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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Receita para o caos

POR JORDI CASTAN

Para implantar o caos urbanístico em uma cidade como Joinville é preciso contar previamente com alguns ingredientes . Estando eles presentes, o resultado está garantido. Sem ordem de prioridade, há que contar com funcionários e legisladores permissivos, especuladores cobiçosos  e uma sociedade pouco participativa  Pode se acrescentar ainda uma legislação complexa, recheada de termos técnicos que a façam ininteligível à maioria dos cidadãos, um discurso desenvolvementista a qualquer preço, um prefeito obtuso, uma maioria confortável no legislativo, facilmente conquistada com as centenas de cargos comissionados e outros agrados que o executivo tem a sua disposição para cooptar os apoios necessarios e ainda acrescentar a atuação de alguns energúmenos trasvestidos de lobbistas da gangue do tijolo e teremos as condições perfeitas para converter qualquer cidade em um modelo do caos urbano, voltado à lucratividade de poucos.

O processo inicia com a omissão da Prefeitura, que deixa de agir e não autua e não impede que o meio fio seja rebaixado em desacordo com e lei, que galpões irregulares sejam construídos ou operados de forma ilegal, autorizando a construção de prédios em ruas sem a largura mínima para esse tipo de empreendimentos.

Resta a dúvida se esta omissão é ou não intencional. Senão vejamos.

 Ao deixar de exercer o poder de polícia e coibir as construções irregulares no tempo e modo apropriado (ou seja, exigir a suspensão/demolição do empreendimento irregular antes mesmo que seja finalizado), a Administração Pública Municipal acaba alimentando a demanda desses administrados pela regularização de seus empreendimentos e estabelecimentos.

 Ao deixarem de ser fiscalizados e coibidos, o Poder Público chega, por via oblíqua, a incutir nesses administrados a sensação de que podem empreender de tal forma. Em contrapartida, a Municipalidade se utiliza da demanda pela regularização de tais empreendimentos como um propulsor para aprovar a Lei de Ordenamento Territorial a qualquer custo. Aliás, chega a condicionar a regularização de tais empreendimentos à aprovação da LOT. Bravo! 
Por que não suspendem logo todo o serviço público municipal e não condicionam à aprovação da LOT? Nesse ritmo, a LOT passa a ser usada de instrumento para regularizar ou autorizar as ilegalidades que só existem pela repetida mistura de incompetência e omissão de quem deveria fiscalizar o cumprimento da lei.

À luz da situação atual, o Poder Público tem atuado historicamente com total cumplicidade com à ilegalidade: o sujeito constrói irregularmente e depois o Poder Público, que deveria exercer o poder de polícia, faz uma lei para regularizar.

Então, pode tudo e é apenas uma questão de tempo para que venha uma nova versão da "Super Lei Cardozinho" e seja concedida uma anistia ampla, total e irrestrita, desde que pagas as taxas definidas.

 Criado o precedente e na linha de que todos têm o mesmo direito, imagino tudo o que não deva estar sendo premeditadamente produzido seguindo a mesma fórmula. "Constrói, depois a gente dá um jeito na LOT".  Só mesmo a Faixa Viária para absorver toda esta bandalheira. Desta forma o Prefeito conta, para sustentar seu discurso, com aliados de peso que tem feito investimentos em estudos, projetos e na aquisição de imóveis e direitos para exercer uma pressão às avessas para dar celeridade à LOT.

Basta ver quem comprou e investiu desde a edição desse Projeto da LOT (aliás, o mesmo da criticada gestão anterior) nas margens das faixas viárias, já contando com a sua aprovação.
É o velho fazejamento urbano. Estimula os administrados a edificar e estabelecer do jeito que quiser, ignorando qualquer planejamento. Mais tarde, legaliza-se o que foi feito.

 A "nova" lei é superveniente à infração urbanística, para regularizá-la, quando deveria puni-la e demandar sua respectiva correção.

Vamos logo aterrar a Babitonga e criar grandes faixas viárias dos centros industriais até os portos (não vamos nos esquecer de combinar com um ou outro aliado do setor imobiliário para que se adiantem na aquisição dos imóveis nas vizinhanças desse novo projeto).

Em pouco tempo conseguimos uma nova norma que tornará isso legal.


Afinal, se não fizermos isso, vocês já sabem, Joinville vai parar!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Quem são os especuladores, afinal de contas?

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Dificilmente recordo de outro momento de Joinville em que o planejamento urbano esteve tão na pauta, como agora. A mídia (mesmo que de forma cega e totalmente parcial) dá espaço para manchetes, reportagens especiais e total atenção a este tema, retratando os desmandos que envolvem o Conselho da Cidade e a nova Lei de Ordenamento Territorial. A população se reúne em assembleias populares contestatórias ao atual modelo, e embates são travados, de acordo com a democracia que rege o Brasil. Nestes momentos os interesses aparecem camuflados em falas, ações e textos cuidadosamente montados para confundir ou enganar a quem não conhece sobre o tema, na forma mais ideológica possível.

Recentemente, o Prefeito de Joinville, juntamente com integrantes de sua equipe, bombardearam a imprensa e as redes sociais com a informação de que "especuladores" estariam travando o processo da nova Lei de Ordenamento Territorial. Há vários modos de entendermos o que é especulação, e quem especula. Acontece que não fica claro para ninguém, ainda mais com frases soltas em jornais e rádios locais.

Especulador, de forma bem tosca, é aquele que pratica o ato de especular. Especular é um verbo com origem no latim speculari, e possui alguns significados, conforme dicionário Michaelis:

1 Estudar com atenção e minúcia sob o ponto de vista teórico
2 Meditar, raciocinar
3 Colher informações minuciosas acerca de alguma coisa
4 Negociar no mercado de capitais ou câmbio com o objetivo de auferir lucros, aproveitando-se de uma situação temporária do mesmo mercado
5 Jogar na bolsa de valores ou de mercadorias
6 Lançar mão de recursos especiais para iludir alguém em proveito próprio
7 Vigiar

Fica bem claro, após um pouco de pesquisa, que o especulador é uma junção de todos estes significados supracitados. Por outro lado, é notório que o povo, alijado do processo democrático de gestão da sua cidade, de debate e escolha por modelos de cidade ideal, não consegue especular, em qualquer sentido imaginável. Está mais para espoliado do que propriamente um agente ativo do processo de especulação.

Parece então que sobraram poucos suspeitos neste jogo. E como os interesses estão ficando cada vez mais evidentes e impossíveis de serem escondidos (permeando discursos e ataques pessoais ou a movimentos sociais contestatórios, fugindo do debate de ideias e invalidando a procura pela justiça quando os interesses privados se sobressaem perante os coletivos), estes lançam mão de recursos especiais (discursos a favor de um crescimento econômico travestido de desenvolvimento urbano, relações políticas para vigia e perseguição às vozes contrárias, advogados muito bem treinados, assessores rebatendo em artigos de jornais e jogando a culpa para agentes difusos, desconhecidos e impossíveis de se detectar) para iludirem alguém (o povo, o qual nem entende de planejamento urbano e se quiser entender lhe será negado este direito com a desdemocratização de instâncias participativas) em proveito próprio (politicamente é um enorme ganho, pois está atendendo a interesses comerciais de empresários, financiadores de campanha e/ou companheiros de ACIJ, AJORPEME, CDL, ACOMAC, SINDUSCON, SECOVI, etc).

Alguma coisa está errada e querem esconder, mas é só inverter a perspectiva que a ilusão cai por terra. O especulador nunca irá reconhecer-se como tal, e sempre irá mirar o canhão para o vizinho. Portanto, ele é aquele que quer institucionalizar o jogo até então discreto, para tornar as regras claras (sic!), mas somente após a especulação se tornar completa e saturada. Por isso a pressa em se aprovar a LOT e manipular a formação do Conselho da Cidade. Tempo é dinheiro, como sempre. Cidade é objeto, como nunca. Povo é brinquedo, mas por pouco tempo.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O "teste da mobilidade" mostra uma cidade vulnerável

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O jornal A Notícia publicou, na última semana, uma reportagem batizada de "teste da mobilidade", onde repórteres andavam do terminal norte até o terminal sul por diferentes meios de locomoção: automóvel, motocicleta, ônibus e bicicleta. O resultado foi preocupante: em todos os modais o tempo de deslocamento aumentou (e muito) se comparado ao mesmo teste realizado em 2009. Diante de tais fatos, temos uma cidade que está em constante mutação, e vulnerável, pois não está planejada para tantas mudanças em tão pouco tempo, culminando na piora da mobilidade das pessoas.

