quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Eu era feliz e não sabia


POR AMANDA WERNER


“Quando eu era criança, não tive Blackberry, Iphone, Ipad, eu brincava de esconde-esconde, polícia e ladrão...” Você já leu este texto na internet? Não precisa ver na internet. Costumamos ouvir em outros canais observações semelhantes: antigamente era melhor. O que, para alguns, é quase um mantra.

Há muitas pessoas da minha idade venerando as músicas dos anos oitenta – melhor fase da música! Como alguns o dizem. E, presos à vitrola do passado, ouvem as novas músicas já na defensiva, sem se permitir gostar.

Outros afirmam que vivíamos com mais qualidade antes. E fico aqui me questionando, como poderia uma vida repleta de preconceitos de todo o tipo, desigualdade racial e entre sexos, uma vida sem internet, e nem ar condicionado, ser melhor do que a que vivemos hoje?

As pessoas eram mais felizes? Não sei, hoje existe o Prozac. E antes, não tenho certeza de que a depressão era tão facilmente detectada, e nem se havia tantos recursos para o tratamento.

Parafraseando Paulo Leminski, morria-se praticamente de tudo. E tudo era melhor antigamente?

Mas o que nos faz olhar o passado com lentes de algodão-doce? Talvez estejamos misturando o conceito de melhor com memória afetiva. É muito fácil associar a juventude, onde tudo era novo e belo, com a música que estava tocando no momento, ou com a época política que o país atravessava. Mas estar preso à lembranças bonitas, ainda significa que você está preso.

O mundo não era um lugar melhor antes. O risco de acharmos que nada supera o que já passou, é que este pensamento pode influenciar fortemente a maneira como tomamos decisões e passamos os nossos dias. E, nos aprisionando no passado, negamos a plenitude que a vida nos oferece.

Não é errado nos lembrarmos com carinho do que já passou. Mas não significa que o que passou é o melhor. Boas coisas já foram feitas, mas inúmeras outras virão. É só se permitir. E, como já disse um autor desconhecido: feche a porta, mude o disco, limpe o armário. Deixe de ser quem era, passe a ser quem é.

17 comentários:

  1. Amanda

    Muito boa a sua reflexão. Também inúmeras vezes me deparo com situações semelhantes, e às vezes até me pego sendo nostálgica, o que acredito ser natural do ser humano.
    Mas certamente olhar para o mundo com o coração aberto e acreditar que o momento bom é o dia de hoje é a melhor forma de se viver, pois o que passou não tem mais volta, e o mundo esta aí, cheio de novidades, descobertas evoluções, que sem dúvida representam um avanço cientifico e tecnológico que nos trouxe inúmeras comodidades. Sinceramente não consigo me imaginar sendo mais feliz sem a internet, o micro-ondas, o celular, e tanto outras coisas mais.....
    O futuro disso tudo, ninguém sabe, mas certamente quem olhar para trás daqui 30 anos, vai pensar, “ O época boa aquela”!

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  2. Creio que o significado de nostalgia é intrínseco ao humano, recordar faz bem. Recordar não é se aprisionar, mas sim fazer jus a algo que o individuo considera significativo e não nos condiciona ao negativismo perante a contemporaneidade. O que é importante ressaltar é que hoje as relações humanas se transformaram, os modos de vida passados não se caracterizam da mesma forma que hoje - vivemos a era da "modernidade líquida" como diz Bauman, especificamente se considerarmos o contingente populacional e o avanço tecnológico. Se existe o Prozac, é porque novas demandas surgiram, a vida moderna é cheia de contradições, e estas é que nos fazem remeter a ideia de que o passado era melhor. O importante é termos compreensão de como opera a sociedade e valorizarmos as contribuições em termos de "construção" do agora, sem deixar de dar o real significado ao que já foi produzido - isso em vários contextos (político, artístico, científico, cultural etc; sem perder a percepção que estamos em contante transformação.

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  3. Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida. Fernando Pessoa by Ácido

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  4. As marcas emocionais nos levam a esta gostosa nostalgia!!!

    Reunir os amigos(os quais o tempo não levou) e relembrar:
    dar risadas das dificuldades,das traquinagens,dos primeiros amores,do único par de tênis que ia do trabalho de segunda a sexta e depois no sábado para a pós graduação.

    Termos sido vencedores nesse caminho da vida adulta e que não se finda ao atingirmos uma meta,mas avança para outras faces.

    Penso que a felicidade vai se alternando em momentos
    e ficamos exigentes com o passar dos anos.
    É como olhar fotografias de anos atrás,aquelas ainda do tempo em que se levava filme para revelar,e ver como estamos melhorados...

    Gente o poeta já cantava:
    "viver e não ter a vergonha de ser feliz
    cantar e cantar e cantar
    a beleza de ser um eterno aprendiz...
    e a vida ela é maravilha ou é sofrimento?
    ela é alegria ou lamento?
    o que é ? o que é ? meu irmão..."

