quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Outra vez o racismo

POR ET BARTHES

É ficção. Qualquer semelhança com personagens reais será mera coincidência.



“i”- “di”- “o” - “ta”

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A torcedora do Grêmio que chamou o goleiro Aranha de macaco é racista. Ponto final. É um fato captado pelas câmaras de televisão e não permite atenuantes. Não permite? Como sempre repito, no Brasil tudo o que é proibido é moderamente tolerado. E o caso ganhou contornos ridículos, porque houve muita gente a tentar “branquear” (a palavra é proposital) a imagem da moça.

Ora, há pessoas a dizer que, afinal, ela não é tão racista. Tive mesmo o desprazer de encontrar uma pessoa - torcedora do Grêmio, mas supostamente esclarecida - a defender que não foi um ato de racismo, mas um arroubo da juventude. É um daqueles absurdos que só se respondem com outro absurdo. E apliquei a Lei de Godwin (se não sabe o que é, a Wikipedia traz um verbete) para acabar logo com a discussão.

O gesto da moça não tem a ver com a idade ou o calor do momento. É racismo. É ignóbil. É escroto. É só olhar para a foto - essa que publico aqui - e ver que ofender o goleiro foi  uma questão de escolha. Enquanto a moça se esguela a repetir a palavra “ma”-”ca”-”co”, a loira do lado, que parece ter a mesma idade, permanece em silêncio. Aliás, sem ser um especialista em leitura de feições, parece que está incomodada.

Mas o absurdo só tende a piorar. E não é que tem gente da imprensa à espera de um encontro entre Aranha e a torcedora racista? Mas a ideia não é discutir o tema racismo de forma séria. O que se pretende é produzir um espetáculo, levantar as audiências. Uma música dramática, uma lagriminha no canto do olho, um abraço entre o goleiro e a torcedora. E pronto. O Brasil chora com a reconciliação. Não há mais racismo.

O bom nesse episódio é que Aranha não topou. Porque há o risco - ridículo, volto a repetir - de se desenhar um quadro invertido. A mocinha ainda acaba por se tornar heroína. E, se bobear, o goleiro ainda acaba virando o vilão dessa história. Enfim, mantenho a minha posição de primeira hora: aos racistas, sejam mocinhas simpáticas ou não, o rigor da lei. Sem contemplações.

É como diz o velho deitado: “i”- “di”- “o” - “ta”.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

O Estrangeiro e as Clandestinas


POR CAROLINA PETERS


A “Menina Zero” (M.O.).

Por esses dias eu lembrei uma história triste na qual há muito não pensava.

Era adolescente, época em que explodiu a onda dos Fotologs – uma espécie de instagram rudimentar, um tanto mais próxima dos blogs, que se iniciavam no mesmo período. Estudava em um colégio católico bastante tradicional, líamos Capricho, namorávamos “sério” e nunca falávamos sobre sexo. Começamos uma semana chuvosa com a notícia da morte de uma menina um ano mais velha que eu. Não a conheci pessoalmente nem lembro seu nome, mas era muito amiga de amigas minhas, o que tornou a morte mais próxima. O laudo oficial falava em “infecção generalizada”.

Foi uma história conturbada, daquelas que com o passar dos anos se tornam quase lendas urbanas e que nos dias que seguiram o velório levantou inúmeras conspirações pelos corredores. Diziam as amigas que ela tinha um namorado problemático, falavam em drogadição. Não sei quem era, se era mal sujeito, ou se não gostavam dele porque não fazia parte dos nossos círculos. O pai da menina morrera dias antes, um ataque cardíaco fulminante. Era jovem ainda, não devia ter cinquenta anos. No dia do enterro, o ex-namorado invadiu seu fotolog da menina e postou uma imagem de sapatinhos de tricô, daqueles de bebê. Os menos chegados e mais fofoqueiros que estiveram presentes no velório relataram um corpo inchado, sobretudo no abdome. E logo se espalhou da forma mais desonesta possível o rumor de que M.O. fizera um aborto.

Lembro da reação de minhas amigas – nossas amigas – negando a história, e achando o mais absurdo do mundo a difamação que sofria a morta. Para mim, ambos buscavam anular a existência daquela menina: os que a condenavam – e que foram cúmplices desse assassinato; e as que julgavam proteger, quando negavam a essa jovem mulher o direito da escolha e arbítrio sobre seu corpo. Mais uma camuflada na cifra dos abortos clandestinos no país.