A constatação é de que ficou 52% mais lento fazer o mesmo trajeto quatro anos após o primeiro desafio. A velocidade média, considerando todos os quatro tipo de transportes, caiu de 25,8 km/hora para 17 km/hora. Em média, levaram-se 30 minutos para percorreros 8,5 km neste ano. Em 2009, o mesmo percurso foi feito em 19 minutos e 45 segundos, em média. (AN)

 De 2009 para cá a cidade teve sua frota de veículos aumentada em quase 40%, ao mesmo tempo que o número de usuários do transporte coletivo caiu. A lógica é simples e explica o porquê dessa vulnerabilidade. Diante de tantos carros nas ruas, é difícil imaginar que o raio-X da pesquisa origem-destino, de 2010, seja o mesmo de 2013: mais de 11% dos deslocamentos realizados por bicicleta, e mais de 23% realizados por ônibus, colocando em xeque a própria efetividade dos dados da pesquisa após tantas mudanças.

Enquanto nosso Plano Diretor de 2008 tiver suas principais diretrizes em relação à mobilidade (incentivar o uso de meios coletivos e não-motorizados) flexibilizadas, dando lugar a duplicações de avenidas, projetos de pontes, binários, ciclofaixas mal projetadas e propostas de faixas viárias na nova lei de ordenamento territorial, teremos um desenvolvimento urbano desconexo da melhoria de nosso ir e vir. Sem contar que a licitação do transporte coletivo está atrasada (o contrato de Gidion e Transtusa vence dentro de poucos meses), e o plano de mobilidade nem sequer foi para o papel.

É mais um exemplo de como a canoa está sem norte, e de como as principais pautas da cidade não são discutidas e muito menos solucionadas. O povo vai continuar sofrendo com uma péssima mobilidade urbana. Mas falar isto, para alguns, é ser "míope", "mentiroso" e "distorcer a realidade". Então tá.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A plutocracia de Joinville

POR CHARLES HENRIQUE VOOS


plutocracia
plu.to.cra.ci.a
sf (gr ploutokratía) 1 Influência preponderante dos ricos no governo de uma nação. 2 Classe influente ou dominante de homens ricos. 3 Sociol Dominação exercida por uma classe que deriva seu poder da riqueza material. (Fonte: Dicionário Michaelis)
 Deparei-me com esta palavra recentemente, e ao procurar seu significado, relacionei com várias situações que já convivi ou escrevi sobre, até mesmo aqui no Chuva Ácida. É impressionante como a nossa democracia, tão exaltada, está se tornando uma plutocracia em tão pouco tempo, considerando a aprovação da Constituição de 1988. E este é o mais perverso dos poderes.

No caso de Joinville, a democracia dificilmente será plena, aquela com influência de todos os cidadãos na hora da participação e deliberação sobre a coisa pública. A riqueza sustentada pelo trabalho, e as relações de poder que emanam do dinheiro, comungam juntamente com aqueles que necessitam destas para sobreviver, principalmente entre a maioria dos políticos partidários. A plutocracia joinvilense não é algo recente, mas advém das raízes da cidade. Para piorar, no século XXI o desenvolvimento de um grupo social que domina de acordo com seus interesses econômicos está cada vez mais claro, agudo e materializado em discussões específicas. É o caso da gestão democrática da cidade.


O Estatuto da Cidade, lei regulamentadora da política urbana brasileira e que foi uma vitória (mesmo parcial) dos movimentos populares pela reforma urbana desde os anos 60, exalta a participação de toda a população nas discussões que envolvem a cidade e suas políticas, de modo a garantir o pleno exercício da cidadania. Os artigos 2 e 45 são muito reveladores neste sentido:

Art. 2o. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
(...)
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.
 Entretanto, a obrigatoriedade de um CNPJ ou Estatuto Social para a eleição dos conselheiros do Conselho da Cidade de Joinville, garantida na justiça pela prefeitura (após decisões contraditórias de um mesmo magistrado), colocou em xeque toda a democracia de um processo. Ou seja: a lei garante a participação de todos (população e associações representativas), mas o poder executivo e judiciário flexibilizaram o Estatuto da Cidade para atender a demandas específicas de entidades empresariais da cidade (e da própria prefeitura), restringindo o debate a poucos movimentos, ao mesmo passo que cidadãos "com CPF" estariam excluídos do processo. Alguns dos atuais conselheiros (membros de entidades empresariais), antes das eleições, defendiam o CNPJ para "qualificar" o debate, pois o "cidadão com CPF" não seria capaz de participar das discussões.

Existem na cidade, portanto, dois conselhos: o Conselho da Cidade democrático, onde todos podem participar, e o Conselho da Cidade flexibilizado, com participantes escolhidos através de representatividades indiretas, graças ao CNPJ. O democrático está apenas na lei. O flexível é o que está discutindo as nossas políticas urbanas, colocando de forma prioritária (e apressada) a nova Lei de Ordenamento Territorial como pauta, conforme pediram, novamente, as entidades empresariais!


Os críticos a esta flexibilização são categoricamente desqualificados em redes sociais, jornais locais e em outros meios de comunicação. Uns acusam de serem especuladores (sic!), míopes, defensores de grandes industriários, donos do atraso, pessoas que não gostam de Joinville, e até mesmo de delinquentes e burros. O ataque sai do mundo das ideias e dos posicionamentos políticos, para se transformar em pessoais. Se não há argumentos...

Para finalizar, vale lembrar que esta desqualificação a pessoas e grupos contrários, bem como o uso de simbologias ligadas ao empreendedorismo e à importância da classe empresarial, considerando-a uma espécie de "salvadora da pátria", não são nada mais do que ficções para se preservarem privilégios (conseguidos através de flexibilizações) de uma minoria em detrimento do bem comum. A consequência disto para a gestão democrática da cidade de Joinville vai de encontro a tudo o que conhecemos como "o direito à cidade". Ou você acorda e começa a criar um senso crítico sobre as coisas, ou a plutocracia vai encontrando formas para se realinhar e sublimar sistemas democráticos conquistados perante muita luta popular.

A escolha é sua.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

A espoliação camuflada em dez centavos

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Acompanhamos nos últimos dias o início de uma onda de protestos nas principais cidades brasileiras. Os problemas urbanos, tão característicos dos anos 70 e 80, voltaram como a pauta principal de nossas manifestações. O pífio transporte público, a falta de moradia adequada, e a inexistência de democracia são questões muito visíveis e que, felizmente, estão sendo questionadas pela população. Já em Joinville, influenciado pelas manifestações e o escândalo do ouro no Dona Helena, como bem alertado pela colega Fabiana Vieira no sábado, Udo Dohler baixou a tarifa de ônibus em dez centavos, seguindo uma normativa nacional de isenção de impostos que baixa os custos do transporte coletivo.

Tecnicamente, não há nada de extraordinário neste ato, pois foi apenas um repasse do corte de custos (da mesma forma que ele faria se houvesse um incremento nos custos, repassando tudo para o usuário). Politicamente, foi uma bela cartada, pois ao baixar o preço da tarifa do ônibus e passar a ideia de que é um "enfrentamento" às permissionárias, está escondendo (e se utilizando da imprensa parcial para tal fim) as realidades da sua gestão urbana, a qual segue diretrizes antidemocráticas e que promovem - apoiando-me na brilhante ideia de Lúcio Kowarick - uma espoliação urbana em Joinville.

Ao trazer à tona as arcaicas discussões sobre planilhas, o prefeito e sua equipe demonstram que esta é a única discussão em pauta quando o assunto é transporte coletivo, inclusive já alertando que até o fim do ano poderemos ter novo aumento. Reforça, assim, tudo aquilo que nós já vimos. Em nenhum momento nesta semana (posso estar enganado) ouvi técnicos da Prefeitura explicando o andamento do plano de mobilidade (está há três anos em elaboração no IPPUJ, desde o término da pesquisa origem-destino, primeira etapa do processo) ou replicando a visão parcial do prefeito anterior, o qual limitou as transformações mais radicais à licitação (teve quatro anos e não tirou do papel).

A atual gestão promove a espoliação recuperando estes discursos de seus antecessores (muito pouco para quem diz promover uma qualificação da máquina pública), e quando também esquece-se do que está escrito no Plano Diretor; não faz esforço para confeccionar instrumentos que garantam uma melhor qualidade de vida para a população, não diz nada sobre a licitação do transporte coletivo (estamos há apenas seis meses do vencimento do contrato de Gidion e Transtusa e uma licitação deste porte não é coisa simples), priva as camadas mais populares da gestão democrática da cidade (basta lembrar a imposição do CNPJ na construção do conselho da cidade) rasgando o Estatuto das Cidades, e insere a lei de ordenamento territorial (ao contrário do plano de mobilidade, a LOT já está pronta, pois serve a praticamente todos os interesses das entidades empresariais da cidade) como "salvadora da pátria", colocando-a na comissão de frente da política urbana joinvilense.

