quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Sem Dilma, com Temer. E agora?



POR CLÓVIS GRUNER

É mais fácil, cômodo e, a essas alturas e a depender de qual “lado” se está, talvez seja mesmo necessário, acreditar que a agora ex-presidenta Dilma Rousseff caiu não pelos seus erros, mas pelos acertos de seu governo. Esse discurso tem sido repetido, quase à exaustão, desde que o processo contra ela foi instaurado, antes mesmo da vergonhosa votação na Câmara dos Deputados, em maio, que culminou com seu afastamento. Fácil, cômodo, necessário até. Mas equivocado.  

Diferente de parte da oposição de esquerda aos governos do PT – no plano institucional, o PSTU basicamente –, para quem os últimos 13 anos foram uma sequência de equívocos a justificar o “Fora Todos”, acredito que há aspectos positivos da experiência petista. A diminuição da pobreza é um deles, talvez o principal: mesmo que tímidas ante uma estrutura que ao longo de décadas promoveu, sustentou e reproduziu uma desigualdade violenta e perversa, as políticas públicas implementadas pelas quatro gestões na última década são, a meu ver, a principal herança dos governos do partido. E justamente por isso não podem ser responsabilizadas pela derrocada petista.

Ainda que uma precária ascensão de setores menos favorecidos à sociedade de consumo tenha, de fato, incomodado setores das elites e da classe média, Dilma não caiu porque a “casa grande” não suportou ver a “senzala” emancipar-se. Não foram os acertos, insisto, que cimentaram o caminho até o impeachment. Dilma e o PT caíram pelos seus erros, muitos e variados. No plano institucional há, entre outros, as inúmeras denúncias de corrupção; as alianças escusas firmadas para garantir a governabilidade; o balcão de negócios instituído em troca de apoio parlamentar; e o verdadeiro estelionato eleitoral que foi apresentar um programa em 2014 que nunca pretenderam cumprir.

Em grande medida, as escolhas e a conduta institucionais corroboraram para um crescente e cada vez mais naturalizado afastamento do governo petista das pautas e demandas que são, historicamente, caras às esquerdas. A ascensão de Kátia Abreu à condição de aliada e defensora incondicional de Dilma é emblemática desse movimento pendular que aproximou o governo dos grupos e setores mais conservadores. Uma aproximação, no entanto, que começou bem antes de Dilma: José Alencar não foi escolhido para ser vice de Lula apesar de seu perfil religioso, mas justamente por isso. Foi Lula também quem primeiro tomou a decisão de fazer partilha do governo com setores neopentecostais, se aproximando de Edir Macedo e da Igreja Universal do Reino de Deus. Parece muito, mas é pouco e não é só. 

Há ainda, e por exemplo, a indiferença com que foram tratadas as demandas LGBTs (“Não aceito propaganda de opções sexuais” foi a justificativa de Dilma em 2011, quando proibiu a distribuição nas escolas do que os grupos evangélicos, naquele momento seus aliados, chamavam de “kit gay”) e feministas (“Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família”, afirmou a mesma Dilma lá em 2010). Mas há também a subserviência aos grupos de comunicação; a criminalização dos movimentos sociais, culminando com a assinatura da “Lei anti-terrorismo”; e as “polícias pacificadoras” que, entre outras coisas, ainda não nos responderam onde, afinal, está Amarildo?

A guinada não foi à esquerda – Como disse anteriormente, um dos resultados do percurso apenas sumariamente descrito acima, foi o enfraquecimento, dentro e fora do governo, dos grupos, pautas e demandas dos setores de esquerda. Tendo pouco a oferecer, eles passaram a exercer um papel coadjuvante em um roteiro protagonizado por quem tinha principalmente votos. E de preferência algum dinheiro. Não houve golpe, entre outras coisas, porque o processo que resultou no impeachment foi urdido desde dentro do governo, por partidos e políticos que eram aliados de Dilma e do PT, sua base de sustentação no parlamento e com quem, justamente, o governo negociou alianças e apoio até o limite do possível. 