Das poucas menções ao debate do aborto que me lembro nos tempos de colégio, nenhuma trazia dados, posições distintas, textos de apoio. Foram homens, párocos, professores de Ensino Religioso, que de maneira cretina passavam de raspão sobre o tema evitando polêmica; mas ideologicamente certeiros para carimbar a posição: o aborto é um crime contra a vida. No limite, ela(s) merecia(m) morrer?

E o que mais me instiga, já longe de Santa Catarina física e moralmente, era saber que essa menina, a amiga da minha amiga que estudava ali, na sala ao lado, é o ponto fora da curva na estatística alta de mortes decorrentes de abortamento no Brasil. Ela tinha todas as condições financeiras e acesso a equipamento hospitalar para recorrer a um procedimento seguro e anônimo. Quem sabe hoje estaria se formando na faculdade, aceitando um pedido de casamento. Planejando, agora sim, engravidar.

Quantas naquele colégios – nesses colégios tradicionais catarinenses – não deveriam ter feito um aborto? Ou pensado sobre isso num eventual atraso da menstruação? Distante, a morte me parece a consequência lógica de outra história do mesmo período, da menina que esperou o oitavo mês de gestação e uma consulta ginecológica forçada pela mãe – preocupada com a interrupção abrupta no ciclo menstrual da filha – para se declarar grávida.

Se o sexo deixa de existir quando não falamos dele, a vida não pode existir tampouco.

A “Mulher Zero”.
Jandira Magdalena dos Santos talvez agora seja não mais que um corpo carbonizado. Ela tinha o dinheiro (quase R$5mil) para abortar, mas esbarrou na clandestinidade e agora seu rosto estampa jornais e portais de notícia.

Jandira é uma das cerca de um milhão de mulheres brasileiras que decidem interromper a gestação. O número é impreciso devido à ilegalidade que impede uma pequisa mais aprofundada, mas há uns anos, pesquisadoras da UnB divulgaram um estudo interessante sobre o perfil dessas mulheres que optam por realizar um aborto são em sua maioria casadas, cristãs, têm mais de trinta anos. As cerca de um milhão de mulheres que abortamos no Brasil podemos ser eu, sua irmã, mãe, tia. Você.

Pode ser inclusive a vovó. E de quantas avós já ouvi histórias... Não há quem não conheça uma mulher que já fez um aborto. Mas acima da idade; das crenças pessoais; do relacionamento estável ou não; de já terem filhos ou não; das condições financeiras, o ponto em comum entre todas elas é a convicção de que têm o direito de ser mães. E como direito, essa é uma escolha delas, não do Estado ou de qualquer religião. A maternidade não é um karma, uma sina, mas uma escolha consciente que as mulheres tomamos. Porque somos sujeitos de nossa própria história. Porque somos gente.

O Estrangeiro.

Assistindo aos debates e ao horário eleitoral, me senti relendo O estrangeiro, de Albert Camus, em uma versão esteticamente pobre. Aos que nunca leram, ou que por ventura não tenham entendido o texto, se trata da história de um homem condenado à morte por não enlutar a mãe. O homem se torna réu pelo assassinato de um árabe, mas este não passa de um episódio secundário que dá corda à trama. A ação principal não é senão a sobreposição do código moral individual sobre o plano público, o qual deveria ser regido por um código autônomo de forma a garantir igualdade de julgamento a todos os indivíduos, independente de suas convicções íntimas – ou antes, as convicções de seus juízes.

O discurso obscurantista que criminaliza e demoniza a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) é um discurso que criminaliza unicamente as mulheres, como se sua gestação fosse fruto de autogênese. Que submete mesmo aquelas que passam por abortamentos espontâneos, em hospitais públicos e privados de primeira linha, a um atendimento vexatório, negligente. Humilhante. É o discurso que coage famílias simples de crianças estupradas a obrigar essas meninas a seguir com uma gravidez que seus pequenos corpos e mentes infantis não têm condições de gestar. Que dificulta o acesso de uma gestante ao aborto legal – previsto por lei – para que possa dar sequência a um tratamento de saúde emergencial. É um discurso de ódio, que faz das mulheres cidadãs de segunda categoria. O discurso que diz defender a “vida”, defende que nossa vida, a vida das mulheres, valha menos ou quase nada.

