POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Há
por aqui um leitor anônimo (espero que seja apenas um, porque se houver mais já
será uma burricada) que não perde uma oportunidade para me exigir uma
declaração de apoio a Carlito Merss. É uma obsessão do cara. E como eu já estou
de saco cheio das abobrinhas desse energúmeno, hoje vou dedicar dois dedos de
prosa ao assunto.
Sim, de fato há uma coisa que me liga a Carlito Merss: eu respeito o cara. Mais do que isso, eu respeito a sua história. Não vou ficar a filosofar porque a coisa é muito simples. Eu comecei a trabalhar na imprensa diária de Joinville na década de 80 e nem preciso dizer que era um tempo em que a ditadura - já um tanto enfraquecida, vale salientar - ainda dava cartas. Permaneciam as estruturas autoritárias e não era fácil peitar o sistema.
É bom lembrar que nesse tempo ainda funcionava a lógica que vinha do tempo dos dois partidos: o partido do
“sim” e o partido do “sim senhor” (no papel, o bipartidarismo acabou em 1979, mas os partidos de esquerda só foram legalizados mais tarde). Era o autoritarismo a dominar a vida das
pessoas, a impor silêncios. Se na esfera privada as pessoas pensavam em liberdade,
na esfera pública pouca gente se atrevia a questionar, brigar ou correr o risco de ir contra o poder instituído.
O jornalista que quisesse fazer alguma reportagem a envolver temas
políticos, mesmo os mais irrelevantes, ficava sempre numa situação incômoda.
Não havia dois lados a ouvir, porque o contraditório simplesmente não existia. E não vamos esquecer que por muito tempo Santa Catarina foi governada por oligarquias que estendiam o seu poder por toda a malha social. Mas
houve um momento em que surgiu um pessoal de esquerda – Carlito estava entre
eles – que tinha os tomates no lugar. Que enfrentava o autoritarismo e mostrava a
cara.
É certo que a ditadura perdera muito da sua força, mas ainda havia
riscos. Você podia até nem ir preso, mas bastava um simples telefonema de um
poderosão e os caras podiam arruinar a sua vida (o famoso "pedir a cabeça"). Eu próprio sou testemunha de que muitos tiveram prejuízos
pessoais por terem feito oposição ao sistema. Aliás, pode parecer estranho para os
mais jovens, mas houve um tempo em que ter um simples adesivo do Lula no carro
podia provocar problemas no trabalho. Havia ameaças de demissão, trabalhadores
marcados e aquilo que hoje chamamos assédio moral.
O fato é que como jornalista aproveitei para ouvir também a versão
dessas pessoas nas minhas matérias. E como cidadão passei a admirar os caras.
Porque finalmente começava a aparecer na cidade uma geração que
demonstrava ter coragem intelectual e coragem física para mudar a situação. Aliás, vale o comentário: se é difícil ser de esquerda no Brasil, em Santa Catarina é ainda pior. Porque o fato de uma ditadura acabar não implica no fim da lógica do autoritarismo.
Eis as minhas razões, energúmeno anônimo. Mas duvido que você entenda.
Porque parece que a sua noção de militância política é sentar à frente do
computador e escrever meia dúzia de besteiras. E com a covardia do anonimato, claro. Os machos do teclado não gostam das pessoas que demonstram coragem física, dão o corpo ao manifesto e vão à luta.
P.S.: Aproveito para fazer uma pergunta: vocês sabem onde estavam, naqueles tempos, muitos desses caras de uma certa comunicação social que hoje faz da crítica Carlito Merss uma profissão de fé? Eu respondo: ou estavam caladinhos como ratos (fazendo do silêncio uma conivência) ou engajados no processo autoritário e aproveitando as benesses do poder para se ajeitarem na vida.