O tempo e a idade jogam com as nossas lembranças. Imagine você que durante dois anos participei, juntamente
com o prefeito eleito Udo Dohler, da Câmara Comunitária de Integração Regional
do Conselho Consultivo e Deliberativo do antigo Conselho da Cidade. E só agora
tomei conhecimento que o dito órgão colegiado não é deliberativo.
Como nasci na década de 50, assumo que a
minha memória não é mais a mesma. Não consigo lembrar se em alguma das
reuniões da nossa câmara comunitária o prefeito eleito teria comentado que a
nossa participação era de cunho meramente consultivo. E a sua entusiástica participação
tampouco fazia pressagiar algo parecido.
Foram no mínimo estranhas as declarações do
prefeito eleito no jornal A Notícia, do dia 6 de dezembro. Pode ser que depois
de eleito tenha se transformado em outra pessoa diferente da campanha. Aliás, uma
transmutação que não seria a primeira vez a acontecer com os políticos
locais. Ou pode ser que o novo Udo não seja outro a não ser o Udo de sempre. Eu
acho que é o mesmo de sempre, aquele com quem também tive oportunidade de
compartilhar diretoria da ACIJ, em outras épocas. Pior não é o fato que as suas declarações
sejam estranhas, pois há quem as tenha achado até arrogantes. Para mim, elas são
perigosas. Perigosas para Joinville, para a democracia e para o estado de direito.
Transcrevo as declarações do prefeito
eleito e comento:
CONSELHO DA CIDADE
"Nós daremos a velocidade que for
possível. É claro que há os prazos legais. Mas queremos ter esse conselho
regularizado o mais rapidamente possível. Agora, há demandas difíceis de
entender. Dar maior participação democrática ou se ater em questões como CNPJ. Quanto
maior as exigências, mais complexo o processo, mais demorado. E temos que
lembrar que o Conselho da Cidade é um órgão consultivo, não deliberativo. Se
fosse assim, não precisava mais de Câmara de Vereadores. O Executivo adota se
quiser o que o conselho aponta. Hoje, o Executivo leva em consideração o que
vem do conselho, ele é ouvido. Mas se o Executivo não quiser, vale lembrar que
ele não precisa.
Pouco há a dizer quando o prefeito eleito questiona
um processo democrático e participativo porque ele é moroso. Só mostra que
ainda não compreendeu a diferença entre ser prefeito de uma cidade do porte de
Joinville, presidente da ACIJ ou de uma empresa. É um erro pensar que a democracia atrapalha o planejamento. Ao contrário, o planejamento é uma forma
de organizar a democracia e de exprimi-la. O que devemos entender é que
com este tipo de planejamento participativo, toma-se o partido da maioria da
população da cidade, defendendo-a. Por isso ele é democrático.
A participação que agora tanto parece incomodar o prefeito eleito é a mesma que o Estatuto da
Cidade tornou obrigatória por via de debates, audiências e consultas públicas. Ou, inclusive, por iniciativa popular de projetos de lei e planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano. Além da obrigatoriedade prevista no
Estatuto das Cidades de consultar a população nas leis urbanísticas, poucos
sabem que a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o prefeito a fazer audiências
públicas e expor à comunidade, anualmente, os gastos
previstos no orçamento, antes de enviá-lo à Câmara de Vereadores.
Mais preocupante é quando afirma que o
Conselho da Cidade é um órgão consultivo. A afirmação de que o Executivo pode
ou não considerar o parecer do Conselho da Cidade e pode até não consultá-lo é
estulta e não corresponde à verdade.
Para refrescar a memória do prefeito eleito, tomo a
liberdade de transcrever parte da primeira ação popular em que o mesmo figura
como réu na qualidade de ex-integrante do Conselho Consultivo e Deliberativo (CCD)
previsto na Lei 299-2009 (revogada)
“Como se sabe, foi na Constituição Federal de 1988
que institucionalizou-se o Direito Urbanístico. Percebeu o legislador
constituinte que a política urbana adquiriu uma nova dimensão, conquanto o
ordenamento do solo não poderia mais ser pensado e planejado como se fosse um
compartimento estanque, ignorando aspectos econômicos, sócio-culturais e
ambientais.O dogma do direito absoluto da propriedade oriundo do pensamento
clássico burguês e liberal foi substituído pela função social da propriedade
urbana, previsto no art. 1821 e parágrafos 1º e 2º da CFRB/1988, estabelecendo
uma conformação que assegure o pleno exercício do direito à Cidade por todos os
seus habitantes, integrando-o à ordem urbanística como categoria de direitos
difusos e meta-individuais, de interesse de toda a sociedade, tutelados não só
pela Carta Magna, mas pelo próprio Estatuto das Cidades, em vários dispositivos
legais. Em decorrência do preceito constitucional citado, a política de
ordenação territorial tornou-se um conceito espacial, que passou á regular o
espaço urbano em sua dimensão “física, econômica, social, sócio-cultural e
ambiental. Todos estes aspectos reunidos representam o direito à Cidade,
englobando o direito à moradia, á regularização fundiária, aos serviços de
saneamento básico, à saúde, ao trabalho, á educação ao lazer, à gestão
democrática da cidade e ao meio ambiente sustentável e equilibrado.Em termos
contemporâneos interessa o conceito de direito à cidade e sua respectiva gestão
democrática como instrumento de participação cívica, englobando o território, a
ordenação resultante do Plano Diretor, a efetiva interação entre governo e
sociedade na discussão dos projetos de lei de ordenamento territorial, como
normatização resultante do Estatuto da Cidade, repudiando-se qualquer
conformação simplista de regulamentação do ambiente construído.”