Que fique claro aos que se chocam com os vídeos enganosos que circulam pela rede: um feto formado vai nascer. Nossa defesa do aborto considera as semanas iniciais da gestação, entre 12ª e 14ª, conforme exemplos que temos pelo mundo. Enquanto o embrião ainda é dependente do corpo da mulher para sobreviver, ou seja, não tem existência autônoma. Aos curiosos em saber como se parece, sugiro esse link aqui.

Legalizar o aborto não é forçar ninguém a violar suas crenças pessoais. É tratar um grave problema de saúde pública que mata e mutila centenas de mulheres todos os anos, e assegurar dignidade e direito de escolha a todas nós.

"A fazedora de anjos", 1908: tríptico de Pedro Weingärtner, do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, retrata o aborto na virada do século XX. De perto é impressionante.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Dar uma espiada em Arapongaville

POR JORDI CASTAN

Era uma vez na sambaquiana capital do reino dos manguezais. O burgomestre andava fascinado com a segurança, ao ponto de criar uma secretaria de segurança sui generis. Sonhava ver os seus agentes uniformizados desfilando garbosos e armados - e bem armados. Acreditava que aí sim a segurança de Arapongaville estaria resolvida. Roubos, assaltos e outros crimes diminuiriam porque a sua pomposa guarda municipal traria a tranquilidade para os arapongavillenses, coisa que nem a Policia Civil, nem a Policia Militar tinham conseguido garantir.

Mas enquanto a sua guarda local não começava o seu patrulhamento ostensivo - e enquanto a segurança de fato não melhorava - o burgomestre decidiu dedicar-se a curtir o seu brinquedo mais novo: a belíssima “Central de Arapongagem da Estrela”. Um brinquedo lindo, equipado com o último grito na tecnologia da bisbilhotagem. Não havia telefone fixo nem celular que não pudesse ser grampeado. Não havia secretário que não tivesse a sua agenda esquadrinhada com atenção. Nada escapava ao olhar implacável da dita central.

Os relatórios seriam detalhados. Quem? Quando? Onde? Com quem? O que? A que hora? Quanto tempo? Lembravam os da Stassi (Ministerium für Staatssicherheit, MfS) da antiga Alemanha Oriental, a policia política do ex-presidente Erich Honecker, que acumulou toneladas de relatórios, dezenas de milhares de horas de gravações, milhares de terabites de informações inúteis. Informações que incluíam desde receitas de bolo a medidas da roupa interior dos amantes do regime, passando pelo número de colheres de açúcar que uma determinada pessoa colocava no cafezinho.

Só havia um problema. Havia quem dissesse que o velho general estaria usando os recursos públicos do orçamento municipal para bisbilhotar. Muitos diziam: se quisesse brincar de James Bond dos manguezais com o seu patrimônio, tudo não passaria de uma excentricidade de um velho gagá que nunca superou a sua fascinação pelas marchas militares prussianas e crente de que ordem é progresso. Mas dedicar recursos públicos, tempo dos funcionários e o próprio tempo que seria destinado a resolver os problemas de Arapongaville preocupava e entristecia os arapongavilenses. Porque o velho general não percebia o ridículo da imagem de um coscuvilheiro de pijama e pantufas lendo mexericos da vida alheia, como quem acompanha, sem perder detalhe, o enredo a novela das oito. 


Mas esta história, como uma novela das oito, é ficção.

sábado, 6 de setembro de 2014

Putin, Putin, Putin

POR ET BARTHES

Sempre que um post tem o nome de Putin, de repente aparecem leitores na Russia e na Ucrânia (Ukraine). Então hoje vamos testar, para ver se eles aparecem. Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin. Enough?

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O povo está oficialmente fora do Conselho da Cidade

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O que acontece em Joinville nos últimos anos, principalmente quando falamos sobre planejamento urbano, vem em uma corrente totalmente contrária ao que acontece de mais moderno pelo mundo todo. Enquanto muitos lugares avançam, nós regredimos. E regredimos muito, inclusive em aspectos básicos de nossa democracia.

