domingo, 8 de janeiro de 2012

Eu sou vocês... amanhã

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Interessante o tema levantado pelo Guilherme Gassenferth na semana passada, aqui no ChuvaÁcida. E também a troca de opiniões que rolou nos comentários. Mas faltou o foco num aspecto que, do meu ponto de vista, é o mais importante: a falta de adaptação dos cursos de humanas às exigências dos tempos.

Ficou abstrato? O problema é que os cursos de humanas -  Ciências Sociais, Ciência Política, Sociologia, Geografia, Letras, História ou Antropologia, entre outros - não respondem às exigências de uma sociedade que, gostemos ou não, segue um modelo de desenvolvimento.  Quer dizer, os cursos de humanísticas ficam no seu gueto de conhecimento e não tentam encontrar uma aplicação prática nessa nova realidade. 

Vamos traduzir em casos práticos? Um dia fui entrevistado por uma jornalista portuguesa (sim, o maior jornal do país me confundiu com um linguista a sério) que era formada em filosofia. Na agência onde trabalho, tive um estagiário formado em antropologia e que enveredou pelo caminho das pesquisas de opinião. Também conheço um sociólogo que se tornou planejador estratégico numa empresa. E há muitos outros casos.

INTERDISCIPLINAR - O problema é que o Brasil ainda vive essa obsessão pelo diploma (é só olhar para o tanto que sacaneiam o Lula) sem se preocupar com a adaptação à nova realidade social.  Na Europa, por exemplo, acabou o conceito de “uma profissão para a vida”. A lógica é de que, ao longo da carreira, as pessoas vão mudar  de profissão para encontrar lugar no mercado de trabalho.

O fato é que eu posso ser formado em humanas - Geografia, História, Antropologia ou o escambau - e exercer outra função qualquer (como de fato exerço). Nas sociedades hodiernas, as empresas não contratam títulos, mas a capacidade de resolver problemas. Talvez seja a hora de os cursos de humanísticas deixarem de tratar a interdisciplinaridade como objeto de estudo e  pensarem nela como forma de adaptação ao mercado de trabalho.

Atenção. Ao contrário do que muitos possam pensar, sou a favor da formação humanista. Porque ela é essencial para compreender o mundo. A primeira vez que entrei para a universidade foi num curso de  engenharia. E posso dizer que a grade curricular era completamente desprovida de qualquer conhecimento que permitisse ver o mundo sem ser de forma ideológica (no sentido marxiano de distorção). Saltei fora.

Outra coisa. O pessoal mais antigo sabe que estou no jornalismo desde meados dos anos 80, apesar de ser licenciado em História (naquela época não havia cursos de Jornalismo em Joinville). Mas se alguém perguntar, eu digo. Se tivesse que refazer o meu percurso acadêmico - sabendo o que sei hoje - escolhia fazer História novamente.  Não tenho qualquer dúvida de que obtive melhores ferramentas para ler o mundo.

TO BE OR NOT TO BE - Ok... aí vou bater numa casca de ferida que nunca seca. Se eu voltar para o Brasil, é provável que os meninos dos sindicatos não me aceitem como jornalista. E não adianta dizer que eu fiz pós-graduação, especialização, mestrado ou doutorado na área de comunicação. Ou mesmo que já tenha dado aulas na universidade. Ou ainda que sou capaz de fazer o trabalho. De fato, eu posso ser jornalista em Portugal, na Espanha ou na Noruega. Mas não no Brasil.

Tudo isso para dizer que há muita coisa a mudar. É preciso sair das caixinhas fechadas. O mercado de trabalho, goste-se dele ou não, olha para os diplomas, mas está interessado em contratar profissionais que ofereçam soluções. Talento, criatividade, proatividade. É claro que a lógica não vale para algumas áreas essencialmente técnicas. Mas vale para quem quer sobreviver num mundo onde os empregos tendem a escassear.

Um dia o Brasil vai ter que mudar. Deixar de ser um país agro-exportador, voltado para empresas de mão-de-obra intensiva ou uma economia que vive da extração de recursos naturais. E aí o futuro dependerá de cérebros. E os diplomas - úteis, claro - ficarão no lugar a que pertencem: a parede.

É assim aqui deste lado do Atlântico. E posso dizer, sem medo de errar: “eu sou vocês amanhã”.

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