Resultado: sem democracia, não há um pensamento voltado para o social. A espoliação domina. Desta forma, continuaremos com um Conselho da Cidade que atende interesses do grande capital, sem plano de mobilidade, licitações sem previsões e sem perspectivas de mudança, transporte coletivo ruim e caro, sem infraestrutura urbana (o macrozoneamento, base da LOT, promove o aumento do perímetro urbano e a consequente segregação socioespacial), entidades empresariais colocando a tinta na caneta de nossos governantes, especulação imobiliária, verticalização travestida de adensamento, aumento do índice de automóveis per capita (62 mil veículos a mais nos últimos três anos, defasando, assim, a pesquisa origem-destino de 2010), reprodução da pobreza, mídia parcial, aumento da violência urbana, aumento de impostos, sem ciclovias, sem calçadas, e sem a garantia de nossos direitos enquanto cidadãos.

Espoliação maior do que isso, somente aquela provocada pelo cassetete do PM.

domingo, 2 de junho de 2013

Cremar e rezar, Joinville precisa avançar

POR FABIANA A. VIEIRA

A controvérsia da instalação do crematório em Joinville mistura alguns preconceitos e a falta de um debate desarmado sobre o planejamento da nossa cidade.

De uma parte, temos aqueles que não querem a cremação. Por fundamento religioso ou pura ignorância descartam a incineração como alternativa para o destino final de um corpo inerte. Preferem a ritualística secular de enterrar o corpo, mesmo que depois do lacre da urna não mantenham mais nenhum contato com o dito cujo.  Mas é obrigatório e sensível reconhecer, que o velório e o sepultamento são práticas das mais reveladoras do sentimento verdadeiramente humano. Dignificar a morte é homenagear a vida, diriam os filósofos. O pacto entre gerações se completa com uma morte acolhida com dignidade.

Temos também aqueles que desconfiam da fuligem e dos gases tóxicos da queima e se opõem, com convicção, a permitir que sua família e a vizinhança sejam disseminadas por uma fumaça de teor imprevisível e não sabida.

E temos aquela situação em que o crematório não é possível no meio da classe média, mas se enquadra confortavelmente na periferia como um bom investimento.  É o planejamento urbano induzido pelo poder econômico da propriedade.  Ou melhor, o poder da elite expulsa do seu círculo doméstico qualquer empreendimento que seja potencialmente perturbador.

Os nossos cemitérios, entretanto, não tem mais capacidade de expansão. Um corpo em decomposição tem consequências ambientais nefastas para o nosso subsolo, especialmente para o lençol freático que, requer cuidados redobrados hoje em dia. Os gases tóxicos da decomposição também são bastante prejudiciais.

Na Europa fazem centrais de queima de resíduos sólidos, lixo mesmo, em pleno centro das cidades. São verdadeiros shoppings totalmente limpos, automatizados, que geram energia, descartam o volumoso detrito doméstico e não prejudicam o ambiente. Aqui, pela insegurança na fiscalização, pela inexperiência desta prática e pela mobilização apontada, qualquer equipamento social é banido imediatamente do círculo excludente do centro, área reservada por excelência a moradia nobre e negócios.

Mas modernas tecnologias de filtros já garantem a sanidade da queima e, com crematórios devidamente instalados em áreas estratégicas, podemos garantir todos os recursos logísticos necessários para a realização de uma cerimônia que preserve completamente a dignidade, a segurança e a paz ao ato de despedida das famílias.

Muitas cidades já dispõem do recurso da cremação. Transformar o corpo em cinzas já é uma prática recorrente em todo o mundo. Cidades grandes, médias e até pequenas, como nossas vizinhas , Jaraguá do Sul e Balneário Camboriú, já dispõem desse serviço. Nos Estados Unidos a cremação começou em 1876. O primeiro crematório do Brasil, na Vila Alpina em São Paulo, inaugurado em 1973, hoje realiza 750 eventos por mês. A cremação já era considerada, um século antes da era cristã, como uma prática corriqueira, higiênica e julgada prática por muitas comunidades. Em vários países do hemisfério norte a cremação já é majoritária.

Entendo que Joinville deveria enfrentar essa agenda da modernidade sem medos e se mobilizar para viabilizar um crematório. Bom seria mesmo se tivéssemos crematórios públicos, gratuitos, acessíveis irrestritamente a todos. A falência dos cofres públicos abriu mais esta opção para o investimento privado ganhar mais dinheiro.

É claro que devemos nos assegurar de todas as garantias técnicas dessa ferramenta, mas também é uma obrigação que essa questão combine com o planejamento para o futuro da nossa cidade. Em pouco tempo, talvez menos do que trinta anos, iremos atingir cerca de um milhão de habitantes. Morrer não pode se transformar em um problema.

É preciso pensar com cautela e decidir com segurança sobre uma questão tão importante.

terça-feira, 28 de maio de 2013

O poder é tortuoso, Charles Henrique!

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Esta frase, proferida por um grande amigo semana passada, me marcou demais. Soou como um grande soco no estômago, daqueles que você fica horas deitado no chão e sem ninguém pra lhe socorrer. É só você, seu corpo, e sua consciência. Não há saídas, nem espaço para fugas. Ou você reconhece que o soco do dia seguinte virá; resignando-se com a dor, ou você se esquiva e foge desta luta invisível e fria, onde a pressão se apresenta por todos os lados e esmaga qualquer tipo de pensamento ou expressão contrários.

Joinville padece de liberdade. Uma liberdade que vai além do ato de falar o que se quer, em qualquer momento, sob qualquer circunstância. Necessitamos, enquanto sociedade, reconhecer que o outro pensa diferente de nós, e ele não é fadado a se calar perante a primeira ameaça, ou à medida que se sente coagido pelas tortuosidades do poder. A fala, por si só, aprisiona. Entretanto, quando ela é reconhecida como uma construção social, que evidencia as disparidades do poder, suas desigualdades, e regras do jogo (desencapando-o de sua audaciosa invisibilidade), liberta. Em nossa cidade, quem faz isto é excluído por várias frentes que, por muitas vezes, controlam os nossos controladores e são os responsáveis pela confecção desta "mão invisível". E é perseguido até que o cansaço do enfrentamento e da não-resignação toma conta da alma, desistindo de enfrentar o soco do estômago de cada dia. É por estas e outras que algumas pessoas não sabem "engolir sapos".

O poder joinvilense é tortuoso pois é ignorante consigo mesmo. Esquece de suas virtudes e deveres. Enche-se de tentáculos para camuflar uma realidade, ou kamikazes políticos que estouram as mais diferentes adversidades encontradas pelo caminho. Por outro lado, se lembra daqueles que menos precisam ser lembrados. Constrói, altera e revisa tudo aquilo que diz sobre os interesses de poucos. E esconde a verdade da maioria da população. Felizmente algumas pessoas sempre buscam o estranhamento do familiar, em um bom processo diáletico, para o entendimento da totalidade. Destes, muitos entendem, e por motivos difusos, aceitam continuar tomando soco no estômago. Outros falam, e esperam ser ouvidos. Se você fala de dentro dos corredores tortuosos do mais alto poder, aparecem ameaças que precedem uma expulsão. Cabeças rolam, literalmente (nas mais modernas concepções que esta expressão pode permitir).

Particularmente falando, eu escolhi o meu lado. É por isto que fui estudar (e continuo até hoje), escrevo aqui no Chuva Ácida, me tornei professor, e, por algumas vezes, fui levado à gestão pública para tentar mudar aquilo que tanto percebo em minha jornada existencial. Não sei engolir sapos. Não aceito mais tomar socos diários no estômago. Não aceito compactuar com pensamentos tão distintos dos meus. Não aceito não ter oportunidades para mudar, mesmo estando na instância da mudança. Não aceito me resignar. Não aceito parar de apontar. Não aceito deixar de ser eu, para me camuflar e me tornar invisível dentro do poder. Serei eu, apenas eu. Admirador do debate e da cordialidade, consciente de todas as diferenças de posicionamentos que isso pode proporcionar. Admirador da sociedade em que vivo, e constante analítico do poder que a comanda, por mais tortuoso que seja e insista em me excluir. De tão tortuoso pode quebrar um dia. É nisso que acreditarei de hoje em diante.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Os subalternos podem falar: pelo fim do "urbanês"

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Há alguns anos a escritora indiana Gayatri Spivak lançou uma pergunta no mundo da Antropologia que ecoou longe: "pode o subalterno falar?". O sujeito subalterno na definição de Spivak é aquele pertencente às camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal,e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante. Em Joinville, como em qualquer outra cidade, convivemos com (e até mesmo somos) subalternos urbanos, pois somos reféns de um modelo de urbanismo imposto, conforme já relatei em outra oportunidade.

Após a regulamentação do Estatuto da Cidade em 2001, e de nosso Plano Diretor em 2008, os preceitos democráticos no planejamento urbano devem ser assegurados em qualquer ação estatal. Nesta lógica, todos possuem a oportunidade de participar, expressarem suas ideias e dialogarem. Afinal, planejar a cidade é lidar diretamente com a vida das pessoas. Infelizmente, alguns agentes (travestidos de grupos sociais de origem econômica) entendem de forma totalmente diferente.

