AUDIÇÃO
O dia mal amanhece e não é preciso despertador. O silêncio
de uma longa noite de sono é quebrado pelo canto estridente, quase metálico, da
Aracuã, anunciando o novo início. Em
seguida, ouve-se o barulho de algum cortador de grama e o zumbido quase
ininterrupto dos Vaps, funcionando a todo o vapor.
Cabrum! Alguém corre para dentro de casa, não sem antes
recolher a roupa que está no varal. É a
chuva que chega forte, escorrendo pelas calhas, e, logo, alguém exclama:
Éééééégua! Meu Senhor! Deste jeito vamos virar sapos!
Para o alento de todos, a chuva torrencial passa, e seu som
é suavemente substituído pelo canto dos canários-da-terra e sabiás.
OLFATO
Emerge o cheiro de terra molhada, de ar fresco pós-tempestade e a sensação de conforto ocupa seu espaço.
É hora de arejar a casa, pois tudo cheira a mofo. Ao colocar as
almofadas pra fora, alguém machuca o dedo com uma farpa de madeira do sofá, ou,
um pai, acidentalmente se corta ao fazer a barba. E a mãe recomenda: passa
Minâncora! O agradável odor canforado inebria e, imediatamente, remete à
adolescência, quando a tradicional pomada era usada para secar espinhas. Ou à
infância, quando aplicada em assaduras. Mas há um odor, nada agradável que predomina e faz plano de
fundo para quem mora perto: o do Rio Cachoeira. E quando ouço os antigos dizerem
que nem sempre foi assim, alimento a esperança de que mais agradáveis ares virão.
TATO
O pé está molhado dentro do sapato. E há também um pouco de
lama. Os desavisados, que desconhecem o efeito das marés altas em dias de
chuva, têm água até os joelhos. Em pleno centro da cidade! Não há como desviar
de tantas poças d’água no caminho. Uma toalha é oferecida para secá-los. Úmida.
Se o calor asfixiante do verão traz as picadas de butucas e maruins, e também
dos borrachudos (haja repelente!). Abre a temporada dos refrescantes banhos de
rio, nos Quiriris e Piraís deste pedacinho de Mata Atlântica.
PALADAR
Em uma casa, alguém está comendo bolachas de melado. Em
outra, o café da tarde é reforçado. Com bolinhos de banana ou pão de batata
com nata e schmier. Nas noites de verão
tem caranguejo. Nas de inverno sopa preta. Em todas as estações têm chope,
rollmops e hackepeter. E nada como um Mayerle Boonekamp para ajudar a digerir
tudo isso!
VISÃO
Com os olhos fechados, enxergo. Para quem só acredita olhando,
esta é a cidade das orquídeas, das bromélias e da florada do jacatirão em
novembro. Onde se veem mangues e
sambaquis. Contornada e protegida pelos morros. E, de cima de um mirante, pode-se avistar o
mar. Cidade das casas com estilo enxaimel. E também das bicicletas. Para o
regozijo de todos os meus sentidos, já sei onde estou. Posso sentir. Estou em Joinville.
Gostei muito.
ResponderExcluirObrigada, Felipe!
ExcluirQue lindo o texto.
ResponderExcluirFiquei com saudade da minha(nossa) cidade.
Bjos.
Que bom, Fernanda! Quem sabe assim vens nos visitar? Hehe!
ExcluirMuito bom Amanda, mas como as percepções são múltiplas, e dependem de quem as sentem e do ambiente que se situam, permita-me escrever uma Joinville em cinco sentidos 2:
ResponderExcluir- audição: o dia começa com uma carreta da transportadora ao lado fazendo um barulho ensurdecedor e tremendo todo o quarto, como se estivesse de baixo da cama.
- olfato: o dia começa com um cheirinho de metal queimado da ferramentaria da outra quadra; termina com a fumaça da vizinhança queimando lixo e folhas.
- tato: onde quer que passe a mão, uma camada diária de poeira e fuligem se deposita sobre os móveis, fruto da terraplanagem de um terreno próximo e da fumaça dos carros e onibus.
- paladar: recupero este sentido quando consigo fazer alguma coisa a noite para comer ou o velho churras do fim de semana, pois durante a semana a comida a quilo da rua ou do refeitório da empresa me dão náuseas.
- visão: acho que me tornei daltonico, e assim com uma vaca só consigo ver em torno de casa a cidade em tons de cinza do cimento por falta do verde, ou marrom cor de barro do morro atrás de casa despencando.
Desculpe o pessimismo, mas é o meu realismo.