Quando em 2013 se questionou a Conferência da Cidade, momento em que somente cidadãos com CNPJ ou estatuto social poderiam se candidatar a delegados para o Conselho da Cidade, percebemos que algo não estava de acordo com os preceitos legais e teóricos sobre o assunto. Só se elegeu para o Conselho da Cidade quem fazia parte de alguma entidade, associação ou OSCIP. Foi privado de seu direito todo o qualquer cidadão residente na cidade, rasgando o que diz o Estatuto da Cidade:

Art 1, II - gestão democrática por meio da participação da população E de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;


Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população E de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. (Grifos nossos)

O Conselho da Cidade foi, então, questionado, mas mantido através de decisão judicial. De acordo com algumas inobservâncias do Estatuto nas decisões judiciais, alguns recursos foram proferidos pela sociedade civil, com algumas respostas positivas (principalmente através de recursos em Florianópolis) e outras frustrantes. Uma das mais mais contrárias à participação popular aconteceu nesta semana.

Quando a ação popular questionou o fato da não-participação da sociedade civil nas reuniões do Conselho da Cidade, o Juiz Roberto Lepper, da 2a. Vara da Fazenda Pública de Joinville, sentenciou que a população "comum" não deve ter acesso às reuniões do Conselho da Cidade, já que ela não tem direito a voz e nem a voto. Segundo a decisão:

não há porque determinar-se aos réus que garantam que as reuniões do Conselho da Cidade e de seus órgãos fracionários sejam abertas ao público e a qualquer do povo, com direito a voz etc, cumprindo- lhes apenas a observância das regras previstas no Regimento Interno. (Grifo nosso)

Todavia, há algumas considerações a se fazer:

a) Os conselheiros eleitos, mesmo que com o CNPJ, tiveram votos da população "comum", após a garantia deste via ação popular pós-Conferência da Cidade em 2013 (se dependesse da prefeitura de Joinville nem isto teria acontecido);

b) Como há uma representação não só das associações representativas dos segmentos, mas também da sociedade civil num geral, nada mais justo que a abertura das reuniões para a população aconteça como forma de fiscalização social e acompanhamento dos trabalhos dos representantes eleitos (mesmo que, ao nosso ver, de forma antidemocrática pela obrigatoriedade de uma representação associativa) na gestão democrática da cidade de Joinville. É assim que funciona com qualquer órgão representativo: Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, etc.;

c) O Regimento Interno diz que todas as manifestações são registradas em ata e isto, para o magistrado, já vale como instrumento de observação do que acontece nas reuniões do Conselho da Cidade. Como proceder em casos como o do ex-conselheiro Juarez Vieira, onde suas manifestações contrárias ao modelo de análise da nova Lei de Ordenamento Territorial foram omitidas das atas oficiais, mesmo com a sua ênfase para que constasse o registro por escrito?

Está muito evidente que algumas situações estão indo contra aos preceitos mais modernos de participação popular e gestão democrática da cidade. A população deve, sim, ter acesso a todas as ações públicas, especialmente quando estas forem tomadas em Conselhos e demais canais participativos. Cercear a participação popular nestes órgãos é, em minha visão, ceifar anos de construção popular em torno do planejamento urbano participativo, além de declarar abertamente que existe medo em torno da pressão popular que pode existir nestas reuniões, mesmo somente com sua presença física, sem direito a voz e nem a voto. Ou seria aceitar, de forma implícita, que há algo para ser escondido e que a população não deve saber?

É por estas e outras que a justiça se torna um agente determinante na construção das cidades, e o foco sob sua atuação deve ser aumentado, evitando, ao longo dos anos, que casos como este apresentado tornem-se menos comuns como atualmente. A flexibilização da lei não deve acontecer a favor de ninguém, muito menos aos grupos dominantes do cenário político-financeiro e aos grupos do capital imobiliário-construtivo.

Obs: a íntegra da decisão pode ser obtida em www.tjsc.jus.br, autos número 0803258-37.2014.8.24.038.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Marina e a letargia democrática

POR CLÓVIS GRUNER

A semana foi de Marina Silva, e não por menos: fato único na nossa história política recente, a candidata do PSB conseguiu, em apenas duas semanas, mudar radicalmente o roteiro eleitoral, que até sua entrada em cena repetia a mesma polarização PT x PSDB das últimas duas décadas e cinco eleições. A acreditarmos nas pesquisas, o “fator Marina” não apenas conduz a candidatura de Aécio Neves a um fim bíblico (“do pó vieste, ao pó retornarás”), como acendeu todos os sinais de alerta na de Dilma Rousseff, que pela primeira vez vislumbra no horizonte o risco de ver comprometido, em um eventual segundo turno, o projeto da reeleição.

