terça-feira, 25 de outubro de 2011

A casa, o trabalho, a rua e o Stammtisch na Visconde de Taunay

POR CHARLES HENRIQUE

Ontem me deparei com uma ótima discussão promovida pelo Felipe Silveira aqui no Chuva Ácida. O Felipe foi no cerne da proposta inicial deste blog, e escancarou sua opinião sobre a Visconde de Taunay, o Stammtisch, e a “bolha”. Pra quem não leu, recomendo ler o texto dele (e os comentários) antes de continuar a leitura do meu. Não que eu siga a mesma linha, mas serve para ampliar e qualificar mais ainda o debate.

Estive sábado lá na Visconde de Taunay participando do Stammtisch (fui o organizador da barraca dos Twitteiros de Joinville) e claro, como um bom cientista social, estava numa observação participante. E após ficar processando as situações que presenciei, juntando com as características da cidade, vou usar-me um pouco das idéias do brilhante antropólogo Roberto daMatta, principalmente as contidas no livro “A Casa e a Rua”. Nesta obra, o autor conta como as pessoas convivem com suas moradias, e quais as relações que elas tem com a rua, com o “mundo exterior” a casa. Os padrões de comportamento são completamente diferentes.

Ainda segundo daMatta, a rua é o lugar do anonimato, do impessoal, onde não há espaço para elos mais especializados. Mas, devido à estratificação do trabalho (uns ganham mais que os outros) algumas ruas tornam-se lugares para manter o status dos freqüentadores, seja lá para quem for, mesmo que para o desconhecido. O que importa é mostrar que “tenho” e que “ganho mais que você”. A rua vira uma “entidade moral”, lugar de “domínios culturais institucionalizados” capazes de despertar “imagens esteticamente emolduradas” pela mídia e pelo marketing das marcas ou dos produtos que “poucos podem ter”. Tudo isso esteve presente no Stammtisch de sábado.

A Visconde de Taunay com seus bares é um lugar perfeito para quebrar a impessoalidade que a rua tem. Por ter se tornado um point, principalmente dos mais jovens, a necessidade de mostrar-se e manter-se “emoldurado” para os contatos que lá estarão é evidente e necessário. É só uma parte de Joinville! No Iate Clube é assim, no Golf Club e muitos outros lugares. Até em lugares menos “prestigiados” pela classe média (ou a falsa classe média) é assim. Cada grupo social tem seu “point”. Uns são mais evidentes que os outros, dependendo do ponto de vista de quem observa. Na Visconde é explícito justamente por estar a céu aberto, ou seja, na rua.

O erro que não podemos cometer é associar Stammtisch à Visconde. O Stammtisch da Visconde está desconfigurado, virou uma feira de empresas e um ambiente extremamente segregado, muito diferente de um “encontro de amigos”. Quem já foi no Stammtisch de Pirabeiraba sabe do que estou falando. É um clima muito diferente. Outro detalhe que devemos prestar atenção é que cada vez mais as pessoas tem atitudes na rua que nunca teriam em suas casas, principalmente nos lugares de reprodução da imagem, como na Visconde de Taunay (em casa temos o sentimento de comunhão; na rua, competição). O que representa hoje a ‘Via Gastronômica’, a Avenida Getúlio Vargas já representou nos anos de 1910, por exemplo. Mudam-se os nomes, mas as atitudes parecem ter o mesmo padrão.

16 comentários:

  1. Apesar de eu discordar da essência do ponto que me parece basilar no texto, este texto, ao contrário do texto do Felipe, me parece honesto e despretensioso, e, como foi bem redigido, digno de leitura e reflexão.

    Vejo como cerne do texto a seguinte parte: “O que importa é mostrar que “tenho” e que “ganho mais que você”. A rua vira uma “entidade moral”, lugar de “domínios culturais institucionalizados” capazes de despertar “imagens esteticamente emolduradas” pela mídia e pelo marketing das marcas ou dos produtos que “poucos podem ter”.

    Destaco a primeira frase e é dela que discordo do âmago. Acho que isto acontece sim, mas o que me parece mais relevante e é o motivador de tudo é algo anterior ao apresentado. Acho que o que origina tudo é única e exclusivamente a necessidade que temos todos em sermos aceitos, em estarmos incluídos em determinado grupo. A necessidade de aceitação pelo próximo me parece algo até mesmo instintivo, característica dos mamíferos mesmo. Deste modo, não que o texto vá necessariamente ao sentido contrário, acho que a dita “imagem esteticamente emoldurada” vai muito além da “lobotização” da mídia ou algo vil, mas recai nos medos mais íntimos e profundos de cada ser humano dentro da necessidade da aceitação, que justifica-se pelo instinto de sobrevivência e perpetuação da espécie.

    Outro lado da moeda são os efeitos da negação quando a aceitação pretendida não vem, mas ai os reflexos são outros e dignos de discussão muito mais profunda.

