POR CLÓVIS GRUNER
Na manhã seguinte à morte
de Eduardo Campos, me perguntavam no programa de rádio onde, quinzenalmente,
participo como comentarista, quais os eventuais desdobramentos de seu
desaparecimento na campanha eleitoral. Ainda era muito cedo para qualquer prognóstico
seguro, mas procurei destacar a dificuldade em consolidar sua candidatura como
uma “terceira via” aos petistas e tucanos. Indagado sobre seu eventual sucessor
ou sucessora, disse ainda que não vislumbrava outra alternativa aos “socialistas”
além de indicar a vice, Marina Silva, como a nova candidata. Passada uma semana
e com a candidatura de Marina Silva confirmada pelo PSB, não acho que meus
comentários tenham sido despropositados.
O falecimento precoce de
Eduardo Campos deixou em aberto se sua candidatura conseguiria, efetivamente, apresentar-se
como uma alternativa aqueles eleitores que, descontentes com a bipolarização
entre PT e PSDB, ainda assim pretendem escolher seu candidato dentro de limites
ideológicos e programáticos mais convencionais. A nos pautarmos pelas pesquisas
eleitorais, Campos não conseguira ir além de um acanhado terceiro lugar e havia,
a meu ver, dois problemas que sua candidatura precisaria superar.
O primeiro era o caráter
por demais regional de sua liderança. Mesmo que herdeiro de um espólio político
significativo, o do avô Miguel Arraes, o ex-governador pernambucano enfrentava
dificuldades para “nacionalizar” seu nome. Em parte porque, diferente de Aécio
Neves, com trajetória em muitos aspectos similar, protelou tempo demais o
necessário investimento para fazer-se conhecido além de seu estado e região. Além
disso, Campos se viu enredado em uma dupla caracterização desabonadora às suas
pretensões políticas. No discurso do PT ele passou a ser apontado como uma
espécie de “sub-Aécio”; para o PSDB, sua passagem pelo governo petista era o
pretexto ideal para colar nele o estigma da continuidade. Espremido entre
petistas e tucanos, não teve estofo político para posicionar-se como liderança
alternativa; era, independente do ângulo por onde o olhássemos, mais do mesmo. Jamais
saberemos se, com a propaganda eleitoral e os debates, isso mudaria de forma significativa.
Particularmente, acho que não.
O FATOR MARINA – Diante
do inusitado que foi a morte de seu candidato, o PSB optou por confirmar o que,
desde as primeiras horas após o acidente, já era cogitado. A indicação de
Marina Silva como candidata à presidência foi confirmada, tendo o deputado
federal e líder da bancada do partido na Câmara, Beto Albuquerque, como seu
vice. A entrada de Marina na corrida presidencial embaralhou a disputa, o que
já é alguma coisa em uma campanha que seguia morna, no limite da estagnação.
A reação raivosa de
aecistas e dilmistas, incluindo o uso despropositado e infeliz de sua imagem no
velório do ex-correligionário, deu o tom: pela primeira vez em meses, surge
efetiva a possibilidade de um segundo turno; e Aécio Neves não está nele. Tucanos
e petistas tem motivos para se preocupar: as primeiras sondagens indicam um
empate técnico entre Dilma e Marina, e se Aécio corre o risco de ver naufragada
suas ambições presidenciais, Dilma também precisa repensar estratégias se
quiser continuar no Palácio do Planalto por mais quatro anos. Claro que a arrancada
de Marina Silva está, em parte, ligada à comoção pela morte de Eduardo Campos;
com o passar do tempo e acomodadas as manifestações emocionais mais imediatas, as reações
podem ser outras.
Mas Marina não tem a seu
favor apenas a tragédia que ceifou a vida de seu antecessor. A meu ver ela
encarna melhor, para o eleitor médio, a tal “terceira via”, e pode apresentar-se
como uma alternativa à bipolarização partidária que mencionei acima. Apesar de
ter militado no PT por duas décadas, inclusive ocupando um ministério no
governo Lula, ela conseguiu se descolar de maneira eficiente do antigo partido
e do governo, principalmente depois de sua bem sucedida candidatura em 2010,
quando obteve o terceiro lugar e algo em torno de 20 milhões de votos – pouco
mais de 19% do total. Além disso, figura conhecida em todo o país – e isso é
importante em uma eleição presidencial – ela não precisará “nacionalizar-se”, algo
fundamental já que sua candidatura surge algo tardiamente em relação à de seus
principais adversários.