Mas não foi apenas sua ascensão meteórica nas pesquisas que tornou Marina Silva a principal protagonista nos debates políticos e redes sociais. Porque suas intenções de voto crescem na mesma proporção em que se tornam visíveis as muitas fragilidades de seu discurso. Nos dois debates de que participou, por exemplo, a candidata socialista tergiversou sobre todas – e não exagero – as questões controversas e urgentes que lhe foram propostas. Tudo parece se resumir a esta coisa algo vaga que ela define como a “nova política”, ainda que o preço para eventualmente implementá-la no futuro seja firmar, no presente, alianças com alguns velhos políticos.

Ao longo da última semana, à medida que seu protagonismo fez crescer o interesse especialmente midiático por suas ideias e projetos, Marina Silva mergulhou em um sem número de contradições. Entre elas, a mais lamentável foi o episódio envolvendo Silas Malafaia, o pastor que por razões e fantasias insondáveis, lidera uma raivosa campanha contra os direitos LGBTs. Bastou Malafaia falar mais alto, e ela retirou rapidamente do seu Programa de Governo aquilo que poderia comprometer o seu apoio e o voto evangélico e conservador. O episódio traz algo de didático, é verdade: ao recuar diante da pressão de um fundamentalista cristão, Marina sinaliza mais claramente não apenas com quem e para quem pretende governar. Implícita em sua atitude está o risco de retrocedermos ainda mais justamente onde o Estado brasileiro pouco avançou nos últimos anos: a laicidade, condição fundamental para se consolidar uma política de direitos civis efetivamente republicana.

CONTRA TUDO O QUE ESTÁ AÍ – Ao menos parcialmente, a ascensão de Marina Silva pode ser explicada pelo descontentamento, algo generalizado, com os esquemas políticos que vigoraram nos últimos 20 anos. Como disse anteriormente, ela encarna melhor, para o eleitor médio – aquele não deseja nem a reeleição de Dilma, nem o retorno tucano, mas que pretende escolher seu candidato dentro de limites ideológicos e programáticos mais convencionais –, a “terceira via”. Além disso, sua biografia política é, como a de Lula, singular – o que tornam equivocadas, a meu ver, as inúmeras comparações feitas nos últimos dias entre ela e Fernando Collor.

Uma coisa e outra, e Marina atraiu muitos dos eleitores sem uma candidatura definida e mesmo desinteressados do debate eleitoral, e é significativo que o número de indecisos e de votos brancos e nulos tenha diminuído sensivelmente, também de acordo com as últimas pesquisas. Para muitos eleitores, ela representa efetivamente a promessa de renovação. O que pode significar, entre outras coisas, que para eles as contradições de seu discurso, as incongruências de seu programa de governo e a fragilidade de sua aliança partidária não são importantes ou, talvez, sequer percebidas. As tentativas de dilmistas e aecistas de jogar com o medo do eleitor tão pouco funcionaram até aqui: Marina agrega votos porque conseguiu se posicionar, no imaginário de muitos brasileiros, naquele lugar intermediário entre a continuidade do que é e a reedição do que já foi.

De certa forma ela deu voz e forma aquele sentimento difuso que é “contra tudo o que está aí”, tão presente nas redes sociais e em pelo menos duas ocasiões – as “Jornadas de Junho” de 2013 e, mais recentemente, nas manifestações contra a Copa –, também nas ruas. As outras duas candidaturas que poderiam assumir esse papel – Luciana Genro (PSOL) e Eduardo Jorge (PV) – não lograram êxito em parte porque abrigadas em legendas “nanicas”, extremamente desfavorecidas pelas regras do jogo eleitoral. Mas também porque a opção por um ou outro implica um posicionamento político e ideológico claro, inexistente quando se trata da candidata socialista. A despolitização é um dos traços da candidatura de Marina Silva e, neste sentido, ela caminha na contramão do legado das manifestações do ano passado.

