quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Discutir a mobilidade na rua é garantir a sua cidadania


POR FELIPE SILVEIRA

A mobilidade urbana é, sem dúvida, o grande tema desta década, pelo menos neste início. Se tivemos a cidadania como a temática predominante dos anos 90 e o meio ambiente (sustentabilidade e outras variáveis) marcou presença dos anos 2000 pra cá, as discussões sobre mobilidade subiram ao topo da agenda nesta época. As eleições municipais que se aproximam (e a mobilidade urbana é essencialmente um tema que se discute na cidade) deverão mostrar como esse assunto assumiu tal importância perante a sociedade.

Contudo, há discussões que não podem esperar até as eleições para serem debatidas. A nova licitação para o transporte coletivo, que irá definir os rumos da mobilidade de Joinville e da própria cidade pelos próximos 25 anos, é uma discussão que está acontecendo agora. Está acontecendo nos gabinetes dos políticos, nos escritórios dos empresários, no facebook, no bar e, principalmente, na rua. E é na rua que você pode ocupar o seu espaço de cidadão, assumir a sua cidadania, garantir o seu direito e ser o protagonista da sua história.

Desde que foi anunciado o aumento da tarifa do transporte coletivo (para R$ 2,75 a antecipada e R$ 3,10 a embarcada), na última semana de 2011 (momento mais apropriado para quem não quer ver o povo na rua), a Frente de Luta pelo Transporte Público retomou os trabalhos de discussão e colocou o povo na rua para protestar contra o aumento. Desde então, já foram quatro manifestações e o movimento para barrar o aumento só tem crescido. E hoje tem nova manifestação!

[obs.: a Frente de Luta pelo Transporte Coletivo é formada por diversas entidades e cidadãos, e não somente o Movimento Passe Livre (MPL), como os desinformados da imprensa costumam dizer. O MPL, obviamente, ocupa um espaço de destaque neste movimento devido a sua construção histórica, essência e poder de contribuição]

Desde o início do movimento, uma barreira se levantou contra ele. Não se trata da polícia, com seu spray de pimenta jogado traiçoeiramente nos olhos dos manifestantes; não se trata dos políticos e sua proposital ausência do debate; e não se trata dos empresários, que enchem o terminal de capangas para assustar e, criminosamente, estragar o material dos manifestantes; não se trata de nada disso. A principal barreira tem sido a sociedade (você!) e o sua inércia, a sua imobilidade, a sua ironia, a sua falta de paixão, tesão e cidadania.

Essa barreira será superada de alguma maneira. A melhor delas é fazer você deixar de ser barreira para se tornar parte do tanque que irá derrubá-la. Cada um que passa para o lado de cá é um a menos do lado de lá. O convite, portanto, está feito. Junte-se a nós e venha construir um novo modelo de transporte, que não vise o lucro, mas que promova o direito de ir e vir de cada um garantido na Constituição Brasileira.

Estão marcadas para os dias 30 de janeiro e 27 de fevereiro duas audiências públicas com autoridades e população para debater a nova licitação do transporte público, a ser lançada este ano. Abrir a discussão é um ponto positivo, mas duas audiências é muito pouco para um debate de tanta importância. Por isso, junte-se ao povo na rua, participe do grupo de discussão no facebook e prepare-se para uma grande batalha por seus direitos.

Para finalizar, deixo um gráfico elaborado pela Frente de Luta pelo Transporte Público, que compara a inflação desde 1995 com os consecutivos aumentos da tarifa, geralmente justificados pela inflação.


* Vale citar também que hoje as empresas de transporte público de Joinville operam sem licitação, com um prazo estendido pelo Executivo, com apoio do Legislativo, durante a gestão de Luiz Henrique da Silveira, em 1999. Vocês me digam se isso é ilegal ou não é. Eu tenho a minha opinião, mas, por enquanto, quero evitar processos.

* Vale citar também que os motoristas de ônibus trabalham sob muita pressão e ganham salários baixos, mas as empresas sempre alegam que o aumento também serve para reajustar o salário deles. Você acredita mesmo nisso?

*Vale citar também que uma pessoa gasta cerca de R$ 1.452,00 por ano para fazer duas viagens por dia. Não sei se todo mundo sabe, mas quem usa o transporte público, usa porque precisa, porque não pode atravessar a cidade de bicicleta para trabalhar e também porque não tem dinheiro para comprar um carro ou uma moto.

*Vale lembrar também que a fumaça dos automóveis é uma das principais responsáveis pela poluição da nossa atmosfera e que milhões de carros nas ruas tornam o trânsito insuportável e a vida de todos cada vez pior.