Estas pessoas defendem que o planejamento urbano deve atender às demandas de mercado, aquelas que representam a vontade de um sistema que gera subalternos urbanos. Forma cidadãos que, por muitas vezes, não possuem o mínimo de dignidade para sobreviver. Não "aparecem". Moram na longínqua periferia. Tornam-se impessoais na coletividade. Respondem a regras anônimas de submissão ao trabalho. Não têm acesso a um adequado sistema educacional. Não "entendem" de planejamento urbano - e nunca entenderão, se a lógica dominante-dominado persistir.

Estes agentes sociais trabalham nos bastidores para a "tecnização" das discussões relativas ao planejamento urbano. O poder de dizer o que é melhor para a cidade não é mais do subalterno, mas sim do técnico, que é o responsável pela organização do processo. Este técnico, por sua vez, raramente é orientado a dar a oportunidade de falar a aquele que será o principal atingido. O processo democrático, de natureza inclusiva, é excludente: poucos participam da tomada de decisões e são representados "democraticamente" por aqueles dominantes interessados em articular os interesses de outros representados, os oriundos de setores extremamente segregadores e maléficos para as cidades como um todo (indústrias com necessidade de expansão, imobiliárias, construtoras, incorporadoras, loteadores, etc.).

Por isso, se o planejamento urbano é feito para as pessoas, pois elas que habitam a cidade, é para elas que as discussões devem se dirigir. Por mais que a maioria subalterna não entenda de termos técnicos ou mapas setoriais multicoloridos, ela pode falar e deve ser orientada didaticamente a tal situação. Sem mapas setoriais. Sem segredos. Sem siglas. Sem "urbanês". O movimento contrário a isto carateriza-se apenas por um motivo: esvaziar o principal espaço de mudança social, que é caracterizado pela participação popular de base e garantido por lei, o qual deveria combater interesses econômicos que, quase sempre, vão contra à cidade ideal e à cidade que todos queremos.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Araquari para quem? - Parte II

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A cada dia que passa os interesses ficam mais difíceis de serem escondidos. Aos poucos eles são revelados pelos principais interessados. Como já alertado aqui, a cidade de Araquari irá sofrer nas próximas décadas com o interesse do grande capital, principalmente aquele articulado com negócios na área de desenvolvimento urbano. Recentemente foi divulgado na internet um vídeo de uma imobiliária com seus planos para a zona sul de Joinville e grande parte de Araquari. É sobre este vídeo que faremos a nossa análise de hoje.


Há, neste comercial, várias questões camufladas e que são pertinentes trazermos à tona:

Qual o motivo de uma imobiliária aparecer com um planejamento urbano "pronto", através de um grande projeto (que chega a ser assustador), sendo que a zona sul de Joinville não permite (ainda, para a felicidade de alguns) tais investimentos? E mais: a cidade de Araquari também tem suas normativas, que com certeza não contemplam as intervenções propostas. Para quê, então, anunciar intenções que vão contra a legislação vigente?

É justo que, esta imobiliária, assim como todas as outras interessadas em grandes projetos urbanos nesta região, mostrem seus grandes planos sem consultas prévias à população, como preconiza o Estatuto da Cidade? 

Para quê servem os planos diretores e outros tipos de planejamento urbano? Para referendar interesses "de ordem maior"? 

Os usos propostos contemplam as necessidades das pessoas que já moram em Araquari? Marinas, campos de golfe, grandes complexos industriais, anéis viários (engraçado o projeto não fazer menções a um sistema de transporte coletivo) e todas as outras regalias de um típico new urbanism, são, de fato, demandas sociais da atualidade daquela cidade? 

É notória a diferença entre planejamento urbano advindo do poder público e do privado, através de grandes consultorias. Enquanto o primeiro é fruto de um processo moroso, participativo (pelo menos em tese) e expressão fiel dos conflitos sociais e econômicos, o segundo é uma avalanche de ideias prontas e que sistematicamente parecem encaixar como a peça final de um quebra-cabeça. Qual modelo a região que contempla estas duas cidades irá adotar?

Há muitas perguntas e hipóteses surgindo rapidamente. Felizmente, os interesses não conseguem ficar à margem por muito tempo. Uma hora eles aparecem, do jeito que já está acontecendo. Para a zona sul de Joinville e Araquari eles estão cada vez mais claros: enriquecimento com a terra urbana (se não for urbana, a legislação muda para atender tal fator), ampliação do modelo de transporte que privilegia o automóvel, construção de grandes empreendimentos de luxo com a desculpa desenvolvimentista, segregar a população já existente em Araquari ao criar uma espécie de "velha Araquari", bem distante territorialmente da "nova Araquari", e a consolidação de situações que garantam a permanência destes investimentos transnacionais, bem como a atração de novos (já se fala em Land Rover, etc). 

Caso você, leitor, queira se informar mais sobre o assunto, basta abrir os jornais locais nas páginas de economia. É o assunto do momento. Entretanto, preciso dizer que é uma visão totalmente parcial da realidade, ou não?

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Neste cabo de guerra, pode ser a cidade a perder

POR JORDI CASTAN

Você sabe o que é LOT - Lei de Ordenamento Territorial? Sabe o que vai mudar sua rua? Sabe o que vai mudar no seu bairro? Sabe o que vai mudar na sua cidade? Sabe como vai interferir na sua vida? Está à espera de que para inteirar-se?

A LOT  tem se convertido num cabo de guerra. De um lado estão os que querem sua aprovação a qualquer preço (expressão adequada). Do outro estão os que acham que os processos legais devem ser seguidos e que a sociedade tem o direito de saber, através de audiências públicas e de todos os meios disponíveis, como a LOT impactará a sua vida. O que vai mudar na sua rua, no seu bairro e na sua cidade.

A maioria da população ainda não sabe o que vai mudar. E só quando os bate-estacas começarem a cravar as estruturas daquele novo prédio construído no lugar onde até ontem morava uma família é que muitos saberão. Mas será tarde demais e só restará o lamento tardio como único recurso. Este processo de alienação, por um lado, e de alijamento, pelo outro, é muito conveniente para a minoria organizada que quer controlar o processo e tem interesses claros na aprovação desta LOT que aí está. O objetivo é aprovar rapidamente e sem maior debate com a sociedade, que deve ser a maior interessada pois será afetada pelas mudanças propostas.

De pouco servirão as audiências públicas se forem realizadas da forma como tem sido até agora. Ou seja, utilizadas para referendar ou legitimar o que já estava previamente aprovado, sem permitir um debate franco e técnico e sem prever mudanças à proposta apresentada. Realizar audiências públicas requer muito trabalho prévio por parte do poder público, mas principalmente exige uma mudança de atitude daqueles que, por décadas, têm se acostumado a impor, sem precisar ouvir a sociedade.

Sem apresentar os estudos necessários e sem a fundamentação adequada, as audiências públicas têm se convertido numa pantomima. É preciso cumprir todas as exigências da lei. Devem ser apresentados todos os estudos, dados e mapas necessários para que os participantes possam ter a capacidade de decidir sobre o futuro pessoal e o da sua cidade. Apresentar mapas imprecisos, sem as escalas adequadas e sem as informações necessárias é o caminho escolhido para iludir o cidadão, que pouco conhece do linguajar críptico e complexo que alguns técnicos usam - mais para confundir do que para esclarecer.

É preciso evitar que a LOT se converta num cabo de guerra, tendo de um lado especuladores e fundamentalistas do tijolo e do outro parcelas melhor informadas da sociedade organizada. Tudo isso tendo como pano de fundo uma maioria silenciosa alheia ao debate, porque não conhece e não teve acesso aos temas que estão sendo apresentados. Esse deve ser o objetivo dos que acreditam no desafio de construir uma cidade melhor para todos e não para a minoria de sempre.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Fazer planejamento urbano é saber conviver com o diferente

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Principalmente depois da aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, momento no qual que se tornou obrigatória a discussão democrática sobre o planejamento urbano das cidades brasileiras, nós presenciamos (mais especificamente em Joinville) as discussões sobre a organização de nossa cidade ficarem mais acaloradas. Com o Plano Diretor, aprovado em 2008, já percebemos isto. Porém, a regulamentação de seus instrumentos escancarou a dificuldade que temos de conviver com quem pensa diferente, independentemente da posição em que os grupos tomam ao longo do processo.

Acompanhamos dois grupos onipresentes em todas as discussões: o poder econômico fortemente organizado (com seus advogados e representantes de classe) de um lado, e de outro profissionais liberais, professores, empresários e estudantes que defendem a abertura do processo conforme rege o Estatuto aprovado em 2001, sem esquecer dos desinteressados (ou os induzidos socialmente a tal comportamento, conforme já falamos aqui no Chuva Ácida).  A cidade de Joinville perde a partir do momento em que estas duas alas não dialogam e se atacam. Chegam ao cúmulo de esquecer o principal objetivo: a cidade de Joinville.