POLITIZAR A POLÍTICA – Quando milhares de brasileiros, principalmente jovens, saíram às ruas, me misturei à multidão, mesmo não sendo mais jovem, e vi com entusiasmo o que era o retorno da política às ruas, depois de um longo hiato. De certa forma uma resposta ao desgaste, depois de três décadas, do modelo político surgido com a redemocratização, as “Jornadas de Junho” alertavam, entre outras coisas, para a necessidade de fazer avançar a democracia. Num momento em que a maioria dos partidos, o PT inclusive, se distanciava dos segmentos e movimentos sociais, e que o enfrentamento com o discurso conservador ganhava contornos mais claros e críticos, as manifestações de junho nos lembraram da necessidade de inventarmos outras formas de pensar e fazer política.

Nos últimos dias aqui e ali apareceram textos a sugerir uma ligação – mais ou menos tênue, a depender do autor – entre as “Jornadas” de 2013 e a candidatura de Marina Silva. O argumento central é de que, ao colocar fim à polarização partidária, ela reúne as condições para organizar os fluxos dispersos e fragmentados que circularam pelas ruas durante as mobilizações. Em um outro nível, institucional, Marina representaria parte daquilo que estava na ordem do dia das passeatas em função de sua independência frente aos esquemas políticos cristalizados nas candidaturas petista e tucana.

Entendo as razões pelas quais muita gente apostou nisso – e alguns parecem ainda apostar –; mas não consigo concordar com a aproximação. E não apenas porque a candidatura de Marina Silva é a parada do velho novo: seu ingresso oportunista no PSB; sua subserviência aos grupos religiosos e conservadores; as alianças já firmadas e as promessas de apoio futuro, tudo ali é mais do mesmo. Seu discurso calculadamente descompromissado com a “velha política” pode mobilizar votos, mas desmobiliza na política sua capacidade de organizar e regular as multiplicidades e o convívio de e entre diferentes: ao recusar o confronto pela conciliação, sustentada em compromissos vagos, abstratos e contraditórios de futuro, Marina Silva despolitiza a política. Presta um desserviço à nossa ainda frágil democracia, e erra onde as “Jornadas de Junho” acertaram: é preciso fazê-la avançar. Com Marina, na melhor das hipóteses, serão mais quatro anos de letargia.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Tacanhas com diplomas fazem estatísticas

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Um dia destes, o Guilherme Gassenferth, que já integrou o time do Chuva Ácida, publicou, numa rede social, os resultados de uma pesquisa da Datafolha sobre a intenção de voto para presidente por escolaridade. O que chamou a atenção foi ele ter usado a expressão “mais instruídos” para descrever os apoiantes de Marina Silva.

Fiz um comentário a dizer que ele se referia a pessoas com diploma e não necessariamente mais instruídas (aliás, instruído pode ser sinônimo de adestrado). O fato é que nos dias de hoje ter um diploma não dá grandes garantias, apesar de o canudo ainda ter peso no Brasil. Aliás, convenhamos, isso é simples resultado do apartheid social e educacional em que o país sempre viveu.

Quando olho para as pesquisas lembro da tirada extraordinária de Millôr Fernandes, para quem “estatística é a ciência de torturar os números até que eles confessem”. Mas neste caso a tortura é dispensável. Quando se olha para os números é indiscutível que as pessoas com curso superior  preferem Marina Silva (43%), deixando Dilma Rousseff  (23%) e Aécio Neves (22%) para trás.

Mas essa relação entre diploma e instrução carece de substância científica. Nem preciso ir longe. Basta lembrar que Silas Malafaia, um dos mais destacados apoiantes de Marina Silva, tem diploma de psicólogo (Freud, Reich, Jung e Lacan devem estar a chutar lápides de tanta decepção). Vocês, leitor e leitora, conhecem alguém mais obscurantista que o telepastor? Podemos considerar instruída uma mente tão tacanha? Mas entra na estatística.

Se formos ler os números de forma absoluta é possível concordar com a pesquisa. Mas uma relativização dos dados pode mostrar outra coisa. Se subirmos a fasquia para pessoas com grau superior ao de simples licenciatura ou bacharelado, sou capaz de apostar que os números de Marina Silva despencam. Pode ser defeito do meu círculo de amizades, mas não conheço qualquer mestre ou doutor que cogite votar na senhora.

