terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Uma vitória da extrema esquerda?

POR MURILO CLETO
A vitória da "extrema esquerda" na Grécia não é exatamente uma vitória da extrema esquerda. Explico: nas eleições parlamentares de domingo, três forças estavam em jogo: a Nova Democracia, representada pelo atual primeiro-ministro, Andonis Samarás; a Aurora Dourada, composta fundamentalmente por neonazistas; e o Syriza, que, aliado ao espanhol Podemos, virou a grande sigla da esquerda nas urnas.
O que aconteceu ontem no berço da democracia é menos uma aposta dos eleitores nas pautas históricas da esquerda marxista e mais um basta na política econômica que mergulhou o país na mais grave crise de sua história, especialmente de 2010 para cá. Fadada ao desespero pela quebradeira geral que tomou conta do mundo desde a falência do Lehman Brothers, a Grécia escolheu o remédio receitado pela União Europeia e os desdobramentos foram catastróficos: mais empréstimos dos bancos internacionais, menos direitos sociais, maior arrecadação tributária, menos gastos públicos. Milhares de servidores públicos foram simplesmente desligados da folha estatal.
Com a opção pelo modelo neoliberal, a soberania nacional deu lugar a uma porção de concessões que fizeram da Troika a verdadeira dona da Grécia. Banco Central Europeu, FMI e Parlamento Europeu deram todas as cartas, com o aval do parlamento nacional, de mãos confortavelmente atadas em favor das instituições financeiras. E tudo isso funcionou? Bem, o crescimento econômico permanece congelado; o número de desempregados beira a margem de 30%; e a dívida pública do país aumentou de 146% para 177,2% do PIB nos últimos 5 anos!
Isso significa que, para pagar tudo o que deve, a Grécia precisaria cortar absolutamente todos os gastos públicos por quase dois anos enquanto arrecadaria todos os tributos - algo que é, evidentemente, impossível. Quem prenuncia para agora o fundo do poço pra Grécia ou é muito desonesto ou sofre de uma miopia incurável, pois não acompanhou nem de longe o caos que o país tem vivido por uma canetada desastrada atrás da outra.
A maior evidência de que a vitória do Syriza não é exatamente uma vitória da esquerda foi anunciada hoje: para conseguir maioria absoluta no parlamento, o partido deu sinais de que vai se unir à direita nacionalista. E não é de se assustar: a Grécia deve rever imediatamente os títulos da dívida pública e as condições de empréstimo impostas outrora pela Troika. É por isso que nos últimos meses se fez tenta pressão contra a esquerda nas eleições, de ameaças de expulsão da União Europeia para baixo. Essa foi fundamentalmente a única pauta eleitoral do Syriza, e também pudera.
E O BRASIL?  O que o Brasil tem a ver com isso? Aparentemente nada, pois, apesar da retração econômica dos últimos meses - e que deve se estender ainda por algum tempo -, aqui a dívida pública não ultrapassa os 34%. Mas o caminho apontado pela nova equipe do Ministério da Fazenda é preocupante. Não há eufemismo: o que o governo federal promoveu nos primeiros dias de mandato é corte: corte em benefícios previdenciários/trabalhistas para socorrer o desequilíbrio das contas, que nada tem a ver com a corrupção na Petrobras, como creem analfabetos políticos de toda ordem, mas com o excesso de gastos do Estado associado ao baixo crescimento e à imensa dívida pública que hoje está acumulada em mais de R$ 2 trilhões.
Para quem pergunta onde estão os eleitores de Dilma, eu respondo: aqui. Nunca foi e não será agora meu costume aparecer apenas de quatro em quatro anos. E, verdade seja dita, boa parte dos "analistas políticos" de plantão está se expondo ao ridículo ao criticar as medidas tomadas por Joaquim Levy: esse era exatamente o programa de governo de Aécio Neves, cujas pautas, infelizmente, ninguém leu.

Mas essa é outra e, espero, nem tão distante conversa.

8 comentários:

  1. Firula, tudo firula! Samarás será a Dilma deles, discursos lançados ao vento, palavras que o povão quer ouvir, terá sorte se terminar o mandato, pois ao contrário do Brasil, a Grécia é um país relativamente pequeno, com uma população relativamente pequena, bem politizada e bem informada.

    Samarás venceu pelo desespero e não vai cumprir o prometido porque, como bem o autor escreveu, a dívida da Grécia já ultrapassa 170% do PIB, se não saldar, além de lançar mão da “fada-madrinha UE”, vai quebrar, como aconteceu com a Argentina no início dos anos 2000.