Não estou nem falando do debate judicial para a garantia dos preceitos democráticos (que é direito de todos os cidadãos), mas sim da desqualificação pessoal que toma conta do debate. Artigos em jornais, blogs, revistas, TV, rádios... todos os meios de comunicação possíveis são utilizados na hora de desqualificar o que está acontecendo. E muitos desses meios, para piorar, também fazem questão de tomar partido e ajudar na desqualificação - seja para qual lado for (mas nós sabemos qual o lado preferencial das editorias).

Os "interesses" falam mais alto. A cidade ideal, com essa dificuldade de diálogo, será tomada pela cidade possível. E isto só faz os interesses do planejamento urbano excludente, onde desenvolvimento urbano é trocado pelo crescimento econômico. O debate qualificado precisa acontecer. Mas isso já estou cansado de falar por aqui. A pergunta que fica, ao analisar tudo isso, gira em torno de quem ganha com essa falta de alteridade e diálogo. Diria que ninguém ganha: a cidade não consegue ter discussões democráticas, os cidadãos joinvilenses mostram-se limitados pois não sabem conviver e respeitar que o outro pode pensar diferente (estendamos isso para além do planejamento urbano e veremos que é a base do pensamento coletivo joinvilense), o grande capital não consegue impor os seus interesses (ainda bem!) e o grupo que defende os debates democráticos continuará sendo desqualificado nos espaços da mídia parcial. Se ninguém ganha com esta falta de diálogo, por qual motivo o cenário se mantém?

O único horizonte para além da ocasião existente, sobretudo ao alongamento do processo, é de presenciarmos um aumento do número de desinteressados, principalmente pela falta de resultados. A mobilização popular não é simultânea à morosidade, pelo contrário: eu nunca vi um poder econômico tão articulado e tendencioso nas questões de planejamento urbano como nos últimos anos. É aí que mora a esperança daqueles que querem dominar socialmente e economicamente através do planejamento urbano, pois são menos cabeças para conviver e enfrentar...

Ps: este texto serve, sim, como um mea-culpa.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

(des)interesses

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O direito à propriedade, garantido na CF88, é a garantia de um sistema capitalista em nosso país. Capitalismo, antes de mais nada, visa o lucro. Logo, tudo o que envolve propriedade é lucro. Se a terra é passível de proprietários, a cidade está inserida em um jogo de interesses capitalistas. Nem todos possuem o mesmo nível, tipo e complexidade de interesses. Outros estão totalmente desinteressados: querem apenas trabalhar, se sustentar e viver com dignidade. É aí que mora o perigo.

Falar de planejamento urbano é uma tarefa difícil. Por trás dos termos e aplicações excessivamente tecnicistas, existem interesses dos interessados. E, quando não convergem para o mesmo ponto, fazem surgir rupturas e discursos muito diferenciados. Presenciamos isto em diversas cidades brasileiras, pois, felizmente, a cidade voltou a ser o tema central das discussões (não apenas no âmbito acadêmico). Na cidade a vida se realiza, a discriminação aparece e a exclusão socioespacial domina. Por exemplo: para um centro existir, é determinante que exista também uma periferia. 

Quem define o centro e a(s) periferia(s) de uma cidade? Uns diriam que é o "mercado", esse bicho de sete cabeças que regula o nosso tão especial direito à propriedade. Outros condenarão isto, delegando ao poder público a tarefa, sem esquecer da efetiva participação popular (social é diferente de popular). Graças ao Estatuto da Cidade, todos têm o direito da participação. Por outro lado, os interessados em que o "mercado" regule tudo utilizarão ferramentas (da mídia, propagando desqualificações do debate advindo dos populares interessados na coletividade; do Estado, articulando-se desde o período eleitoral) para que cada vez mais existam desinteressados nesse "jogo de cartas" que é o ato de organizar a (re)produção de terra (ou seja, propriedade, a qual nos leva à riqueza). Se há menos interessados em jogar, menos pessoas interessadas em acumular riqueza. Somente desta maneira é que o jogo se torna interessante para estes. Para a maioria desinteressada é um "tanto faz" perigoso. 

Com ideologias alienantes e que se propagam facilmente pela mídia tradicional, e o tecnicismo costumeiro do período militar (este foi o grande engodo da institucionalização do Plano Diretor na CF88), o número de desinteressados só tende a crescer. Assim, a única instância popular de planejamento urbano é "patrolada" pelo grupo de interessados que estão em maioria. Nesse caso, os representantes do "mercado". O cidadão do "tanto faz" é escravizado por um sistema pelo qual nem se dá conta e consome um tipo de vida na cidade, já formatado e especialmente preparado para gerar lucro aos donos da regra do jogo. Para um interesse surgir e dominar, é necessário que exista um desinteresse coletivo construído e reproduzido.

terça-feira, 26 de março de 2013

Pílulas de sabedoria

POR JORDI CASTAN


Neste momento, quando as práticas da Comissão Preparatória da Conferência da Cidade vêm sendo legitimamente questionadas por muitos e destemperadamente defendidas por poucos, abstenho-me de responder às diatribes e invectivas dos que defendem seus métodos pouco ortodoxos, falsamente democráticos e muito pouco transparentes. Como resposta, valho-me apenas da sabedoria acumulada ao longo dos séculos.

Entre outros sábios conselhos, Nelson Rodrigues brindou-nos com este: "Deve-se sempre desconfiar dos veementes, pois eles estão sempre a um passo do erro e da obtusidade”.

Um dos fundadores da psicologia, William James, ensinou-nos: "Muitas pessoas pensam que estão pensando quando estão apenas a rearrumar os seus preconceitos".

O escritor inglês William Hazlitt revelava a alma de muitos dos lacaios modernos: "O homem é um animal que finge - e nunca é tão autêntico como quando interpreta um papel".

O iluminista Voltaire denunciava: “É muito perigoso ter razão em assuntos sobre os quais as autoridades estabelecidas estão completamente equivocadas”. Sobre os pusilânimes de sempre, revelava: “Só se servem do pensamento para autorizar as suas injustiças e só empregam as palavras para disfarçar os pensamentos”.
Sobre a inutilidade de debater com fanáticos, Voltaire indagava: "Para quê discutir com os homens que não se rendem às verdades mais evidentes? Não são homens, são pedras".

O enciclopedista Diderot, preso por expor suas opiniões, ensinava: "Há homens cujo ódio nos glorifica".

O filósofo anglo-irlandês Edmund Burke considerava: “Aquele que luta contra nós fortalece nossos nervos e aprimora nossas qualidades. Nosso antagonista trabalha por nós”. E sugeria aos independentes das benesses estatais "... ousar ter dúvidas quando tudo é tão cheio de presunções e audácias”.

Outro sábio avant la lettre, Roberto Campos profetizava o que hoje vemos campear por nossas plagas: “No Brasil, a burrice tem um passado glorioso e um futuro promissor"

Proust ironizava os convictos e fundamentalistas de sempre: "Cada um chama de claras as idéias que estão no mesmo grau de confusão que as suas próprias".

Alexis de Tocqueville, o mais sábio de tantos quantos me socorro, denunciava: “Nações existem na Europa onde o habitante se considera como uma espécie de colono, indiferente ao destino do lugar que habita (...) A fortuna da sua aldeia, a política da sua rua, a sorte da sua igreja e do seu presbitério, em nada o afetam; pensa que nenhuma dessas coisas lhe diz respeito de maneira alguma, e que pertencem a um estrangeiro poderoso a que chama de governo. Goza de tais bens como que em usufruto, sem espírito de propriedade e sem idéias de qualquer melhoria”.

Pois é exatamente por não sermos colonos, indiferentes ao destino do lugar em que habitamos, que insistimos em exercer nosso direito de cidadãos. Ainda que isso possa parecer exótico para alguns ou ousadia indevida e pretensiosa para outros.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Não rebaixem o meio-fio!

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Está tramitando na câmara de vereadores de Joinville um projeto de Lei, de autoria do vereador Roberto Bisoni (PSDB), que pode alterar consideravelmente a relação entre pedestres e automóveis: o livre rebaixamento do meio-fio, para facilitar a entrada e saída de automóveis, sobretudo dos comércios. Graças a alguns vereadores e entidades representativas, o projeto só entrará em pauta novamente após uma audiência pública para discussão de tema.

A justificativa do projeto é simples, porém equivocada. Bisoni argumenta que, nos bairros, os pequenos comerciantes estão perdendo clientela. A lógica dele é a seguinte: o número de automóveis aumentou bastante nos últimos anos (quase 110% de 2002 a 2011, segundo o Detran); a malha viária continua praticamente a mesma; com ruas mais cheias, espaços de estacionamento diminuem; como a atual legislação veda o uso total da testada dos estabelecimentos, o cliente não consegue vaga nem na rua e nem na frente da loja (Fonte: CVJ).