    Contudo, ressalto que, conforme as palavras de Felipe Silveira, eu sou o que “Joinville tem de pior, o burro que pensa que é inteligente." (SIC).

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  2. Acho que, agora, a discussão esta começando a respeitar o contexto. A primeira frase do último parágrafo - "O erro que não podemos cometer é associar Stammtisch à Visconde." - é o cerne da discussão. O Stammtisch não pode ser associado a qualquer lugar específico, porque é uma tradição, entre amigos, de todas as classes sociais, que ocorre em qualquer lugar. Se queremos comemorá-lo em uma festa pública, pelo menos o seu contexto deve ser respeitado, como foi na primeira festa, na Rua do Príncipe, se não me engano, há nove anos (as de Pirabeiraba tem sido elogiadas, também). Ali havia somente grupos de amigos, selecionados em vários bares de Joinville, que se reuniram para comemorar a amizade, e receber o público nas suas barracas com um chopp e, eventualmente, um tira-gosto. Diga-se, lugar popular, em que a "Bolha" recebeu pessoas de todos os cantos da cidade, famílias inteiras confraternizando em uma festa única. Participei de todas, e, pelo que posso lembrar, não houve outra igual.
    O que se viu este ano, na Visconde, concordo, foi um comércio mal acabado da tradição do Stammtisch, que ficou descaracterizada e infelizmente, como vimos aqui, politizada. A iniciativa deve ser elogiada, mas, tomara que não se permita que seja explorada dessa forma ano que vem, e volte a ser o que é no dia a dia... um encontro de amigos.

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  3. Você como sempre fundamentando seus pensamentos, explicando seus posicionamentos. Esta é a SUTIL diferença entre gente boa e gente que quer confete.
    Teu amigo que nunca vai na Visconde até que sabe bastante sobre como a maioria das pessoas são, se vestem e se relacionam por lá.
    Eu concordo muito com o 'Anônimo' sobre o ser aceito e acho sim que tem uma 'bolha' em Joinville, mas inserir nesta bolha TODOS que estavam no Stamm, ou que freqüentam a Visconde, ou que usam Tommy e dourado é um disparate!

    Como eu falei no twitter.. (Sim, eu uso twitter, desculpa Felipe!) se alguém saiu da Visconde achando que o Stamm se resume a bolha social, camisas da Tommy, ‘shortinho’, dourado e maquiagem... com certeza esta pessoa não passou pela nossa ILUSTRE barraca!! rs..

    Ótimo texto, meu amigo!
    Um abraço!

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  4. O que me surpreende não é a opinião raivosa da classe média joinvilense. O que me surpreende é que a classe média joinvilense leu o texto do Felipe Silveira. Geralmente classe média só gosta de ler Caras, Veja e bula de diuréticos.

    Marcio da Rocha

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  5. Pois é, vivendo e aprendendo.

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  6. Concordo com o "Marcio da Rocha", que foi muito lúcido e sensato em suas considerações.

    É realmente muito surpreendente que a classe média tenha lido o texto do Felipe Silveira.

    Aliás, é surpreendente que, independentemente da classe, tantos percam tempo com um texto deste nível.

    Até a revista Caras é melhor.

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  7. Segundo o Marcio da Rocha a classe média tem que ter vergonha de ser classe média?! Ou a classe a que ele pertence é superior intelectualmente a qualquer outra classe?!

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  8. Charles, parabéns! Ótima contribuição!

    Aos que comentarem daqui para a frente, não esqueçam que é melhor contra-argumentar do que atacar alguém que já argumentou. É mais legal, engrandece o debate.

    Jouber Castro - Jornalista e joinvilense.

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  9. Tem gente postando comentários aqui, ainda sobre o texto do Felipe. Noooooooosa, o guri "encomodou", rsss
    Anônima.

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  10. É, parece que o guri incomodou mesmo.

    Mas vai minha singela opinião ao Jordi, Maria Elisa, Baço, Charles e Felipe.

    Não que vocês já não saibam, mas acho que um veículo que tem tudo para ser bem legal como o Chuva Ácida deve tomar cuidado.

    Lembro que quando o "Jornal" Gazeta de Joinville começou, por exemplo, parecia-me uma oportunidade de fonte variada e independente de informação, e, em minha percepção, causou até certo frisson em nossa cidade neste sentido (muuuuuuito maior que o Chuva Ácida...).

    Contudo, não muito tempo depois (e hoje isto já esta consolidado) percebeu-se que o jornal era sectário, e todo aquele "frenesi" pela ânsia da informação e conhecimento diferenciado exauriu-se... o resto sabemos bem...

