Não há muito a dizer sobre o
sórdido espetáculo da noite passada. Rendido a um grupo de crápulas, o país
deixou de lado qualquer espécie de escrúpulo. Não é difícil vaticinar o pior
para o futuro. Mas o texto de hoje não vai falar sobre isso. A ideia é dar uma
amostra da imagem que o Brasil está a passar para o mundo. Porque a pantomima não passou despercebida aos olhos da imprensa internacional.
No espanhol El País, a
correspondente María Martins é quem traz a referência ao show da Xuxa e à
patetice das declarações de voto. “Os deputados defenderam o
impeachment de Rousseff pelos mais diversos motivos: "para minha esposa
Paula", "para minha filha que vai nascer e minha sobrinha Helena",
"meu neto Gabriel ", "a tia que cuidou de mim desde pequeno" "para
minha família e meu estado " , "Deus" , " pelos militares
[ golpe ] de 64, "pelos evangélicos ", "pelo aniversário da minha
cidade", "pela defesa do petróleo", "agricultor",
"pelo café " e até mesmo "pelos corretores de seguros no Brasil
".
E lembra que os reais motivos para a votação foram esquecidos.
“Para trás ficaram as manobras fiscais, o verdadeiro motivo para abrir o processo, completamente esquecidas pelos nobres deputados. Exaltados ante o
microfone, exprimiram até o último segundo de glória que, para muitos o
plenário oferecia pela primeira e, quem sabe, última vez . Os parlamentares
fizeram lembrar os telespectadores de Xuxa, que usavam a participação ao vivo
no programa para sempre cumprimentar mãe, marido, amante, primo, neto, vizinho,
amigos e até o goleiro".
O show da Xuxa também não passou despercebido ao francês
Liberation, que publicou um texto chamado “Brasil : entre crianças, bugigangas
religiosas e camisas de futebol, o dia incomum dos deputados”. O jornal fala em
declamações, “por vezes tendendo à postura teatral, muitas vezes aproveitam a
oportunidade de tomar o tempo e holofotes, ao vivo na televisão, para enviar
mensagens pessoais, dando pouca relevância às operações fiscais formalmente
imputadas Rousseff”.
O Libé prossegue e narra que “além das múltiplas
invocações a Deus e a Jesus , havia também se opondo à liberdade sexual e
outros reivindicando o oposto. Palavras
duras também foram dirigidas contra o controverso presidente Eduardo Cunha,
considerado o eixo do processo de impeachment , e teve que, sem pestanejar,
ouvir insultos como 'bandido', 'ralé', 'corruptos'".
Em texto no jornal
português Público, o analista Manuel Carvalho não tem meias medidas. E descreve
aquilo a que chama uma turba perigosa e sem escrúpulos. “Durante três penosas horas, a Câmara dos Deputados em
Brasília dedicou-se a debater a destituição da presidente Dilma Rousseff e
transformou-se nesse lugar estranho onde subsiste o pior que há no Brasil: a
política", escreveu.
O jornalista é implacável. “O deplorável ambiente de comício, a
inacreditável facilidade com que se trocavam insultos, a essência do Estado
laico a ser torpedeada por persistentes clamores evangélicos, o deboche
egocêntrico que levou uns a citar os filhos e outros os lugarejos de origem
(sempre deu para saber que no Maranhão existe uma Itapecuru) foram apenas mais
uma prova de que o Brasil está entregue a uma horda de predadores a quem não se
pode confiar uma chave de casa, quanto mais o destino de uma Presidente eleita. Entre as intervenções dos 25 partidos e as dos líderes das bancadas do
Governo e da minoria, raramente se falou no que estava em causa”.
É a dança da chuva.