POR CLÓVIS GRUNER
Se depender da vontade do vereador James Schroeder (PDT) e de 17 de seus pares, joinvilenses que forem flagrados bebendo em lugares públicos serão considerados infratores. Assunto da semana, na última quinta-feira a Câmara de Vereadores aprovou o projeto de lei 48/2013, que visa proibir o consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos. O projeto precisa agora passar por uma segunda votação antes de ser submetido ao prefeito Udo Döhler, que não sabe ainda se vai vetar ou sancionar a nova lei. Mas não importa seu futuro. Já é uma excrescência que ela tenha sido redigida, submetida ao legislativo e obtido ampla maioria de votos.
Trata-se de uma lei repleta de furos,
aparentemente ambigua em suas intenções. Exemplos: os bares que possuem mesas em
calçadas, que são públicas, podem continuar
a fazê-lo, porque pagam pela ocupação do
espaço, que é público! Não por coincidência, é na badalada “Via Gastronômica” e
adjacências, que se localizam as principais casas que poderão continuar a
utilizar as calçadas públicas como se fossem privadas. Aliás, trata-se da mesma
via onde acontece o Stammtisch, um evento que nada tem de popular e, por isso
mesmo, pode continuar a frequentar e usar os espaços públicos sem ser afetado
pela lei.
Não são melhores os argumentos para
explicar a necessidade do projeto. De acordo com Schroeder, ele atende um clamor popular, embora sua noção de
“popular” seja bastante restrita, limitando-se aos conselhos comunitários
de segurança (Consegs) e ao 17º Batalhão da Polícia Militar, responsável pelo policiamento
na zona Sul de Joinville, que o demandaram. Em entrevista concedida a um jornal local meses atrás, o vereador explica
didaticamente suas intenções: “O que queremos”, afirmou, “é justamente promover
o debate sobre o consumo de álcool entre os jovens. A lei vai permitir que a
polícia aja preventivamente e não precise ir até um local depois que uma
aglomeração de jovens com som alto e bebidas, por exemplo, já tenha virado
bate-boca ou vias de fato com vizinhos incomodados, o que acontece com frequência nos bairros”.
PRODUÇÃO DE ILEGALIDADES – Tudo junto e misturado, e a
cidade pode vir a ter uma lei elitista, preconceituosa e segregacionista.
Porque nem mesmo o discurso pretensamente bem intencionado – o de que o álcool
é um problema de saúde pública, por exemplo – convence: medidas
sócio-educativas são muito mais necessárias e eficazes para combater problemas
como o alcoolismo, que proibir seu consumo em lugares públicos. Principalmente porque
não é nas ruas e praças onde mais se consome álcool, mas em espaços fechados,
como bares e baladas. Há o acúmulo de lixo, o barulho, as brigas, os excessos?
Sim, por certo. Mas como se tratam de exceção, e não da regra, não seria mais
razoável prevenir ou, se for o caso, coibir e punir os excessos usando os
mecanismos e aparatos legais e policiais já à disposição, ao invés de produzir
novas ilegalidades?
A resposta é simples: o objeto da lei são os bairros e
populações periféricos, (o texto não podia ser mais explícito quando se refere à
Zona Sul, lugar historicamente estigmatizado pelos joinvilenses mais
“tradicionais”), aqueles que vivem em “vulnerabilidade social”, na definição do
Charles Henrique aqui no Chuva. Os frequentadores da Via Gastronômica e
do Stammtisch podem beber nas calçadas e fechar uma via pública, consumir
álcool, voltar para casa dirigindo e postar suas fotos nas redes sociais. O
problema, afinal, não são eles: nenhuma lei municipal ousaria tocar nos
privilégios de quem circula exibindo suas Tommy Hilfiger. Mas James Schroeder, seus colegas de parlamento e os muitos
joinvilenses que aplaudiram a nova medida não estão sozinhos.
No século XIX, autoridades inglesas
limitaram o horário dos pubs ao perceberem que, mais que beber, seus
frequentadores os utilizavam como lugar de sociabilidades e discussões
políticas. No começo do século passado, praticar capoeira era delito previsto
no Código de Posturas da então capital federal, o Rio de Janeiro. Andar
descalço também – uma proibição que inspirou uma das mais memoráveis passagens
do romance de estreia de Lima Barreto, “Recordações do escrivão Isaías Caminha”.
Mais ou menos à mesma época, em Curitiba, reuniões e eventos populares –
definidos como “batuques e fandangos” – organizados por negros ou imigrantes que
vivessem em regiões distantes do centro, só poderiam ocorrer mediante
autorização policial.
A HISTÓRIA SE REPETE COMO FARSA – Na década de 1960, em Joinville, entre as preocupações das autoridades
estavam os mendigos, jogadores e prostitutas. Para os primeiros, pretendeu-se o
internamento compulsório; para os segundos, além de limites impostos pelo
Código de Posturas de 1956, inúmeras batidas policiais, principalmente em bares
localizados nos bairros mais à periferia. Para as últimas, o prefeito Helmut
Fallgater projetou a construção
de uma espécie de “centro de tolerância”: casas construídas especialmente para
o funcionamento da prostituição, “tudo ficando seguramente bastante isolado (...) em zonas apropriadas, para melhor
contrôle e observação da Polícia”.
Em abril deste ano a Câmara de Vereadores de São Paulo aprovou em primeira
votação um projeto que proíbe os bailes funks nas ruas da capital paulista.
O que eventos tão
distantes no tempo e no espaço tem em comum? Todos, sem exceção, não legislaram
em função do bem comum mas, tão somente, proibindo e punindo práticas populares.
Contaram, como o projeto de lei de James Schroeder, com o apoio da população
“ordeira”, os homens e mulheres de bem. Aliás, vem do Facebook o comentário que
define, sintética mas exemplarmente, o espírito da nova lei e as razões do
entusiasmo com que foi recebida por alguns: “meuuuuuuuuuuuu nem fala,
vai ser uma benção.... a gentalha tem q se ferrar mesmo... escória da sociedade”,
escreveu uma joinvilense de bem, certamente ordeira. Apesar da flagrante
limitação retórica, ninguém conseguiu defini-la melhor.