As pesquisas valem o que valem. E os números podem dar a impressão de que as pessoas “instruídas” apoiam Marina Silva. Mas não parece que isso encontre respaldo na realidade. Aliás, sobre a relação instrução-diploma recomendo uma leitura de um texto publicado hoje no “The New York Times” sobre os custos econômicos das falhas na educação (aqui)

É como diz o velho deitado: "O que a natureza não dá, Salamanca não empresta".

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Os plebiscitos e o Estado Laico


POR CAROLINA PETERS

Lembrou bem o Zé Baço: essa história de recomeço das eleições presidenciais não passa do desejo de alguns. “Com o andar do caminhão, as melancias se ajeitam” ele disse e, no limite, acrescento que desde o pleito passado esse desorganizar e reordenar das melancias se dá na boleia brasileira.

Nessa semana, até o 7 de setembro, movimentos sociais e organizações políticas colocarão na rua, nas escolas, universidades e bairros as urnas para o Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva da Reforma Política. Essa mobilização que vem tomando corpo desde o ano passado visa dialogar com a população sobre as deficiências do nosso sistema político e apresentar um conjunto de propostas capazes de ampliar a democracia institucional, proporcionando mais espaços de participação popular e privilegiando o debate político-ideológico ao levantar, entre outras bandeiras, a proposta de fim do financiamento privado de campanhas; e colocando o dedo na ferida do fisiologismo questionando as coligações proporcionais.

É uma leitura com a qual eu concordo que a alta influência do poder econômico e a forma de distribuição do horário político gratuito têm cada vez mais esvaziado de política as disputas eleitorais, atribuindo sobretudo ao marketing o papel de consolidar a imagem de tal ou qual candidata (ou candidato) como o melhor gestor para a máquina pública.

No geral, entre as maiores candidaturas, que a mídia carinhosamente chama “principais” e às quais destina privilégios na cobertura jornalística – aquelas candidaturas que contam com maiores recursos financeiros e amplas coligações absolutamente heterogêneas – não há muita diferença. Nuances, talvez. Mas nem bem assumiram as candidaturas, Dilma, Aécio e então Campos reafirmaram seu compromisso sacrossanto com a manutenção do tripé macro-econômico. Em bom português: no limite, tudo fica como está. E a temerosa inflação continua a ser (des)controlada através da alta da taxa de juros, para alegria do capital especulativo, e a pequena produção agrícola familiar, que alimenta os brasileiros, continua sendo escanteada pelos latifúndios de soja e gado para exportação.

Ao mesmo tempo, enxergo outro movimento simultâneo no tabuleiro eleitoral: a volta de um debate mais ideológico à agenda política do país, protagonizado pela direita. A caricata figura do pastor Everaldo cumpre esse papel trazendo às claras uma linha que interessaria, por exemplo, ao PSDB, mas que os tucanos para buscar viabilizar a natimorta candidatura de Aécio não puderam assumir. Pautas que uma Marina Silva, com menor rejeição e inesperadamente recolocada no tabuleiro político pode abraçar sem pudor.

Os direitos das pessoas, de amar, de se relacionar e de crer, são dependentes do seu peso no jogo político. Um tuíde de Malafaia vale mais no jogo da vida do que eu e você. É a defesa de um Estado tão mínimo e privativo que atua somente no campo do privado, com preferência sobre os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas.

É certo que o pleito não se dá em esfera única, e por vezes nos atemos em demasiado à corrida presidencial e deixamos livres de reflexão os concorrentes ao legislativo. O que representa o aumento de 70% no número de pastores concorrentes ao cargo? A liberdade religiosa e de culto deve ser irrestrita, mas qual o limite entre o foro íntimo e a intervenção de determinada crença (com maior poder financeiro, não esqueçamos, pois as mães de santo não tem nem representação no Congresso Nacional e sequer o direito de crença respeitado, sofrendo com recorrente ações arbitrárias policiais em seus terreiros) na esfera politica? Qual o limite entre o direito legítimo e fundamental de expressão e solapar as indualidades por uma crença hegemônica, que conta com vergonhosas isenções fiscais e insumos financeiros do governo para a construção de empreendimentos de negócios – de fé, mas ainda assim, e mais absurdo, negócios? Aproveito e pontuo que a que chamamos Bancada Fundamentalista não atua somente no campo dos costumes, mas mantém relação orgânica com o setor do agronegócio.

