Mostrando postagens com marcador planejamento regional. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador planejamento regional. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Plano de Mobilidade "express" e os erros do planejamento urbano de Joinville

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Depois de muitos anos pedindo (juntamente com dezenas de movimentos populares da cidade), e do Plano Diretor de 2008 determinar, o Plano Setorial de Mobilidade e Acessibilidade sairá do papel. Batizado de "PlanMob" (nome que remete à dissertação de mestrado do atual Presidente do IPPUJ¹), o estudo irá determinar a organização dos deslocamentos efetuados em Joinville, seja de pessoas ou mercadorias. A notícia, em um primeiro momento, pode ser maravilhosa. Entretanto, os erros do passado (os quais cansamos de alertar) prejudicarão todo o processo, podendo até anular o tom democrático que a Prefeitura de Joinville está impondo.

Anulará por alguns motivos, históricos e atuais, os quais fazemos questão de relembrar:

  1. O Plano Diretor de Joinville, aprovado em 2008, já pedia a elaboração deste plano. Desde lá passaram-se 6 anos e pouca coisa foi feita até esta semana;
  2. A pesquisa Origem-Destino, aplicada junto à população em 2010, corre o risco de estar defasada, pois de junho de 2010 (mês de execução da pesquisa) até maio de 2014, a cidade ganhou 76.513 veículos emplacados (segundo dados do Detran-SC) e a passagem de ônibus passou dos R$ 2,30 para R$ 3. É óbvio que os dados não correspondem à realidade;
  3. O Conselho da Cidade, eleito em 2013 após vários questionamentos judiciais pela sua natureza antidemocrática na composição dos delegados, tem, em seu núcleo principal, membros cooptados pelas principais entidades empresariais da cidade, articuladoras dos interesses dos setores imobiliários;
  4. A Lei de Ordenamento Territorial, discutida dentro do antidemocrático conselho prevê "faixas viárias", como já alertamos muitas vezes aqui no Chuva Ácida, sem estas estarem previstas ou planejadas em conjunto com um plano de mobilidade;
  5. O Plano Nacional de Mobilidade (lei 12587/2012) exige que os municípios tenham seus planos de mobilidade até abril de 2015. Como também já relatamos, não é nenhum "favor" ou "retrato de trabalho" da atual gestão. É uma imposição legal. Faltam 10 meses para o prazo estourar. 
  6. A tão propagada licitação do transporte coletivo não saiu do papel novamente. Os contratos com Gidion e Transtusa foram renovados após os incessantes avisos de que de nada adiantaria discutir licitação sem um plano de mobilidade. Sob risco de nova judicialização caso a licitação ocorresse sem a confecção do plano, a Prefeitura recuou. 
  7. O recuo da Prefeitura é estratégico: dá mais tempo para pensar sobre a licitação (até o momento o IPPUJ não sabe o que fazer em relação a este assunto) e abre um dito "debate democrático" com a população, anos após os pedidos dos movimentos populares. 
  8. Segundo o plano de trabalho apresentado pela Prefeitura nesta semana, estão previstas consultas públicas nos bairros de abrangência das oito subprefeituras. Apenas um debate por região para uma cidade de 520 mil pessoas, e durante jogos da Copa do Mundo em algumas delas. Se você não puder estar presente, tem um formulário no site do IPPUJ com respostas altamente tendenciosas, pois é fechado, ou seja, você não pode escrever o que quiser. Depois disto,haverá reuniões de grupos de trabalho, que terão apenas 10 dias para analisarem, e fazerem a leitura técnica da cidade inteira. Como especialista, este estudo demora cerca de 30 a 60 dias após as reuniões comunitárias. principalmente levando em conta o porte de Joinville. Soma-se ainda o fato de que haverá audiência pública, novamente uma por região, para validação das propostas apresentadas pela UFSC e grupos de trabalho. Ao fim, como "cereja do bolo", tudo vai para o antidemocrático Conselho da Cidade, para análise e alterações em longos 15 dias, quando tudo, infelizmente, sucumbirá perante as necessidades dos conselheiros, representantes - ou cooptados por - do capital imobiliário organizado da cidade.
Qual é o motivo de tanta pressa, após 6 anos de inércia? Se a Prefeitura (principalmente o IPPUJ) tivesse seguido as orientações dos movimentos populares, teríamos quase quatro anos para montar um processo efetivamente participativo, com amplo debate e prudência na tomada de decisões. Com a Lei de Ordenamento Territorial a Prefeitura se fechou, e com o Plano de Mobilidade quer fazer tudo às pressas, digna de transportadoras express. A cidade perde novamente, enquanto os interesses de poucos se sobressaem, como sempre.

¹ CONSTANTE, Vladimir Tavares. Bases para o Plano Diretor de transporte de Joinville : proposta de alternativas. 1 v. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Florianópolis, 2002.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Araquari para quem?

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A política desenfreada de espraiamento urbano da cidade de Joinville, implementada ao longo dos últimos cinqüenta anos, tornou a conurbação um processo inevitável aos olhos dos planejadores urbanos. Por mais que sejamos vizinhos de várias cidades,  uma em especial está se utilizando do crescimento econômico joinvilense: Araquari.

Adotando uma política fundiária esdrúxula, fortes renúncias fiscais e a integração socioespacial com Joinville (principal pólo econômico do estado) e a malha portuária (São Francisco do Sul, Itajaí e Itapoá), esta cidade tornou-se, nos últimos dez anos, uma das que mais aumentou o PIB no Brasil (369% de 1999 a 2008). A população também aumentou muito (55% nos últimos vinte anos). Recentemente, vários investimentos estão planejados para a zona sul de Joinville, ou na própria cidade de Araquari. O projeto da UFSC-de-um-curso-só, juntamente com parques industriais e aeroporto internacional foram atrativos que levaram a multinacional BMW a anunciar a instalação de uma fábrica por lá.