O governo Dilma perdeu em um processo, sabe-se, que nada tem de jurídico. E à medida que a Lava Jato fugia ao controle e avançava sobre outros nomes que não os suspeitos de sempre, seu poder de barganha enfraqueceu: entre cargos em uma gestão que, virtualmente, já havia acabado, fragilizada também por uma calculada exposição midiática, além de uma crise econômica sem precedentes na curta duração, e a possibilidade de se livrar da cadeia, venceu a segunda. Convenhamos, a escolha não era difícil. Venceram o PMDB, Eduardo Cunha e Michel Temer.

Síndico de um condomínio cujo único interesse é a garantia da impunidade, portanto, Michel Temer é o líder de um governo não apenas ilegítimo, mas criminoso. O que vimos ontem no Senado não foi a vitória de um golpe de Estado, mas algo sem dúvida violento e perverso: a consolidação de uma estratégia política criminosa que atentou contra a democracia, fragilizando-a ainda mais, para acobertar e encobrir a enormidade de falcatruas em que estão metidos os políticos brasileiros, inclusive e principalmente os principais líderes da base aliada do agora presidente Michel Temer. Nesse sentido o impeachment, longe de ser o anúncio de uma “nova era”, é a maneira pela qual a velha classe política não apenas pretende retomar o controle do país, mas escapar da cadeia.

E ela tem pressa. Inelegível, Temer não concorrerá à reeleição em 2018 e a situação, tampouco, tem um nome forte a apresentar como alternativa. A agora oposição, por sua vez, já articula pelo menos três potenciais candidaturas: a de Ciro Gomes, Marina Silva e Lula. Mas essa não é a única dificuldade de Temer, que assume o governo em meio a uma dupla crise, política e econômica, além de amargar índices de aprovação baixíssimos, os mesmos de Dilma e do PT depois de 13 anos de governo. Acrescente-se a isso o fato de 62% dos brasileiros, segundo pesquisa realizada em abril, preferirem a convocação de novas eleições ao impeachment da então presidenta e a posse do vice, e há mais que o suficiente para temer o futuro próximo – com o perdão do trocadilho.

Na prática, temos desde ontem um governo que chega ao poder não apenas passando por cima de 54 milhões de votos mas, ele mesmo, sem respaldo popular (Temer, afinal, foi eleito para ser vice). Sem respaldo e sem compromissos outros que não com aqueles que garantiram sua mudança para o Palácio do Planalto. Michel Temer tem pouco mais de 24 meses para pagar suas muitas dívidas com os grupos, interesses e partidos que o apoiaram, e seus primeiros movimentos ainda como interino deixaram claro que ele pretende quitá-las. À frente de um governo ilegítimo, criminoso e sem respaldo eleitoral e popular, de duas coisas podemos ter certeza: seus credores não deixarão de cobrar a fatura. E ela será alta e amarga.

15 comentários:

  1. “...acreditar que a agora ex-presidenta Dilma Rousseff caiu não pelos seus erros, mas pelos acertos de seu governo.”

    É sério? Acredita mesmo nesta frase? Pior recessão em mais de cem anos.

    “Ainda que uma precária ascensão de setores menos favorecidos à sociedade de consumo tenha, de fato, incomodado setores das elites e da classe média,”

    Mas essa frase é de um mau-caratismo... Porque diabos alguém se sentiria incomodado pela ascensão do outro? Que mentalidade de girico para tentar explicar a derrota na distribuição de renda exclusivamente baseada na venda de commodities cujos os preços variam no mercado, ao invés da desburocratização das leis trabalhistas e a possibilidade de emprego e renda à população. Ou seja, um crescimento sustentável e não artificial?

    Claro! Dilma acertaria se fechasse o congresso, chamasse os companheiros de guerrilha, mandasse prender os setores conservadores que não a agradam e criasse um Estado Fascista.

    “Venceram o PMDB, Eduardo Cunha e Michel Temer.”

    Sim, Eduardo Cunha corre o risco de se safar graças a Dilma. Foi ideia da ex-presidente mandar, através do seu advogado, Eduardo Cardozo, a proposta de fatiar a Lei que rege o impedimento, votando pela cassação do mandato e pela perda dos direitos políticos: por quê? Será que Dilma está com medo de ter de enfrentar Sérgio Moro e responder pela ingerência da Petrobras quando ela foi ministra de minas e energia e presidente da estatal? Será que Dilma pensa em angariar uma vaguinha numa secretaria qualquer de estado com o consequente foro privilegiado? Acontece que, se valeu para ela, pode valer para Eduardo Cunha (não valeu para Collor!), dois pesos, duas medidas? O petista Lewandowski terá muito o que explicar para os seus colegas de toga, inclusive sua interpretação do português.