FRAGILIDADES E CONTRADIÇÕES
– Mas o “fator Marina” não foi submetido ainda ao crivo da campanha, onde suas
fragilidades e contradições serão amplamente exploradas e expostas pelos seus dois
principais adversários,
como bem observou meu colega de blog, José António Baço. Em 2010, sua candidatura não representava uma ameaça a nenhum dos dois
projetos em disputa; agora, ela ameaça ambos, e isso não escapará aos
estrategistas do PT e PSDB. Neste sentido, os 20 milhões de votos conquistados
na última eleição podem não garantir muita coisa, porque o contexto é
radicalmente outro.
E não apenas o contexto:
a Marina Silva de hoje também não é a mesma, porque sua trajetória algo
acidentada levou-a a fazer escolhas que podem comprometer a pretensão de
apresentar-se como candidata alternativa. A começar por sua filiação ao PSB,
problemática para dizer o mínimo: é amplamente conhecido que seu projeto
partidário, a
Rede Sustentabilidade, continua de pé, e é uma posição oficial de
suas lideranças que a filiação aos “socialistas” é apenas transitória. Além da
urgência oportunista de quem não pode esperar mais quatro anos para lançar-se à
frente de seu partido e defendendo um projeto próprio e original, o PSB vive a situação
algo esquizofrênica de franquear uma candidatura que, talvez, abandone o
partido depois de e se eleita.
Além disso, a crescente
exposição nos futuros embates eleitorais colocará Marina Silva diante da tarefa
de se posicionar, de maneira mais firme e transparente, frente a temas sobre os
quais sempre tangenciou, na melhor das hipóteses. Os eleitores precisam saber –
embora a maioria aparentemente não se importe muito com isso – o que uma
candidata com chances reais de vir a ser presidenta pelos próximos quatro anos
pensa, e quais políticas pretende implementar caso eleita, sobre temas como educação,
saúde, violência e segurança pública, direitos humanos, laicidade do Estado,
política externa, dívida pública, privatizações, desenvolvimento sustentável, política econômica etc... Em parte por sua
posição coadjuvante, Marina Silva sempre passou ao largo desses temas. Agora não
dá mais.
MUITAS PERGUNTAS – E
talvez resida aí, nessa necessidade de exposição, o principal risco a comprometer
o “fator Marina”. Porque do pouco que se sabe, o que se depreende são
posicionamentos frágeis e ambíguos sobre temas importantes: como Marina Silva,
uma vez presidenta, lidará, por exemplo, com o desmatamento, tema caro aos
ecologistas, tendo como vice um dos principais representantes do agronegócio no
Congresso Nacional? Quais serão as alianças que pretende firmar para assegurar
a governabilidade, já que a atual, capitaneada por PSB e PPS, parece não ser
sólida o suficiente para governar sem o recurso aquelas mesmas concessões que ajudaram
a comprometer irremediavelmente parte do projeto petista? Sendo o PPS um
partido que nos últimos anos viveu à sombra do PSDB, aliado de todas as horas do
DEM, teríamos em um eventual governo Marina Silva a volta de setores da direita
hoje na oposição?
A trajetória de Marina está diretamente ligada às demandas ecológicas, e uma das razões de sua ruptura com o governo petista foi, justamente, sua posição minoritária como ministra do Meio Ambiente frente ao incremento da política neodesenvolvimentista da então ministra Dilma Rousseff. Como ela pretende conciliar estes interesses com os da retomada da produção e do crescimento industriais? Ela manterá a promessa, feita por Eduardo Campos, do passe livre nacional para estudantes? No passado recente, a então senadora defendeu Marco Feliciano
quando este, à frente da Comissão de Direitos Humanos, foi duramente criticado
por ativistas principalmente do movimento LGBT. Evangélica e sabidamente contrária
ao casamento homoparental, Marina destravará a pauta dos direitos humanos e das
minorias ou permanecerá arredia frente à necessária e urgente laicidade do
Estado? Há muitas incógnitas. Não sei se Marina Silva tem condições ou pretende
responder a todas elas. Pessoalmente, duvido.
Porque apesar do momento
particularmente agudo em que foi alçada à condição de presidenciável, e da
intenção de apresentar-se como a “terceira via”, acredito
que parte da novidade que ela pretende representar advém, justamente, da
ausência de novidade: seja por seu percurso político mais recente; pelas
alianças já forjadas para assegurar sua candidatura; pelas posições ambíguas e mesmo
vacilantes sobre temas controversos, entre outras coisas, Marina Silva é
incapaz de extrapolar os limites de uma candidatura convencional – no que
segue, aliás, o caminho já trilhado por Eduardo Campos – e sua presença nestas
eleições está bem ao gosto de eleitores que, para tudo mudar, não pretendem
mudar absolutamente nada. Na prática a teoria é outra, e Marina Silva é só mais
do mesmo.