Acompanhando tantas mudanças, o prefeito reeleito, João Woitexem (PMDB), está preocupado com o planejamento da cidade. Os prefeitos das cidades vizinhas também. E, nesta semana, acompanho pelos jornais o desastre anunciado. A cidade de Araquari contratou uma consultoria especializada para um "planejamento estratégico".

A BMW vai auxiliar a Prefeitura de Araquari a estruturar seu planejamento estratégico de longo prazo. O município terá de se ajustar a uma nova realidade socioeconômica, a partir da chegada de indústrias de porte, complementa o secretário secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável Paulo Bornhausen. O prefeito João Pedro Woitexen já contratou a Pontifícia Universidade Católica do Paraná para fazer estudo sobre o futuro da cidade. (Coluna "Livre Mercado", Jornal A Notícia de 12 de fevereiro de 2013)
 É visível que a prefeitura de Araquari não está interessada em planejar a cidade, mas sim o crescimento econômico dela. Este novo démarche estratégico vêm devastando as prioridades sociais das agendas governamentais Brasil afora, e Araquari está sendo um exemplo bem claro disto. Tudo em prol de uma suposta competitividade: se em Joinville demoram para abrir empresas, aqui abrimos "na hora". Se lá não tem um Aeroporto decente, aqui nós doamos terrenos para grandes aeroportos. E a lista de itens competitivos é infindável. A cidade (e o desenvolvimento urbano), portanto, vira mercadoria. Uma mercadoria de luxo. Para quem?

A cidade é feita de pessoas, mas o "planejamento estratégico" é feito para poucos. Como qualificar a infra-estrutura de Araquari para a maioria da população, que nem possuiu esgotamento sanitário na maioria das vias públicas? Por que pensar em aeroportos, multinacionais, economia a todo vapor... se o problema da cidade é outro? Acompanhamos mais um exemplo clássico de confusão do que é crescimento econômico e do que é desenvolvimento urbano.

O "planejamento estratégico" sublima qualquer intenção da sociedade na participação da tomada de decisões. Instaura, por sua vez, o poder de uma nova lógica, com a qual se pretende legitimar a apropriação direta dos instrumentos de poder público por grupos empresariais privados (e o pior: grupos multinacionais). E podem apostar: um dos itens mais importantes desta nova lógica será a região metropolitana. Se isso acontecer, a tragédia urbana estará com dias contados para se iniciar.

PS: para os interessados neste tema, vale a pena a leitura do texto "Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano", do Professor Carlos Vainer (UFRJ).

terça-feira, 12 de junho de 2012

O falido planejamento regional e a repetição de um filme


POR CHARLES HENRIQUE VOOS


Nos últimos anos estamos acompanhando o crescimento acelerado das cidades vizinhas a Joinville, como Araquari e Itapoá. Além do aumento populacional, estas cidades estão absorvendo atividades econômicas de grande impacto, usando-se do poderio que a cidade de Joinville tem como pólo regional. Infelizmente, nas últimas décadas, não estamos falando a mesma língua, e a questão regional corre um sério risco de se tornar um caos regional.

Por mais que exista a AMUNESC (Associação dos Municípios do Nordeste de Santa Catarina), cada Prefeitura tem a sua própria linha de atuação. Umas atraem empresas abertamente, crendo cegamente que a instalação de indústrias é sinônimo de qualidade de vida. Outras atraem atividades sem nenhuma análise de impacto nas cidades vizinhas. O que importa é trazer. Entretanto, por qual preço? Todos sabem que instalar uma empresa nas cidades vizinhas a Joinville é muito mais fácil e lucrativo (devido ao valor da terra extremamente baixo) e cada vez mais Joinville está se espraiando para essas regiões. Joinville e Araquari não eram ligadas há 15 anos da mesma maneira que são hoje, por exemplo.

Devido a este processo de conurbação, a Prefeitura de Joinville precisa levar toda a infraestrutura até as áreas limítrofes com seus vizinhos. O custo que é caro para “mim”, é consequência da ação desenfreada “deles”, a qual, por sua vez, é fruto  da falta “nossa” falta de diálogo. Cabe a Joinville liderar esse processo. Mas, em uma cidade que mal consegue dar jeito em seu planejamento “intraurbano”, como conseguirá ditar alguma diretriz de ocupação para a região? E mais: as cidades vizinhas parecem não querer crescer de forma conjunta, pois o clima é de competição para a atração do maior número possível de empresas, principalmente entre as menores.

O cenário infelizmente é desanimador. Por mais que cresçamos economicamente, todos os absurdos vividos na cidade de Joinville nas décadas de 1950 a 1990, enfrentaremos no contexto regional. Sinceramente, não quero que Araquari seja para Joinville o que Colombo é para Curitiba, ou que Garuva e Itapoá não sejam para Joinville o mesmo das cidades satélites do Distrito Federal para Brasília: cidades dormitórios, com moradias de baixa qualidade, sem infraestrutura e detentoras de altos índices de violência.

É uma nova pauta, e muito pouco discutida (por mais que haja uma Câmara Setorial para tratar deste assunto no Conselho da Cidade de Joinville). Precisamos tomar um novo rumo nestas discussões, visando a qualidade de vida e não apenas o crescimento econômico, pois estaríamos cometendo o mesmo erro do século XX. Há muitos anos, perguntávamos sobre qual cidade queríamos no futuro. Agora a pergunta deve ser “em qual região viveremos?”