É complicado presenciarmos mais uma vez as bizarrices que são propostas por parte do legislativo joinvilense. Esta visão retrógrada de urbanismo, a qual dá privilégios ao automóvel em detrimento de todos os outros modais de deslocamento em uma cidade, deve ser abolida. Querem dar prioridade ao automóvel também na calçada, lugar exclusivo do pedestre? Ainda prefiro ser mais radical, e propor a extinção do recuo (utilizado na maioria das vezes como estacionamento). Lugar de carro é na rua, e muito menos na calçada e/ou no recuo para estacionar. E ainda: quanto mais espaço der para o carro, mais carro teremos nas cidades. Neste momento me recordo do ex-prefeito de Bogotá, Henrique Peñalosa, que revolucionou em muitos aspectos a sua cidade, principalmente ao considerar estacionamento um "problema de ordem privada" e que não promoveria nenhuma vaga de estacionamento em lugar público (a rua), ou em espaço de uso misto (calçadas e recuos). O cidadão de Bogotá passou a deixar seu carro em estacionamentos privados, pagando caro por isso, e percebeu que a melhor alternativa seria o transporte coletivo.

Vamos ficar atentos a este projeto, e também a todos os posicionamentos que surgirão nas audiências ou reuniões internas das comissões em que este projeto tramitará. O que não surpreende, mas nem um pouco, é de onde vem a autoria deste projeto. Anos atrás este mesmo legislador propôs o fim de todas as praças e lugares públicos, para evitar "bêbados e drogados". Então tá.

terça-feira, 5 de março de 2013

A tonadilha do flautista

POR JORDI CASTAN


Há músicas e músicas. A boa música é eterna, não cansa, não fica repetitiva. Podemos nos deliciar com ela por dias a fio. Mas há outras que rapidamente cansam. São essas que ficam de moda com facilidade e que em pouco tempo saturam, enjoam.

A música deste governo já esta tocando faz um tempo e está começando a ficar repetitiva. Fica tão repetitiva que mais parece mantra que música. Planejar a Joinville dos próximos 30 anos é um discurso bonito. Tenho conhecidos que até acreditam que, por trás do discurso, há conteúdo e que o tempo vai mostrar.

As notas que compõem a melodia são:  necessidade de aprovar a LOT, para evitar que Joinville pare. A importância de receber multinacionais para fazer crescer a economia. E os investimentos em duplicações e elevados para resolver o problema da mobilidade. Todas elas, pautas iminentemente de interesse empresarial e, mais concretamente, dos maiores da cidade. Para poder dar um ritmo mais popular, a melhoria da saúde é o estribilho.

Sobre a LOT já tem se falado e escrito muito. Os dois lados estão bem em evidência. Há os desenvolvimentistas (a todo custo e a qualquer preço). E há a sociedade, que quer entender melhor, conhecer mais e que defende a preservação da qualidade de vida. O modelo econômico baseado na atração de grandes indústrias, principalmente multinacionais, tem o seu encanto e atrai com facilidade o interesse dos políticos, ainda mais quando se inclui a festa de inauguração de uma nova unidade industrial.

Mas é um modelo econômico concentrador de renda e, na maioria dos casos, a riqueza aqui gerada não fica na região. Há ainda o discurso da geração de emprego e esquecem os políticos de novo que o maior gerador de emprego no mundo são as PMEs (pequenas e medias empresas), que na Itália respondem por 69% de todos os empregos formais, no Japão por 74% e no Brasil, a pesar da pouca atenção do governo, as PMEs representam 60%. Duplicações e elevados foram a bandeira do candidato derrotado e agora são apresentadas como a solução para os problemas de mobilidade urbana. Equivale a dizer que para resolver o problema do excesso de peso a solução é continuar comendo as mesmas calorias ou mais e passar a usar um cinto vários números maior.

Se a tonadilha do flautista não fosse tão estridente e as pessoas começassem a procurar o conteúdo por trás do discurso, seria possível identificar que não há uma proposta de cidade para os próximos 30 anos, menos ainda para os próximos 50. A maioria de cidades desenvolvidas ou que querem assim ser consideradas estão propondo modelos e cenários para o futuro. Cidades sustentáveis, com qualidade de vida, focadas nas pessoas, que priorizam modelos econômicos inclusivos e justos. Cidades eficientes, que desenvolvem a mobilidade para reduzir o uso do veiculo individual e priorizam o transporte coletivo de qualidade e multimodal.

Aqui a sensação é que estamos olhando em outra direção, seguindo um modelo que já mostrou que não dá certo. A maioria não ousa ou não alcança a questionar, prefere acreditar que estamos no caminho certo. A pergunta que poderíamos nos fazer é quais são as cidades que despontam como referência, no mundo, para os próximos 30 ou 50 anos? Que tem a nos oferecer como modelo e inspiração? Quais as cidades que poderiam nos servir para fazer com elas benchmarking? Porque no momento atual é mais importante fazer as perguntas certas em lugar de querer ter as respostas corretas. O maior risco que correríamos seria que surgissem alternativas, que pudessem questionar e por em evidencia as certezas em que se baseiam as propostas do governo atual. 

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O urbanismo escravagista

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Ao longo dos últimos dez anos venho acompanhando mais de perto a política de planejamento urbano de várias cidades brasileiras, e não somente de Joinville. A impressão que me passa - e reforçada cada dia mais - é que fomos escravizados e nem sabemos. Porém, ao contrário do que aconteceu em séculos passados, a população brasileira foi escravizada por um urbanismo que limita, impõe e regra a vida social em uma cidade.

Somos todos escravos de um sistema econômico baseado na indústria automobilística e imobiliária/incorporadora. Os maiores volumes de dinheiro não surgem mais da produção de bens manufaturados, mas sim das articulações realizadas com a propriedade fundiária nas cidades. Para ser mais claro, fomos escravizados pelo fenômeno chamado "especulação imbiliária", que, ao meu ver, cumpre o mesmo papel que o senhor do engenho cumpria na estrutura escravista e tem na indústria automobilística o seu "capataz".

Ao transformar "terra rural" em "terra urbana", "menos valorizado" em "mais valorizado", "longe" em "perto", "barato" em "caro", "fazendas unifamiliares" em "condomínios fechados", "zonas de moradia de trabalhadores" em "condomínios industriais", "zonas frias" em "zonas quentes" (sic!), "vizinhança de cemitério" em "vetor do crescimento imobiliário", "descaso com o meio ambiente" em "pogresso" de acordo com as suas necessidades, a cidade tem seu perímetro urbano aumentado, incentivando o espraiamento urbano e uma dificuldade de locomoção pela cidade. Logo, se está difícil se locomover, principalmente pelos modos coletivos (o poder público é legitimador deste processo, da mesma maneira que legitimou a escravidão), o cidadão é forçado a adotar um estilo de vida: o estilo do automóvel. E não tem outra solução para sobreviver economicamente em meio ao caos urbano. É isso, ou é isso (ou as chicotadas da estigmatização e marginalização)!

Deste modo, o sistema escravagista pós-moderno está montado: grandes periferias urbanas sem infraestrutura, pobres morando "longe", deslocamento infernal devido ao excesso de carros, especulação imobiliária ganhando dinheiro como nunca, e políticos comemorando um crescimento econômico excludente e que só servirá aos senhores do engenho (e a eles mesmos!). Nada é ilegal. Tudo é fundamentado em leis parciais (com pouca participação popular), em uma polícia violenta e em uma mídia que é amiga de todos (e patrocinada por estes), menos dos escravizados.

Talvez nem percebamos, mas fomos escravizados. E a cidade é a nossa senzala.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Araquari para quem?

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A política desenfreada de espraiamento urbano da cidade de Joinville, implementada ao longo dos últimos cinqüenta anos, tornou a conurbação um processo inevitável aos olhos dos planejadores urbanos. Por mais que sejamos vizinhos de várias cidades,  uma em especial está se utilizando do crescimento econômico joinvilense: Araquari.

Adotando uma política fundiária esdrúxula, fortes renúncias fiscais e a integração socioespacial com Joinville (principal pólo econômico do estado) e a malha portuária (São Francisco do Sul, Itajaí e Itapoá), esta cidade tornou-se, nos últimos dez anos, uma das que mais aumentou o PIB no Brasil (369% de 1999 a 2008). A população também aumentou muito (55% nos últimos vinte anos). Recentemente, vários investimentos estão planejados para a zona sul de Joinville, ou na própria cidade de Araquari. O projeto da UFSC-de-um-curso-só, juntamente com parques industriais e aeroporto internacional foram atrativos que levaram a multinacional BMW a anunciar a instalação de uma fábrica por lá.


Acompanhando tantas mudanças, o prefeito reeleito, João Woitexem (PMDB), está preocupado com o planejamento da cidade. Os prefeitos das cidades vizinhas também. E, nesta semana, acompanho pelos jornais o desastre anunciado. A cidade de Araquari contratou uma consultoria especializada para um "planejamento estratégico".