    A dívida da Grécia resume-se ao pagamento a bancos alemães, italianos e franceses, respaldados pelos governos daqueles países. Em outras palavras, se der calote não será apenas o governo grego a dar com os burros n’água, causando um desconforto diplomático de proporções homéricas.

    Mas porque a Grécia herdou uma dívida tão grande? Ora, rodovias, portos, hospitais, universidades, pontes gigantes ligando estreitos entre as penínsulas, olimpíadas, linhas e mais linhas de metrôs, ferrovias, enfim, a Grécia virou um país de primeiro mundo e toda essa infraestrutura tem um preço. A Grécia deu um passo maior do que a perna (Portugal e Espanha, também!), e o governo grego foi consciente quanto aproveitou os empréstimos a juros baixos.

    Mas com toda essa infraestrutura pronta seria de se esperar que as empresas usufruíssem, produzissem e empregassem, como a Espanha vem fazendo nos últimos anos e saindo aos poucos da crise. Acontece que, assim como a Espanha, a Grécia tem “benefícios” trabalhistas que nem os alemães possuem. Aí fica difícil lançar mão desses benefícios em prol da produtividade e do emprego. Conclusão, mesmo com toda essa infraestrutura, poucas empresas se arriscam a encarar a burocracia e bancar os benefícios trabalhistas dos gregos.

    Se Samarás for esperto, seguirá o exemplo de Dilma, manterá o discurso demagogo (característico da esquerda), mas continuará a discutir com os bancos e pagar a dívida grega.

    Sobre o Brasil, os cortes servem para equilibrar as contas defasadas pelas ações errôneas e populistas de Dilma Rousseff que antecederam o pleito eleitoral e reerguer estatais como a Eletrobras, por exemplo. Óbvio que Petrobrás também se beneficiará de uma fatia da alta dos tributos e desvios dos ministérios. Falando nisso, a da Educação da “Pátria Educadora” também teve corte de 31% ou R$ 7 bi anuais.

    A escolha por Joaquim Levy (cria de Ermínio Fraga) foi para dar transparência e confiabilidade, pois o seu antecessor não tinha crédito nem para fiar um copo de pinga no bar da esquina. Joaquim Levy está sujando as mãos por Dilma Rousseff, de fato sua agenda é a mesma de Ermínio Fraga que os marqueteiros de Dilma rechaçaram. Como incoerência é uma característica da esquerda, não é de se espantar que autores venham estufar o peito e confirmar sua credibilidade a esse tipo de governo.

    Antônio

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    1. Só faltou o Antonio mandar o Murilo pra Cuba - ou pra Venezuela. Mas fica subentendido.

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    2. Esse entende... Samarás é do partido derrotado, e foi primeiro-ministro grego até anteontem.

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    3. De fato, confundi Samarás com Tsipras.
      Mas, diga lá, o que mais há de errado no meu texto, anônimo 18:54?

      Antônio.

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    4. Caro Antonio,

      não é nada inteligente afirmar algo como: "...incoerência é uma característica da esquerda,..". Essa generalização não corresponde aos fatos. Fica bem claro a sua intolerância com milhões de pessoas que têm entendimento diferente do seu quanto a algumas questões. Dentre esses milhões de pessoas, há milhões que são inteligentes e coerentes.

      Sem mencionar que você é um lambe botas dos militares da ditadura e fã dos yankees. Mas não do time de NY, e sim da política externa deles.

      Já pesquisou sobre a "Highway of death" (Highway 80), entre o Kuwait e Iraque. Pesquise o que aconteceu lá em fev/1991. A horrenda carnificina que os "bondosos yankees" (como vc já escreveu em outro post) perpetraram sobre milhares de civis desarmados e militares que já tinham declarado cease-fire oficialmente. Um crime de guerra terrível, obra de facínoras. Take a look..

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  2. De fato o governo está atacando a primeira parte dos problemas econômicos do Brasil, o governo gasta demais, só espero que em breve ele comece a combater o segundo problema econômico do Brasil, o governo gasta mal.

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    1. O problema não é gastar demais, o problema é gastar mal com a máquina governista. Cortes em todos os setores, mas os gastos da governança só aumentam.

      Estado mínimo: menos pessoas a serem sustentadas na "corte", menos impostos, mais empregos.

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  3. Eu votei no Aécio Neves e preferia a equipe econômica dele ao invés dessa roupagem petista. Sobre o programa de governo de Dilma, ninguém leu porque não existiu nenhum, a pauta era aquela ladainha que ouvimos nos debates e marketing (muito marketing), bem diferente deste troço que temos agora.

    Contra fatos não há argumentos.

    Eduardo. Jlle

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