LOT
A lei está se arrastando. Havia expectativa
de ser aprovada este ano, o que não ocorreu. A cidade perde muito. A
expectativa é que os novos vereadores assimilem isso com rapidez, senão pode
demorar mais tempo. E quem perde não é o vereador ou o prefeito, mas a cidade.
Na semana retrasada estive em São Paulo. Tem um investidor importante
disposto a construir uma fábrica em Joinville. Ele disse que logo no início do
meu governo tinha interesse de vir para a cidade. Eu disse que Joinville está
de portas abertas. Hoje, o certo era eu ligar para ele e dizer para não vir
mais em janeiro e aguardar a aprovação da LOT. Não acontece nada com a cidade
nesses próximos dois anos se a lei não for aprovada. Todos os novos
empreendimentos ficam em incerteza jurídica. Mas agora vou dizer a um
empresário que ele é bem-vindo a Joinville, mas que vai depender que seja
aprovada uma lei especial para ele poder se instalar? Na hora, ele vai
para outro município. Nós vamos acordar para a necessidade da nova LOT quando
começar a faltar emprego na cidade. Oxalá que até lá haja uma solução.
O prefeito eleito afirma que há em Joinville um
vazio legal a impedir o desenvolvimento da cidade, o que tampouco é certo. Não
há sequer incerteza jurídica. Joinville tem uma lei clara, que foi inclusive
recentemente consolidada pela nossa Câmara de Vereadores. Uma lei que garante a
legalidade e nem por isso novas empresas tem deixado de se instalar em Joinville.
A prova é que a economia joinvilense está muito bem, obrigado. E tem crescido nos últimos dois anos, contradizendo o quadro
de paralisia apresentado no seu discurso desenvolvimentista. O Prefeito
eleito declara que para esta suposta nova empresa com a que fez contato em São
Paulo, a lei atual não é adequada, sendo preciso criar uma lei urbanística
especial para atender as necessidades deste investidor.
Bom, é justamente
contra este clientelismo que a sociedade está se insurgindo. Mudar a lei
constantemente para atender a este ou aquele empreendimento é uma violência
contra os empresários aqui instalados e cumpridores da legislação atual. É
justamente a forma como estas situações são postas e defendidas o que
causa estranheza. Será que não percebe? A situação que ele apresenta com
tanta naturalidade poderá macular o princípio da impessoalidade da lei? Não se
trata aqui de atender ou deixar de atender os desejos e vontades do prefeito
eleito e de seus apoiadores. O que está em discussão é o modelo de cidade e
principalmente o modelo de gestão democrático do espaço urbano.
FUNDEMA
Na Fundema, é preciso de uma
liderança forte, que possa agilizar as demandas. O licenciamento ambiental é muito moroso.
Pensamos em estabelecer uma cooperação entre Fundema e Fatma para melhorar os
processos. Também temos técnicos excepcionais na Fundema que, se mais bem
equipados, podem trabalhar nessa agilidade. Em Minas Gerais, se o poder público
atrasa um licenciamento, libera um provisório. É uma ideia que pode ser
adotada.
O prefeito eleito incorre no mesmo equívoco,
o que pode se caracterizar como uma constante na sua forma de pensar. O
presidente da Fundema, seja ele quem for, deverá ser um profissional competente
que cumpra e faça cumprir a lei. Respeitando os prazos legais e concedendo ou
não as licenças correspondentes. Se “agilizar” está sendo colocado como
sinônimo de redução das exigências legais, amparado na sua liderança forte, é
uma afirmação perigosa. A gravidade aumenta se o que se pretende agilizar são
as “demandas”. Quais demandas? As de todos os munícipes que precisam dos
serviços da Fundema ou só dos que tem demandas específicas que exigem até mudanças
na legislação? Liberar licenciamento provisório é uma solução que agrada a quem
tem pressa e quer criar fatos consumados. O esforço e o ímpeto deveriam se
direcionar a reduzir prazos e exigências e para isso não é preciso uma
liderança forte é preciso competência, conhecimento e bom senso.
Curiosa à mudança de discurso do pré-candidato,
agora prefeito eleito. Se continuar mudando o discurso, vou começar a ficar com
medo do que poderá ser o discurso do prefeito depois de empossado.