A BMW vai auxiliar a Prefeitura de Araquari a estruturar seu planejamento estratégico de longo prazo. O município terá de se ajustar a uma nova realidade socioeconômica, a partir da chegada de indústrias de porte, complementa o secretário secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável Paulo Bornhausen. O prefeito João Pedro Woitexen já contratou a Pontifícia Universidade Católica do Paraná para fazer estudo sobre o futuro da cidade. (Coluna "Livre Mercado", Jornal A Notícia de 12 de fevereiro de 2013)
 É visível que a prefeitura de Araquari não está interessada em planejar a cidade, mas sim o crescimento econômico dela. Este novo démarche estratégico vêm devastando as prioridades sociais das agendas governamentais Brasil afora, e Araquari está sendo um exemplo bem claro disto. Tudo em prol de uma suposta competitividade: se em Joinville demoram para abrir empresas, aqui abrimos "na hora". Se lá não tem um Aeroporto decente, aqui nós doamos terrenos para grandes aeroportos. E a lista de itens competitivos é infindável. A cidade (e o desenvolvimento urbano), portanto, vira mercadoria. Uma mercadoria de luxo. Para quem?

A cidade é feita de pessoas, mas o "planejamento estratégico" é feito para poucos. Como qualificar a infra-estrutura de Araquari para a maioria da população, que nem possuiu esgotamento sanitário na maioria das vias públicas? Por que pensar em aeroportos, multinacionais, economia a todo vapor... se o problema da cidade é outro? Acompanhamos mais um exemplo clássico de confusão do que é crescimento econômico e do que é desenvolvimento urbano.

O "planejamento estratégico" sublima qualquer intenção da sociedade na participação da tomada de decisões. Instaura, por sua vez, o poder de uma nova lógica, com a qual se pretende legitimar a apropriação direta dos instrumentos de poder público por grupos empresariais privados (e o pior: grupos multinacionais). E podem apostar: um dos itens mais importantes desta nova lógica será a região metropolitana. Se isso acontecer, a tragédia urbana estará com dias contados para se iniciar.

PS: para os interessados neste tema, vale a pena a leitura do texto "Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano", do Professor Carlos Vainer (UFRJ).

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Destes incêndios ninguém fala!

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Não estou aqui para falar sobre a tragédia de Santa Maria. Penso que os noticiários desta semana já nos bombardearam com informações o suficiente para criarmos uma opinião a respeito do que aconteceu. Por outro lado, a mesma imprensa que evidencia o incêndio na boate é aquela que esconde ou desvirtua os incêndios criminosos em favelas que estão acontecendo Brasil afora, desabrigando milhares de famílias, a serviço de uma especulação imobiliária suja e covarde (existe especulação imobiliária limpa e honesta???).

Em São Paulo, cidade onde está se proliferando incêndios criminosos a favor da especulação imobiliária, foram registradas 38 ocorrências em 2012, atingindo 28 favelas diferentes. E a maioria destes incêndios está acontecendo em setores em que os valores dos imóveis dobraram nos últimos dois anos. Após os incêndios e a remoção das famílias de baixa renda que por ali moravam, as áreas passaram a servir grandes empreendimentos imobiliários. E tudo isso com a conivência do poder público e apoio de setores da imprensa, a qual passa a mensagem de que as "moradias estavam irregulares e precárias".

A cidade de Porto Alegre já importou o mesmo modelo de São Paulo. As áreas próximas a recém-inaugurada Arena Grêmio possuem moradias da população de média e baixa renda da capital gaúcha. Em 2013 já foram registrados incêndios "aparentemente propositais" nestas localidades. É óbvio que vários direitos fundamentais do cidadão estão sendo violados em prol de um desenvolvimento econômico. Em lugares onde o Estado não tira a força as pessoas pobres de suas moradias, a economia fundiária tira. Infelizmente, o desenvolvimento econômico é vendido como desenvolvimento urbano (parece uma cidade que eu conheço...).


Imaginem agora a cidade de Joinville. É notório o investimento nas áreas da região sul da cidade, na divisa com Araquari. E ali na região do Paranaguamirim  e Itinga encontra-se umas das populações mais pobres da cidade. Seria como se especuladores imobiliários incendiassem casas dos moradores de lá, forçando-os a sair. Com a valorização que aqueles terrenos sofrerão, devido aos altos investimentos, o valor da terra praticamente dobra em questão de umas simples fagulhas. Ainda bem que não aconteceu por aqui, e cobrar para que não aconteça. Por Joinville o jogo ainda está no discurso midiático e na disputa pelas instâncias representativas (vide o Conselho da Cidade). Dos males, o menor.

PS: o portal UOL fez um levantamento muito interessante, cruzando favelas, incêndios e áreas de valorização imobiliária.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Por uma política cultural integrada com a gestão do território

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Ao fim de 2012, quando os alunos que estão concluindo o curso de Arquitetura e Urbanismo da SOCIESC (instituição na qual leciono) escolheram os seus temas para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o tema de uma aluna me chamou a atenção. Ela quer entender o porquê das políticas culturais de Joinville serem tão concentradas no centro da cidade e quase não haver contato da Fundação Cultural com os bairros mais periféricos. A discussão integrando políticas culturais e gestão do território, salvo melhor juízo, nunca ocorreu na academia em Joinville. E está na hora de refletirmos sobre este tema, ainda mais com as ações da Lei de Ordenamento Territorial (que voltará a ser discutida em 2013) e a consolidação da cidade de Joinville como um importante centro de gestão de políticas culturais no Brasil (fruto das últimas duas gestões).

Ocorre que, em nossa cidade, o planejamento urbano por muito tempo foi visto como sinônimo de zoneamento urbano, juntamente com as demais regras que regem o uso e a ocupação do solo. O próprio plano diretor de 2008 não envolve o tema "políticas culturais no território". Apenas faz uma importante menção ao patrimônio material de nossa cidade.

Com a centralização territorial das ações, e um atendimento de forma "passiva" perante a população, esperando que ela procure pelos serviços dos diversos órgãos pertencentes à Fundação Cultural, gera um desequilíbro socioespacial, pois os moradores de apenas uma parte da cidade estariam contemplados com as políticas culturais. Por coincidência, estas áreas tendem a ser as de maior renda per capita da cidade. É só fazermos um breve levantamento e verificarmos onde estão os aparelhos culturais da cidade (os que sobraram após a gestão Carlito). Estão, em sua maioria, na região central!

Por qual motivo o poder público (generalizando para todas as cidades brasileiras) leva até as camadas mais populares a escola, o posto de saúde, o ginásio de esportes, a praça, o asfalto, o comércio e toda a estrutura necessária para a descentralização da cidade e esquece-se dos aparelhos culturais? Qual o problema de ter perto da casa das pessoas de mais baixa renda um teatro, uma escola de artes, de dança ou de música e canto?

Precisamos integrar as ações culturais com o crescimento das cidades, como não é diferente no caso joinvilense. A estigmatização social é reproduzida pelo poder público mesmo "sem querer", agindo desta forma centralizadora. Só irá reproduzir o clichê de que "cultura é coisa para rico e pobre tem que pensar em como botar comida na mesa". A grande "revolução no cenário cultural" com a construção do Centreventos, por exemplo, foi para poucos. Mesmo sem dados que comprovem, posso apostar que mais de 50% da população de Joinville nunca entrou lá para assistir a um espetáculo qualquer. Em contrapartida, várias cidades da Colômbia conseguiram diminuir os índices de violência a partir do planejamento urbano pensado de forma integrada com a gestão cultural nas periferias. Em Joinville já tivemos a experiência da "Caravana da Cultura" de forma incipiente e itinerante, mas que contemplava a intenção de levar até o bairro a atenção do poder público com a cultura para todos (esta ação foi extinta na gestão Carlito).

Claro que é um tema novo em nossa cidade (e com uma grande amplitude), mas fica aqui o alerta. Devemos parar de reproduzir uma cidade voltada para poucos e democratizar todas as ações possíveis. Espero que o trabalho desta aluna (o qual serei o orientador) possa render muitos frutos e apresentar soluções plausíveis para as futuras políticas culturais.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Conselho deliberativo e consultivo da Cidade


POR JORDI CASTAN


O tempo e a idade jogam com as nossas lembranças. Imagine você que durante dois anos participei, juntamente com o prefeito eleito Udo Dohler, da Câmara Comunitária de Integração Regional do Conselho Consultivo e Deliberativo do antigo Conselho da Cidade. E só agora tomei conhecimento que o dito órgão colegiado não é deliberativo.

Como nasci na década de 50, assumo que a minha memória não é mais a mesma. Não consigo lembrar se em alguma das reuniões da nossa câmara comunitária o prefeito eleito teria comentado que a nossa participação era de cunho meramente consultivo. E a sua entusiástica participação tampouco fazia pressagiar algo parecido.