Como eu falava no começo: o Plebiscito. Eu voto SIM pela reforma política.

Em tempo, antes que me julguem principista ou contraditória, não se leva a voto direitos individuais. Não se vota pela descriminalização do aborto ou pelo casamento civil igualitário. Se vota pela permissão ou não de doações de pessoas jurídicas a campanhas políticas. Se leva a plebiscito a proposta de desarmamento versus porte de armas. Se leva a plebiscito a reeleição (que aliás voltou recentemente a ser comentada como votação comprada no Congresso...).

É preciso voltar o debate às claras, dar espaço pras opiniões. Permitir espaço para o confronto público. Votar em ideias, não em figuras. Isso faz bem pra democracia.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Aberta a temporada de caça

POR JORDI CASTAN


A cada dois anos - nesta época do ano - abre a temporada de caça. De um lado, os eleitores são alvo fácil de charlatães, políticos e outros mentirosos. Do outro, os eleitores, se convertem em caçadores e saem às ruas a procura de um candidato honesto em quem possam votar. É uma luta desigual, inglória em que os charlatães, embaucadores, mentirosos e trapaceiros têm todas as chances de ganhar.

O bom senso recomenda manter distância dos trapaceiros ignorantes, uma boa distancia se equipara a gozar da proximidade de um sábio. A tarefa do eleitor é duplamente difícil: por uma parte, não se deixar seduzir pelo canto de sereia dos candidatos, que, contando com a colaboração de marqueteiros e com recursos quase infinitos, projetam uma imagem que pouco tem a ver com a realidade. O eleitor médio tem poucas possibilidades de não sucumbir ao encanto do discurso fácil, da imagem editada, do sorriso falso e da roupa impecavelmente passada. 

Armados com dados, pesquisas e informantes, inclusive de dentro da própria comunidade, os candidatos dizem o que o eleitor quer ouvir.  E o eleitor cai com facilidade na arapuca, atraído pela isca do verbo melífluo daquele que mesmo não tendo feito nada, nos últimos quatro anos e sem pretender fazer, promete agora que fará o que não fez.  É hora do eleitor aprender a reconhecer os charlatães que se escondem no meio dos políticos honestos e sinceros. Há inclusive estudos científicos, que insistem em assegurar que há políticos sinceros. Que mesmo pertencendo ao mundo mitológico das fadas, os gnomos, os trolls, os dragões, o saci-pererê e a curupira eles conseguem ser indicados nas convenções partidárias e ganham o direito de disputar eleições com chance real de ganhar.

Evitar os charlatães é mais fácil do que parece. A melhor tática é utilizar a “via negativa” e em lugar de concentrar-nos em dizer o que é ou como é um charlatão, focar no que não é, e proceder a um processo de eliminação. Assim, a melhor forma de identificá-los é olhar para aqueles que oferecem sempre visões ou mensagens positivas, aqueles que vendem a imagem que tudo é fácil, simples, que não há problemas. Imaginemos que alguém disser que a BR-280 estará duplicada em menos de um ano e que agora vai, que não haverá problemas na abertura da licitação. Pronto... é tiro e queda. Só pode ser um charlatão. Pintou o mundo de cor de rosa? é charlatão.

A dica serve também para outras duplicações como a da Santos Dumont ou a Dona Francisca. Se diz que serão instaladas trocentas câmaras de segurança, com tecnologia digital de alta definição. Acertou, é outro charlatão. São todos candidatos a escrever livros tendo como título: “Como encontrar um marido em 12 passos”, ou “Como ter sucesso com as mulheres” ou “Os dez degraus para o sucesso”, ou “Como administrar Santa Catarina” ou “Como navegar na marolinha”. Reconheceu algum? Ficou fácil verdade? Para concluir, quando aparecer um candidato que fale dos problemas reais que o Estado e o país vivem, preste atenção, você pode estar frente à frente com um candidato honesto.

A parte triste é termos aprendido, ao longo do tempo, que nem sempre os melhores candidatos vencem. E que a maioria do eleitorado gosta de se deixar iludir e vota em quem oferece soluções mágicas para emagrecer sem sacrifício, para prosperar sem trabalho e para progredir sem educação.