99/2000 rodando na empresa, eles possuíam câmeras, não sei se retiraram.

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  2. Excelente matéria, Diego Felipe da Costa.
    Há anos já menciono a péssima qualidade do transporte coletivo em Jlle, voltado para o lucro e tão somente o lucro do duopólio GIDION-TRANSTUSA.
    Não nos esqueçamos também que antes das gestões Luiz Henrique (1997-2002) havia muito mais fiscais de ônibus, cargos que viraram comissionados e não havia a passagem embarcada além de ainda existirem os cobradores: foi a partir do governo Luiz Henrique que começou esse oba-oba das suas empresas.
    Ainda há outras coisas além das várias que tu mencionaste pra se criticar nesse filão super-hiper-ultra-extra-maxi-mega-lucrativo do duopólio GIDION-TRANSTUSA: os banheiros dos terminais não tem sabonete líquido nem sabonete, muitas vezes não tem papel-toalha, causando uma péssima higiene e facilitando a proliferação de doenças, sendo que os custos mensais de papel-toalha e sabonete líquido pra cada terminal seriam pequeninos. Outra coisa que ocorre é a diminuição de cadeiras pra se sentar nos ônibus, antigamente havia muito mais cadeiras e isso favorece o desconforto e a superlotação dos ônibus, não há qualquer tipo de suporte para se guardar mochilas, bolsasl pastas e outras coisas, e há espaço pra se fazer isso na parte superior interna dos ônibus, assim como ocorre em metrôs, por exemplo. HÁ AINDA o péssimo fracionamento/distribuição d horários de ônibus, de modo que em determinados horários e regiões há 2 ou 3 ônibus pra destinos semelhantes mas fica meia hora sem ter ônibus, ou mesmo uma hora ou mais e depois voltam a ter 2 ou 3 ônibus quase no mesmo horário.
    Há uns 15 anos já percebo a péssima qualidade do transporte coletivo que esse duopólio privado oferece; e de lá pra cá pouca coisa mudou pra melhor, alguams mudaram pra pior e a passagem aumenta constantemente...

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    1. Obrigado anônimo. Pior é saber que se o empresário quiser contratar uma empresa de fretamento para o transporte de seus funcionários ao invés do vale-transporte, ele é obrigado a usar Gidion ou Transtusa. Não há pra onde fugir no que se refere ao transporte coletivo.

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    2. Sim, é a tal "competitividade da livre iniciativa privada" (ou seria iniciativa latrina?), a tal "competência do deus mercado", que com 1 duopólio enorme apresenta isso que vemos como transporte coletivo. Dia desses pegando 1 ônibus pro Terminal Norte caiu uma daquelas estruturas em formato semi-cilíndrico que protegem a fiação e as luzes dentro do ônibus e me acertou de raspão na cabeça, caindo pela janela aberta e ficando na rua a mesma. Minutos depois caiu mais uma mas do outro lado interno do ônibus e felizmente não atingiu pessoa alguma (a que me atingiu me assustou mas não me machucou pelo menos).

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  3. Clap clap clap.... O pior de tudo mesmo são os joinvilenses....

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  4. Pelo menos os ônibus que eu pego são limpinhos. Nunca vi lixo no interior dos mesmos. Quanto ao ar condicionado, foi feito um período de experiência, há alguns anos atrás, e o povo rejeitou porque "Não dá pra abrir as janelas". Mas, pelo preço que cobram, pelo menos podiam colocar sinal de wi-=fi.

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    1. A solução é simples, que venham ônibus sem aberturas de janelas, iguais aos rodoviários. A grande maioria pede o a/c sim. Wifi não tem tanta necessidade.

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  5. Ótimo texto Diego, estou de São Paulo estudando esta hipótese de se extinguir cobradores, e adotar cobranças mais caras, ou se equilibrar em cima da bilhetagem, mas estou vendo que é no fundo precarização da qualidade do serviço sobre a desculpa de "inovação". E um detalhe, as 2 empresas que operam em Joiville, entraram por licitação ou concorrência pública em algum momento, ou sempre foram apenas contratos bilaterais? Abraços

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    1. Obrigado pelo retorno Calabria.
      Então, as empresas de Joinville, diferente de São Paulo, não são licitadas, possuem um contrato precário de permissão que vai sendo renovado há mais de 40 anos. Nunca houve licitação aqui, além disso as empresas mandam em tudo, fazem o que quiserem sem a prefeitura cobrar de forma satisfatória. Pra você ter uma noção, não há uma planilha confiável divulgada, neste caso pelas empresas, pois a prefeitura nem sequer dispõe de técnicos para isso. Já mm São Paulo há um controle sobre isso, já que as empresas são licitadas.

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