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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Só a ciclofaixa não funciona

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Fonte: http://anoticia.rbsdirect.com.br/imagesrc/7255243.jpg?w=620
O acidente deste final de semana envolvendo automóvel e bicicleta no bairro Boa Vista me fez repensar algumas coisas, principalmente em relação à efetividade de uma ciclofaixa. Está cada vez mais claro que, diante de um conjunto de fatores, a ciclofaixa é enganosa, insegura, e não inclui o ciclista - só o expõe.

Até pouco tempo, acreditava na ciclofaixa como uma solução para amortizar o conflito existente entre bicicleta e automóvel. Acreditava também que ela era a solução mais barata, visto que os órgãos públicos possuem pouco poder de investimento. Pensava na ciclofaixa como o primeiro caminho para repensar o papel da cidade, abrindo espaço para os modos não-motorizados de transporte. Olhava para a ciclofaixa como uma maneira de abrigar os mais de 11% dos deslocamentos feitos por bicicleta na cidade. Triste engano, confesso.

Está muito claro que a ciclofaixa não dá segurança. Tachões e pintura diferenciada não impedem de um acidente acontecer. O ciclista, juntamente com o pedestre, não possuem condições de concorrer com o automóvel no mesmo espaço, devido à potência do motor destes. E cada vez mais as ciclofaixas estão ficando estreitas, desconexas, e longínquas das vias secundárias (perfeitas para eliminar o conflito intenso com os modos motorizados de transporte).

Precisamos parar de medir ciclofaixas pelos quilômetros, mas medir a quantidade de pessoas transportadas em segurança por dia. E se esta conta for feita corretamente, o déficit é enorme, considerando todos os fatores que ocasionam a sensação de insegurança da ciclofaixa.

O que resolve, então?

Primeiro, as utopias (pois está longe de aparecer algum Prefeito no Brasil que pense assim): adensamento urbano e criação de vias segregadas para o ciclista (as famosas e quase esquecidas ciclovias). Adensar a cidade significa se locomover pouco para os afazeres diários. Se a locomoção é curta, a bicicleta pode ser uma boa opção, pois é rápida, custa pouco, e é ambientalmente correta. Ou ainda: se a cidade é adensada, o transporte coletivo pode ser mais eficiente e incluir mais pessoas, eliminando a necessidade de se ter um carro, conforme já expliquei aqui, aqui e aqui.

Por outro lado, a realidade: tirar as bicicletas das principais ruas da cidade, "colocando-as" em vias secundárias e alternativas. Infelizmente, o automóvel domina a nossa sociedade, ainda mais uma cidade como Joinville, onde quase 1/3 dos deslocamentos são feitos por este modo de deslocamento. Não há como concorrer. O poder público, então, necessita pensar em formas diferenciadas para quem usa a bicicleta, e não apenas incentivando o conflito com um tachão de "anjo da guarda". Entre andar junto aos carros ou andar em vias com menos tráfego, com ciclovias e maior respeito, preferiria a segunda opção, sem dúvidas.

Enquanto uns pensam que "todo cidadão terá seu carro um dia", outros pensam que "a cidade será do cidadão um dia". De que lado você está?


segunda-feira, 18 de março de 2013

Não rebaixem o meio-fio!

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Está tramitando na câmara de vereadores de Joinville um projeto de Lei, de autoria do vereador Roberto Bisoni (PSDB), que pode alterar consideravelmente a relação entre pedestres e automóveis: o livre rebaixamento do meio-fio, para facilitar a entrada e saída de automóveis, sobretudo dos comércios. Graças a alguns vereadores e entidades representativas, o projeto só entrará em pauta novamente após uma audiência pública para discussão de tema.

A justificativa do projeto é simples, porém equivocada. Bisoni argumenta que, nos bairros, os pequenos comerciantes estão perdendo clientela. A lógica dele é a seguinte: o número de automóveis aumentou bastante nos últimos anos (quase 110% de 2002 a 2011, segundo o Detran); a malha viária continua praticamente a mesma; com ruas mais cheias, espaços de estacionamento diminuem; como a atual legislação veda o uso total da testada dos estabelecimentos, o cliente não consegue vaga nem na rua e nem na frente da loja (Fonte: CVJ).

É complicado presenciarmos mais uma vez as bizarrices que são propostas por parte do legislativo joinvilense. Esta visão retrógrada de urbanismo, a qual dá privilégios ao automóvel em detrimento de todos os outros modais de deslocamento em uma cidade, deve ser abolida. Querem dar prioridade ao automóvel também na calçada, lugar exclusivo do pedestre? Ainda prefiro ser mais radical, e propor a extinção do recuo (utilizado na maioria das vezes como estacionamento). Lugar de carro é na rua, e muito menos na calçada e/ou no recuo para estacionar. E ainda: quanto mais espaço der para o carro, mais carro teremos nas cidades. Neste momento me recordo do ex-prefeito de Bogotá, Henrique Peñalosa, que revolucionou em muitos aspectos a sua cidade, principalmente ao considerar estacionamento um "problema de ordem privada" e que não promoveria nenhuma vaga de estacionamento em lugar público (a rua), ou em espaço de uso misto (calçadas e recuos). O cidadão de Bogotá passou a deixar seu carro em estacionamentos privados, pagando caro por isso, e percebeu que a melhor alternativa seria o transporte coletivo.