Foram no mínimo estranhas as declarações do prefeito eleito no jornal A Notícia, do dia 6 de dezembro. Pode ser que depois de eleito tenha se transformado em outra pessoa diferente da campanha. Aliás, uma transmutação que não seria a primeira vez a acontecer com os políticos locais. Ou pode ser que o novo Udo não seja outro a não ser o Udo de sempre. Eu acho que é o mesmo de sempre, aquele com quem também tive oportunidade de compartilhar diretoria da ACIJ, em outras épocas. Pior não é o fato que as suas declarações sejam estranhas, pois há quem as tenha achado até arrogantes. Para mim, elas são perigosas. Perigosas para Joinville, para a democracia e para o estado de direito.

Transcrevo as declarações do prefeito eleito e comento:

CONSELHO DA CIDADE

"Nós daremos a velocidade que for possível. É claro que há os prazos legais. Mas queremos ter esse conselho regularizado o mais rapidamente possível. Agora, há demandas difíceis de entender. Dar maior participação democrática ou se ater em questões como CNPJ. Quanto maior as exigências, mais complexo o processo, mais demorado. E temos que lembrar que o Conselho da Cidade é um órgão consultivo, não deliberativo. Se fosse assim, não precisava mais de Câmara de Vereadores. O Executivo adota se quiser o que o conselho aponta. Hoje, o Executivo leva em consideração o que vem do conselho, ele é ouvido. Mas se o Executivo não quiser, vale lembrar que ele não precisa.

Pouco há a dizer quando o prefeito eleito questiona um processo democrático e participativo porque ele é moroso. Só mostra que ainda não compreendeu a diferença entre ser prefeito de uma cidade do porte de Joinville, presidente da ACIJ ou de uma empresa. É um erro pensar que a democracia atrapalha o planejamento. Ao contrário, o planejamento é uma forma de organizar a democracia e de exprimi-la. O que devemos entender é que com este tipo de planejamento participativo, toma-se o partido da maioria da população da cidade, defendendo-a. Por isso ele é democrático.

A participação que agora tanto parece incomodar o prefeito eleito é a mesma que o Estatuto da Cidade tornou obrigatória por via de debates, audiências e consultas públicas. Ou, inclusive, por iniciativa popular de projetos de lei e planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Além da obrigatoriedade prevista no Estatuto das Cidades de consultar a população nas leis urbanísticas, poucos sabem que a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o prefeito a fazer audiências públicas e expor à comunidade, anualmente, os gastos previstos no orçamento, antes de enviá-lo à Câmara de Vereadores.

Mais preocupante é quando afirma que o Conselho da Cidade é um órgão consultivo. A afirmação de que o Executivo pode ou não considerar o parecer do Conselho da Cidade e pode até não consultá-lo é estulta e não corresponde à verdade.

Para refrescar a memória do prefeito eleito, tomo a liberdade de transcrever parte da primeira ação popular em que o mesmo figura como réu na qualidade de ex-integrante do Conselho Consultivo e Deliberativo (CCD) previsto na Lei 299-2009 (revogada)

“Como se sabe, foi na Constituição Federal de 1988 que institucionalizou-se o Direito Urbanístico. Percebeu o legislador constituinte que a política urbana adquiriu uma nova dimensão, conquanto o ordenamento do solo não poderia mais ser pensado e planejado como se fosse um compartimento estanque, ignorando aspectos econômicos, sócio-culturais e ambientais.O dogma do direito absoluto da propriedade oriundo do pensamento clássico burguês e liberal foi substituído pela função social da propriedade urbana, previsto no art. 1821 e parágrafos 1º e 2º da CFRB/1988, estabelecendo uma conformação que assegure o pleno exercício do direito à Cidade por todos os seus habitantes, integrando-o à ordem urbanística como categoria de direitos difusos e meta-individuais, de interesse de toda a sociedade, tutelados não só pela Carta Magna, mas pelo próprio Estatuto das Cidades, em vários dispositivos legais. Em decorrência do preceito constitucional citado, a política de ordenação territorial tornou-se um conceito espacial, que passou á regular o espaço urbano em sua dimensão “física, econômica, social, sócio-cultural e ambiental. Todos estes aspectos reunidos representam o direito à Cidade, englobando o direito à moradia, á regularização fundiária, aos serviços de saneamento básico, à saúde, ao trabalho, á educação ao lazer, à gestão democrática da cidade e ao meio ambiente sustentável e equilibrado.Em termos contemporâneos interessa o conceito de direito à cidade e sua respectiva gestão democrática como instrumento de participação cívica, englobando o território, a ordenação resultante do Plano Diretor, a efetiva interação entre governo e sociedade na discussão dos projetos de lei de ordenamento territorial, como normatização resultante do Estatuto da Cidade, repudiando-se qualquer conformação simplista de regulamentação do ambiente construído.”

LOT

A lei está se arrastando. Havia expectativa de ser aprovada este ano, o que não ocorreu. A cidade perde muito. A expectativa é que os novos vereadores assimilem isso com rapidez, senão pode demorar mais tempo. E quem perde não é o vereador ou o prefeito, mas a cidade. Na semana retrasada estive em São Paulo. Tem um investidor importante disposto a construir uma fábrica em Joinville. Ele disse que logo no início do meu governo tinha interesse de vir para a cidade. Eu disse que Joinville está de portas abertas. Hoje, o certo era eu ligar para ele e dizer para não vir mais em janeiro e aguardar a aprovação da LOT. Não acontece nada com a cidade nesses próximos dois anos se a lei não for aprovada. Todos os novos empreendimentos ficam em incerteza jurídica. Mas agora vou dizer a um empresário que ele é bem-vindo a Joinville, mas que vai depender que seja aprovada uma lei especial para ele poder se instalar? Na hora, ele vai para outro município. Nós vamos acordar para a necessidade da nova LOT quando começar a faltar emprego na cidade. Oxalá que até lá haja uma solução.

O prefeito eleito afirma que há em Joinville um vazio legal a impedir o desenvolvimento da cidade, o que tampouco é certo. Não há sequer incerteza jurídica. Joinville tem uma lei clara, que foi inclusive recentemente consolidada pela nossa Câmara de Vereadores. Uma lei que  garante a legalidade e nem por isso novas empresas tem deixado de se instalar em Joinville.

 A prova é que a economia joinvilense está muito bem, obrigado. E tem crescido nos últimos dois anos, contradizendo o quadro de paralisia apresentado no seu discurso desenvolvimentista.  O Prefeito eleito declara que para esta suposta nova empresa com a que fez contato em São Paulo, a lei atual não é adequada, sendo preciso criar uma lei urbanística especial para atender as necessidades deste investidor. 

Bom, é justamente contra este clientelismo que a sociedade está se insurgindo. Mudar a lei constantemente para atender a este ou aquele empreendimento é uma violência contra os empresários aqui instalados e cumpridores da legislação atual. É justamente a forma como estas situações são postas e defendidas o que causa estranheza. Será que não percebe? A  situação que ele apresenta com tanta naturalidade poderá macular o princípio da impessoalidade da lei? Não se trata aqui de atender ou deixar de atender os desejos e vontades do prefeito eleito e de seus apoiadores. O que está em discussão é o modelo de cidade e principalmente o modelo de gestão democrático do espaço urbano.

FUNDEMA

Na Fundema, é preciso de uma liderança forte, que possa agilizar as demandas. O licenciamento ambiental é muito moroso. Pensamos em estabelecer uma cooperação entre Fundema e Fatma para melhorar os processos. Também temos técnicos excepcionais na Fundema que, se mais bem equipados, podem trabalhar nessa agilidade. Em Minas Gerais, se o poder público atrasa um licenciamento, libera um provisório. É uma ideia que pode ser adotada.

O prefeito eleito incorre no mesmo equívoco, o que pode se caracterizar como uma constante na sua forma de pensar. O presidente da Fundema, seja ele quem for, deverá ser um profissional competente que cumpra e faça cumprir a lei. Respeitando os prazos legais e concedendo ou não as licenças correspondentes. Se “agilizar” está sendo colocado como sinônimo de redução das exigências legais, amparado na sua liderança forte, é uma afirmação perigosa. A gravidade aumenta se o que se pretende agilizar são as “demandas”. Quais demandas? As de todos os munícipes que precisam dos serviços da Fundema ou só dos que tem demandas específicas que exigem até mudanças na legislação? Liberar licenciamento provisório é uma solução que agrada a quem tem pressa e quer criar fatos consumados. O esforço e o ímpeto deveriam se direcionar a reduzir prazos e exigências e para isso não é preciso uma liderança forte é preciso competência, conhecimento e bom senso.

Curiosa à mudança de discurso do pré-candidato, agora prefeito eleito. Se continuar mudando o discurso, vou começar a ficar com medo do que poderá ser o discurso do prefeito depois de empossado.