    Talvez seja o momento para as melancias se ajeitarem no Chuva Ácida, pois lendo algumas matérias percebi uma linha forte que me remeteu a experiencia do exemplo do jornal citado... acho que também talvez, no presente caso, a origem seja ideológica mesmo... mas para o leitor isto não muda muito.

    Talvez a proposta seja esta mesmo, e eu é que esperei algo diferente sobretudo pela presença do Jordi.

    Também achei os textos da Maria Elisa bem imparciais (não li o de todos).

    Sei que a proposta da liberdade total é tentadora... parece ótima...

    Vejam que já existem pessoas identificadas com reconhecido poder reflexivo e crítico que já se manifestarão neste sentido.

    Olha, é difícil... espero que este Blog não desande dentro das expectativas que criei,e, se minhas expectativas já não eram mesmo a proposta real do Blog... paciência, a vida é assim mesmo.

    De uma forma ou de outra, desejo sucesso para o Blog, pois sei que existirá público para este espaço independentemente da linha tomada, mesmo que seja, eventualmente, anárquica.

    Boa sorte e parabéns pela coragem e iniciativa.

    Parabéns pelo texto Charles.

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  11. Bom, obrigado pela sugestão e pela participação. Espero que continue lendo sempre e opinando, pois esta é a proposta do blog: promover o debate.

    Mas só quero ressaltar que todos os textos são - e devem ser - imparciais. A proposta do blog é dar opinião, e por isso é constituído por pessoas com linhas de pensamento bastante diferentes.

    Não são matérias jornalísticas - isentas e imparciais -, como o outro veículo citado.

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  12. Obrigado pelas considerações de todos.

    Ao primeiro anônimo que comentou: suas reflexões sobre a necessidade da aceitação fazem sentido, e serão abordadas aqui em outra oportunidade.

    Ao último anônimo que comentou: obrigado pelas palavras, e de minha parte podes ter a certeza que tentarei manter a mesma linha, criticando e elogiando quando for necessário. Note, por exemplo, que mesmo participando do Stammtisch fiz duras críticas ao evento. Vamos seguindo aos poucos, errando e acertando.

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  13. Charles se formos a fundo, pelas tradições germânicas a STAM basicamente deveria ser um encontro de butequeiros, portanto grupos empresariais ou tuiteiros nem deveriam fazer parte da mesma, porém a essência da tradição é que deve ser preservada, que é a de confraternizar com amigos não importa a sua origem se é do bar, do futebol, da empresa, da internet...
    Já participo a diversos anos deste tipo de confraternização, já participei de encontros em Blumenau, Jaraguá do Sul, Guaramirim, Indaial e em Joinville (Vila Nova e Via Gastronômica), já participei com grupos de amigos e de empresas (sou consultor), nesta última estive com o pessoal da Acijs Jovem, grupo que minha esposa recentemente aderiu.
    Sobre a Stam ter virado um balcão de negócios, posso afirmar que ela em si da maneira como é promovida é um negócio. Afinal existe uma equipe que promove o mesmo e lucra com o evento (não vejo mal algum nisto, afinal qualquer um pode promover um evento e ninguém é obrigado a participar), no que tange as empresas ou grupos empresarias aquelas das quais participei, em momento algum o objetivo era tratar de negócios, mas confraternizar com funcionário (geralmente quem participa são pequenos e médios negócios onde todos se conhecem), fornecedores e família (grupos familiares).
    Por ser um evento aberto, sem maiores restrições há pessoas que aproveitam o evento para se promover (em especial políticos e também algumas marcas regionais), porém vivemos numa sociedade livre onde o filtro cabe a nós cidadãos e pode ter certeza se em algum momento alguém forçar a barra a imagem deste sairá chamuscada, aliás, não somos tolos, apesar de por vezes sermos manipulados sem perceber.
    Anderson Titz

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  14. A discussão da bolha é muito boa, mas o que e impressionou mesmo foi a avenida Getúlio Vargas de 1910. Joinville sempre à frente de seu tempo.

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  15. Agora sim! Esse eu concordo. Em qualquer tempo existiu e sempre existirá a necessidade de agrupamento e aceitação - por mais que a gente queira ser "diferente", sempre teremos que conviver em sociedade e para tal procuraremos um grupo onde nossas idéias tenham respaldo.
    Quanto ao Stammtisch, eu que participo desde o primeiro em Pirabeiraba, só posso corroborar com a comparação e enaltecer o verdadeiro espírito de um(a) frequentador(a) de stammtisch.
    Mas ainda continua o preconceito em alguns comentários. Não que cada um não possa ter a sua opinião, mas respeitar a opinião do outro do outro é fundamental para quem quer argumentar.
    E de mais a mais gente, LER É IMPRESCINDÍVEL. Não importa se o texto "é bom ou ruim", pois como ficou bem claro nos comentários de a "Bolha" Gosto e Opinião cada um tem o seu. Só nos resta o respeito ao próximo e nossa educação.

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