Vamos ficar atentos a este projeto, e também a todos os posicionamentos que surgirão nas audiências ou reuniões internas das comissões em que este projeto tramitará. O que não surpreende, mas nem um pouco, é de onde vem a autoria deste projeto. Anos atrás este mesmo legislador propôs o fim de todas as praças e lugares públicos, para evitar "bêbados e drogados". Então tá.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O urbanismo escravagista

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Ao longo dos últimos dez anos venho acompanhando mais de perto a política de planejamento urbano de várias cidades brasileiras, e não somente de Joinville. A impressão que me passa - e reforçada cada dia mais - é que fomos escravizados e nem sabemos. Porém, ao contrário do que aconteceu em séculos passados, a população brasileira foi escravizada por um urbanismo que limita, impõe e regra a vida social em uma cidade.

Somos todos escravos de um sistema econômico baseado na indústria automobilística e imobiliária/incorporadora. Os maiores volumes de dinheiro não surgem mais da produção de bens manufaturados, mas sim das articulações realizadas com a propriedade fundiária nas cidades. Para ser mais claro, fomos escravizados pelo fenômeno chamado "especulação imbiliária", que, ao meu ver, cumpre o mesmo papel que o senhor do engenho cumpria na estrutura escravista e tem na indústria automobilística o seu "capataz".

Ao transformar "terra rural" em "terra urbana", "menos valorizado" em "mais valorizado", "longe" em "perto", "barato" em "caro", "fazendas unifamiliares" em "condomínios fechados", "zonas de moradia de trabalhadores" em "condomínios industriais", "zonas frias" em "zonas quentes" (sic!), "vizinhança de cemitério" em "vetor do crescimento imobiliário", "descaso com o meio ambiente" em "pogresso" de acordo com as suas necessidades, a cidade tem seu perímetro urbano aumentado, incentivando o espraiamento urbano e uma dificuldade de locomoção pela cidade. Logo, se está difícil se locomover, principalmente pelos modos coletivos (o poder público é legitimador deste processo, da mesma maneira que legitimou a escravidão), o cidadão é forçado a adotar um estilo de vida: o estilo do automóvel. E não tem outra solução para sobreviver economicamente em meio ao caos urbano. É isso, ou é isso (ou as chicotadas da estigmatização e marginalização)!

Deste modo, o sistema escravagista pós-moderno está montado: grandes periferias urbanas sem infraestrutura, pobres morando "longe", deslocamento infernal devido ao excesso de carros, especulação imobiliária ganhando dinheiro como nunca, e políticos comemorando um crescimento econômico excludente e que só servirá aos senhores do engenho (e a eles mesmos!). Nada é ilegal. Tudo é fundamentado em leis parciais (com pouca participação popular), em uma polícia violenta e em uma mídia que é amiga de todos (e patrocinada por estes), menos dos escravizados.

Talvez nem percebamos, mas fomos escravizados. E a cidade é a nossa senzala.

quinta-feira, 1 de março de 2012

O automóvel é a nossa vaca leiteira


POR JORDI CASTAN


É bom começar esclarecendo que “vaca leiteira” é uma expressão coloquial (significa geração de caixa) e que neste texto é usada de forma retórica. Ultimamente as pessoas andam com os nervos à flor de pele e se sentem interpeladas por qualquer tolice.

O carro é a vaca leiteira que sustenta uma parte importante da nossa economia pública, na outra ponta é preciso incluir os custos com a imobilidade, os investimentos necessários para construir duplicações, binários e elevados, o aumento dos custos no sistema de saúde para fazer frente aos acidentes de transito e a irreparável perda de jovens, que na flor da idade perdem a vida ou são mutilados em números que superam o de muitos países em guerra.

Cada vez mais o tema mobilidade está em pauta. Na verdade, quanto menor o nível de mobilidade urbana, mais o tema é debatido. Transporte público, elevados, bicicletas, ciclovias, faixas de pedestres é por aí afora são objeto de textos, debates e devaneios de uns e outros. Em comum, o fato de demonizar o automóvel e ver a sua expansão e aumento como um fato inevitável. Os maiores inimigos do carro se situam entre os ocupantes de cargos no poder público e os diretamente vinculados ao transporte coletivo, estes últimos por motivos óbvios.

É conveniente revisar alguns dados que podem ajudar a entender melhor esta situação em que, por um lado, se demoniza o carro e, pelo outro, se estimula a sua expansão e se trabalha para manter o maior nível de mobilidade individual. O carro é, no Brasil de hoje, uma vaca sagrada, de úberes fartos e generosos. Isso ocorre desde que se iniciou o irreversível sucateamento da malha ferroviária, para criar as condições propícias ao desenvolvimento do mercado rodoviário. Quando se fez a aposta de trocar um modal por outro, o Brasil tomou uma decisão estratégica: o tempo e os fatos têm se encarregado de mostrar o acerto ou não da decisão.

Hoje a nossa economia está atrelada ao carro. A arrecadação da própria prefeitura é dependente dos recursos originados pelo automóvel. O joinvilense paga mais de IPVA que de IPTU. O total arrecadado com IPTU em 2011 foi de R$ 67 milhões. O IPVA representou R$ 87 milhões e destes a metade fica no município e a outra vai para o Estado. Para ter noção de grandeza, os R$ 43,5 milhões que correspondem a Joinville são um valor maior que o empréstimo do BNDES, na cifra de R$ 40 milhões, que é apresentado como a solução para a maioria dos problemas de trânsito da cidade. Estas contas não incluem os valores arrecadados com multas, que estão na ordem de R$ 12 milhões ao ano, ou o ICMS que incide sobre o álcool, a gasolina e o diesel que os nossos veículos consomem e que representa outra parcela significativa das receitas públicas.


A equação mobilidade urbana versus imobilidade urbana precisa considerar outras variáveis além da visão simplista de ônibus X VLT ou bicicleta X carro. Implica um debate sobre o modelo de cidade e a implantação de um plano de mobilidade urbana que faça desta uma cidade mais eficiente, mais competitiva e preparada para o futuro.