* Vale lembrar que um dos principais problemas da saúde pública, pelo menos a de Joinville, é o alto número de motoqueiros vítimas de acidentes de trânsito (mesmo quando são protagonistas são vítimas), que superlotam os hospitais quando chegam literalmente arrebentados na sala de emergência. E isso não é nada comparado à tragédia pessoal que representa para cada ser humano que perdeu uma perna ou um braço, que perdeu o movimento das pernas, que perdeu funções motoras ou a visão, que perdeu a capacidade de jogar bola por causa de um joelho estourado ou até mesmo a vida.

Toda essa tragédia cotidiana é fruto de uma política excludente de transporte, que é conseqüência da sua imobilidade. Vai continuar aí parado?

10 comentários:

  1. "Que nao vise o lucro..." diz o autor... Eita, Carlos Marcos Jr...
    Chega né?

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    1. Anônimos... sempre com argumentos irrefutáveis.

      Quer dizer, então, que a ideia de criar um sistema que não vise lucro para um serviço público estapafúrdia?

      Então tá.

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    2. Nos últimos 30 anos, prevaleceu o modelo do lucro em todas os direitos fundamentais: saúde, educação e transporte.

      Em tempos de crise econômica fica evidente o desemprego, o que torna importante o cuidado com o interesse público.
      Maikon K

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    3. Diz pra mim olhando nos olhos que o lucro resolve todos os problemas do mundo. A mim soa incoerente.

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    4. Você é que esta dizendo, "Tiago".

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  2. Boa Felipe! Muito boa!

    O povo tem que sair às ruas. Não estamos falando de baderna, quebra-quebra ou barulho sem significado.

    Mas é preciso mostrar aos políticos que o povo unido tem força, que os joinvilenses estão atentos, que não somos cordeirinhos ou massa de manobra.

    Estamos sempre passivos, assistindo as coisas passar. É preciso mobilizar-se, mostrar a indignação e sair à caça de seus direitos.

    Numa passarela em frente à faculdade de direito da Universidad de Buenos Aires li a seguinte frase, que não sai de minha cabeça: "Los derechos se toman, no se piden; se arrancan, no se mendigan". J. Martí.

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  3. Para quem quiser discutir a ilegalidade da atual concessão, segue algumas leis sobre licitação:
    1. Artigo 175 da Constituição Federal (regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos)
    2. Lei Orgânica do Município de Joinville, artigos 98 e 99 (A concessão só será feita com autorização legislativa, mediante contrato, precedido de concorrência)
    3. Lei Nacional de Licitação n.º 8666/93
    4. Lei Nacional 8987/95 (regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos) nos Artigos 42 e 43 prevê a extinção das concessões outorgadas sem licitação

    E a lei 3.806 que é inconstitucional, aprovada pelos vereadores em 98 e executada pelo LHS em 1999.
    Nessa lei a prorrogação foi em troca de melhorias, com aprovação dos vereadores, SEM LICITAÇÃO NEM CONCORRÊNCIA, ferindo todas as leis anteriores.

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  4. Um dos melhores — se não o melhor — textos publicados no Chuva Ácida. Informativo e respeitoso, puxa nossas orelhas com elegância.

    Torço para que os leitores aceitem a ideia de serem protagonistas de sua própria história.

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  5. Joinville tem algum tipo de bilhete único? O transporte em SP é sofrível, mas a implantação do bilhete único na gestão da Marta Suplicy foi um avanço. Ele permite que você tome 4 ônibus no período de 3 horas pagando uma só tarifa. Ou 3 ônibus + 1 metrô com 50% de desconto. Se Joinville não tiver esse sistema e ainda assim conseguirem elevar o preço da passagem acima da de SP ou de outras grandes cidades, é mais covardia ainda. As pessoas têm que protestar e principalmente parar de achar que todo protesto é baderna. Não é. É exercer cidadania.

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  6. Eu entendi a proposta do texto do Felipe, mas só quero destacar algumas coisas que percebi e não tenho pleno acordo.

    Concordo que o assunto mobilidade urbana possa ser um dos principais assuntos da década, envolvendo inclusive quem não sabe o que significa Mobilidade Urbana. Mas vai demorar muito (uma década no mínimo) para que as pessoas parem de discutir os buracos de rua e pedir construção de elevados. O transporte coletivo vai passar longe das discussões de bar com operadores de fábrica numa sexta-feira.

    Recordo do caso que fiz uma enquete na saída do terminal perguntando sobre a licitação do transporte coletivo. "O que é licitação?" foi uma resposta comum. Não é preciso ser mais ou menos inteligente para perceber os problemas ao seu redor. Só quero dar uma temperada na conversa no aspecto "dimensão do problema".

    Estamos nessa. Conscientização é o caminho e não adianta forçar.

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