    “Temer não concorrerá à reeleição em 2018 e a situação, tampouco, tem um nome forte a apresentar como alternativa.”

    A situação tem vários nomes para apresentar como alternativa: Henrique Meirelles, José Serra (meu candidato em 2010), Ronaldo Caiado (meu candidato em 2018), Geraldo Alckmin, Aécio Neves... Quero ver quem o PT vai apresentar depois que Lula (o centralizador!) estiver no xilindró...

    “Na prática, temos desde ontem um governo que chega ao poder não apenas passando por cima de 54 milhões de votos mas, ele mesmo, sem respaldo popular (Temer, afinal, foi eleito para ser vice).”

    Não. Temer foi eleito “como Vice”. Temer teve os mesmos 54 milhões de votos de Dilma (inclusive o seu). O governo de Temer é legítimo, é tão criminoso quanto foi o da Dilma e o respaldo popular é dado pelo alívio da população em ver Dilma (a arrogante e despreparada) e toda corja (Boulos, Stédile, Lula, UNE, MST, MTST, CUT) de chupins distantes do governo.

    Eduardo, Jlle

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    1. "Pior recessão em mais de cem anos."

      Fonte?

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    2. Fonte?
      Digita "Maior recessão da história do Brasil" no Google, escolhe qualquer um: Folha, Exame, Valor, UOL, IstoÉ, Época, etc.

      BOA LEITURA!

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    3. Eduardo tem problemas cognitivos. Abriu o seu texto atribuindo uma afirmação ao autor, sendo que o autor baseia o seu texto em desconstruir toda essa ideia.

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    4. L. S. Alvez, não é cognitivo. É de caráter mesmo.

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    5. "Eduardo tem problemas cognitivos. Abriu o seu texto atribuindo uma afirmação ao autor, sendo que o autor baseia o seu texto em desconstruir toda essa ideia."

      Ah, vá!
      Não são problemas cognitivos, acabei de descobrir que sou um gênio.

      Eduardo, Jlle

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  2. Eles fizeram tudo para evitar a cadeia. A Lava Jato vai acabar, e o cunha não será cassado. Mas, pelo menos tiraram a Dilma.

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    1. Deixa eu ver se eu entendi: tem 100 ladrões e só prende um, justamente aquele você não gosta e nem sabe se fez algo realmente de errado (mas tem amigos que você não gosta). É isso mesmo que você está apoiando com esse "pelo menos"?

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    2. Zorak, parece que eles continuam sendo milhões de Temer. E até sentem uma pontinha de satisfação com isso.

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    3. Francisco às vezes me perco em ironias. Você está sendo irônico ou acredita mesmo que isso tenha sido uma coisa boa?

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    4. Mi mi mi chola, chola mais pla dilmãe escutar a voz rouca do bebezinho....

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    5. Alvez, eu não tenho dúvidas que sim. Em nenhum momento, nenhum, o problema desses caras foi a corrupção.

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  3. Pois é... E nada sobre a Constituição ser ragada com anuência do presidente do STF ao fatiar a Lei que define os rumos do impichado... Mas daí o Renan é bondoso e o resultado teve chancelaria do STF...

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    1. Algo me diz que isto foi pensado em causa própria. Assim os senadores abriram um precedente para eles mesmo se livrarem de punições futuras.

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    2. Alves, essa é uma leitura. Imagine a partir de agora os processo de cassação que correm, por exemplo, contra Cunha, na Câmara dos Deputados: com um precedente desses, ele perde o mandato de deputado federal em um dia pra concorrer a vereador no Rio de Janeiro, onde tem muitos amigos, no seguinte.

      Mas há outra possibilidade, e que não exclui essa primeira aliás, e que tem muito a ver com a postura do PT ao longo de todo o processo: gritava "golpe" de um lado, mas negociava com os "golpistas" de outro.

      Particularmente no caso do abrandamento da pena de Dilma, saiu ontem uma nota interessante no blog do Josias de Souza, do UOL, cujo link segue abaixo. Acho que pode interessá-lo:

      http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2016/09/01/avisado-lewandowski-preparou-se-para-manobra-que-suavizou-punicao-de-dilma/

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