    Todo dia é um novo dia!!!

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  5. Ontem à tarde, olhei para trás e vi:
    Os pedaços de mim que deixei pelo caminho.
    Aquilo que um dia era meu e não me pertence mais:
    Uma camisa xadrez, um vinil antigo, um amigo sozinho...
    O cheiro do passado que o vento agora me traz.

    O futuro que tinha pela frente vai ficando pra trás
    E os pedaços de mim que deixei pelo caminho
    Fazem falta nesse eu que me sobrou...

    Sinto a perda do tempo livre gasto comigo
    Pensando o futuro que já chegou
    Deitado na cama ouvindo uma canção
    Construindo na mente aquilo que sou.

    “Desenho toda a calçada
    Acaba o giz tem tijolo de construção.
    Eu rabisco o sol que a chuva apagou...”

    De tudo isso que deixei pelo caminho
    Do que sinto mais a perda hoje em dia
    Não são das canções velhas gravadas do rádio
    Ou dos velhos amigos gravados na memória
    Mas daquilo que escreveu a minha história
    E que me seguia em tudo o que eu fazia
    Do que sinto mais falta, meu amigo, realmente,
    É da presença da minha poesia.

    O dia passa mais rápido a cada dia
    Não tenho tempo para refletir...

    Vou virando a página sem ler
    Vou comendo sem engolir.
    Vou olhando sem ver
    Vou escutando sem ouvir.

    Nessa indiferença acabei perdendo o que eu tinha:
    O primo mais querido, a tolerância, a compaixão.
    O coração acelerado quando via minha gatinha
    O amor eterno que acabou com o verão.

    E nessa rotina de homem adulto
    Não tenho tempo nem de olhar para trás
    Mas quando olhei ontem e tive a epifania
    Percebi que não me restou sequer um salvo-conduto
    Pois não se resgata o que não lhe pertence mais
    E não se perdoa quem perde a poesia.

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  6. Nossa gente, sem palavras! Devo ter conseguido me fazer entender. Muito feliz com o nível de todos os comentários, teve até Bauman e essa magnífica poesia! Esse blog fica a cada dia melhor, com a contribuição de vocês! Obrigada!

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    1. Amanda. Que bom. Isso quer dizer que nem tudo está perdido. Parabéns pelo texto. Muito lúcido. A poesia eu já tinha pronta. Apenas aproveitei o mote....
      Um abraço,
      André.

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    2. Amanda,

      Pensar, refletir e contestar a realidade nos faz bem, nos mantém vivos. Ainda bem que existem os grandes pensadores, não só os clássicos, mas os contemporâneos como: Bauman, Teouraine, Hobsbawn etc; para ilustrar e manter vivo nosso pensamento.

      Abraço,

      MCS

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    3. Acho que te conheço MCS. Deve ser a mesma pessoa que me introduziu o Bauman. E tantas outras coisas. Beijão!

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    4. Amanda,

      Acho que não...nunca nos vimos pessoalmente.

      Como somos mulheres, mando saudações femininas também:))

      Beijos:))

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    5. Anônima, então a coincidência é muito grande. MCS são as iniciais do nome da minha madrinha, que foi a primeira pessoa que me recomendou a leitura de Amor e outros "líquidos" de Bauman. E a forma como escreves, é parecidíssima com a dela. A indicação de outros pensadores contemporâneos então... De qualquer forma obrigada pela leitura e comentários, e também por me fazer lembrar da minha querida madrinha MCS.
      Beijão!

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    6. Pois agora... o mundo é cheio de coincidências mesmo...
      Gostei do Blog, e dos temas que trata. Parabéns pelo trabalho de todos vocês, descobri pela internet e achei interessante, pena que não encontrei algo parecido na minha região litorânea.
      Quem sabe sua madrinha é do mesmo campo de estudos que o meu: Ciências Políticas e Sociais.

      Um beijo pra você!
      Ps. agora digo meu nome: Monique.

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  7. Perdão, quis dizer: Ciências políticas e sociais.

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  8. Realmente, sob esta ótica, amiga, vc está completamente certa.
    Mas a sensação que temos de que "antigamente era melhor" não é apenas de nostalgia sentimental.
    Antigamente não debatíamos sobre meio ambiente, sustentabilidade e afins, com o intuito de melhorarmos o planeta em que vivemos. Não por falta de necessidade, mas por falta de visão no futuro.
    As informações hoje nos chegam em segundos com a maravilha da tecnologia, que nos faz viajar e conhecer coisas e lugares que nunca imaginamos que seríamos capazes.
    Só que como tudo nessa vida, existem os pontos negativos.
    Nunca se falou tanto em falta de segurança pública, e isso assusta.
    E ao lembrar, saudosamente, da possibilidade de brincarmos na rua com nossos vizinhos e amigos, sem preocupações, remete ao pensamento de que "a infância de ontem era melhor que a de hoje".
    C'est la vie!

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