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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O urbanismo escravagista

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Ao longo dos últimos dez anos venho acompanhando mais de perto a política de planejamento urbano de várias cidades brasileiras, e não somente de Joinville. A impressão que me passa - e reforçada cada dia mais - é que fomos escravizados e nem sabemos. Porém, ao contrário do que aconteceu em séculos passados, a população brasileira foi escravizada por um urbanismo que limita, impõe e regra a vida social em uma cidade.

Somos todos escravos de um sistema econômico baseado na indústria automobilística e imobiliária/incorporadora. Os maiores volumes de dinheiro não surgem mais da produção de bens manufaturados, mas sim das articulações realizadas com a propriedade fundiária nas cidades. Para ser mais claro, fomos escravizados pelo fenômeno chamado "especulação imbiliária", que, ao meu ver, cumpre o mesmo papel que o senhor do engenho cumpria na estrutura escravista e tem na indústria automobilística o seu "capataz".

Ao transformar "terra rural" em "terra urbana", "menos valorizado" em "mais valorizado", "longe" em "perto", "barato" em "caro", "fazendas unifamiliares" em "condomínios fechados", "zonas de moradia de trabalhadores" em "condomínios industriais", "zonas frias" em "zonas quentes" (sic!), "vizinhança de cemitério" em "vetor do crescimento imobiliário", "descaso com o meio ambiente" em "pogresso" de acordo com as suas necessidades, a cidade tem seu perímetro urbano aumentado, incentivando o espraiamento urbano e uma dificuldade de locomoção pela cidade. Logo, se está difícil se locomover, principalmente pelos modos coletivos (o poder público é legitimador deste processo, da mesma maneira que legitimou a escravidão), o cidadão é forçado a adotar um estilo de vida: o estilo do automóvel. E não tem outra solução para sobreviver economicamente em meio ao caos urbano. É isso, ou é isso (ou as chicotadas da estigmatização e marginalização)!

Deste modo, o sistema escravagista pós-moderno está montado: grandes periferias urbanas sem infraestrutura, pobres morando "longe", deslocamento infernal devido ao excesso de carros, especulação imobiliária ganhando dinheiro como nunca, e políticos comemorando um crescimento econômico excludente e que só servirá aos senhores do engenho (e a eles mesmos!). Nada é ilegal. Tudo é fundamentado em leis parciais (com pouca participação popular), em uma polícia violenta e em uma mídia que é amiga de todos (e patrocinada por estes), menos dos escravizados.

Talvez nem percebamos, mas fomos escravizados. E a cidade é a nossa senzala.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Entre ouvir e agir: qual o papel do poder público?

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Alguns comentários feitos no post do último "brainstorming" me trouxeram a necessidade de lançar o debate (e não esgotar por aqui) sobre o papel do poder público na sua tomada de decisões, as quais envolvem diretamente toda a população. Enquanto parte dos comentários defendiam que o gestor deve atender os interesses de seus eleitores (cidadãos com direito a voto, generalizando) outros lembravam que, com a democracia representativa, o Estado deve "julgar" o que é melhor ou pior para a população.

Coloco como ilustração da discussão o tema discorrido pelo autor do texto supracitado, a fim de facilitar o debate: como promover o uso da bicicleta e outros meios não-motorizados de locomoção se a população prefere usar o automóvel para seus afazeres diários? O gestor público, cercado por técnicos especializados (ou consultorias contratadas de forma conspícua), sabe que, para melhorar a mobilidade urbana de sua cidade, deve investir em medidas totalmente contrárias a vontade da maioria da população, como aconteceu em Bogotá-COL, por exemplo.

Mas, como absorver posturas parecidas a essas, a um passo de serem "antidemocráticas" (entre aspas mesmo), e promoverem um saber técnico em detrimento do saber local e todos os direitos garantidos em lei, como a participação na gestão urbana? Se as pessoas querem ruas asfaltadas, pontes, viadutos, grandes avenidas e demais infraestruturas que privilegiam o transporte motorizado, a "democratização das discussões" (ênfase para as aspas, novamente) será garantia de que o melhor sempre será feito?


Neste sentido, o Estado está inserido em uma problemática que é produto de uma desigualdade social. Por outro lado, somente evitando tecnocracias e mesclando o ato de ouvir os interesses populares com ações justificadas em estudos e proposições de nossos representantes, poderemos chegar ao que penso ser o verdadeiro papel do poder público em todas as suas esferas e setores (respeito todas as divergências filosóficas deste ponto). Porém, quem garante que, com uma gestão democrática, todos os grupos sociais participarão e escolherão as suas demandas em conjunto, buscando um consenso? Como as camadas mais populares irão sintetizar, arguir e pressionar (quando raramente participam) seus anseios na mesma qualidade que grupos de empreiteiros interessados sobretudo nas futuras licitações de pontes, asfaltamentos, etc? Além disto, como esperar que a participação popular não seja uma legitimação de interesses maiores, reproduzidos através de um poder simbolicamente e socialmente construído (relacionando ao tema do brainstorming, seria o "fetiche do automóvel")?

Infelizmente alguns discursos reproduzidos pela população são ideologias que servem interesses particulares, os quais tendem a parecer interesses coletivos – e únicos; formando assim, uma cultura dominante. Esta, por sua vez, contribui para uma união da classe dominante em torno de suas expectativas em comum (neste caso, os agentes tipicamente capitalistas que vêem na cidade suas fontes de renda) e para a legitimação da ordem estabelecida e das distinções sociais.

E em Joinville não é muito diferente...