Etienne P. Douat, leitor fiel deste espaço, me intimou a escrever sobre o verde urbano. Não vou aqui discorrer sobre dados e estatísticas para dizer que temos pouco verde. Mas vou me socorrer de dados apresentados pelo engenheiro agrônomo Gilberto P. Gayer, outro leitor deste blog, para quem os indicativos de referência de área verdes existentes são questionáveis.
Para o IBAMA/FATMA seria de 8 m² por habitante (indicativo usado para calcular as áreas verdes previstas nos licenciamentos ambientais de loteamentos e condomínios).
Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) indica um mínimo de 12m² por habitante, mesmo sem ser clara a metodologia aplicada para chegar a este número.
“De qualquer forma, adotando o que a OMS define, em Joinville deveríamos ter um mínimo de 6 milhões de m² de área verde.
Há quem diga que temos algo próximo de 80 m² por habitante, o que seria espantoso.
Porém, se considerarmos os mangues, rios, margens de baías e lagoas, cumes de morros e encostas mais íngremes, todos estes já são garantidos por lei federal (por enquanto).
Acrescenta-se os vazios urbanos que são privados e podem sumir a qualquer instante.
E sobra muito pouco. As cotas 40 são espalhadas e privadas.
Por isto há a necessidade de políticas de criação de Unidades de Conservação (como a ARIE do Boa Vista e Iririú), e principalmente de arborização urbana”, diz Gayer.
A EMOÇÃO DO VERDE - Não tem como não se emocionar ao chegar a Joinville pela primeira vez. Eu continuo me emocionando quando a chegada é por avião. Sobrevoar a Baia da Babitonga, a Lagoa de Saguaçu e as áreas de mangue é um espetáculo. As áreas remanescentes de verde nos morros do Boa Vista e do Iririú e a vista do verde intenso da Serra do Mar não podem deixar a ninguém indiferente.
Se a chegada é por carro, seja pela BR- 376 ou pela SC- 301, descendo de Curitiba ou de Campo Alegre, a impressão não é menos intensa. Esta impressão nos deixa com a percepção que Joinville é – ou deve ser – a capital internacional do verde e que contamos com percentuais de verde invejáveis para cada cidadão.
Mas estes dados, como tantos outros que nos são apresentados a cada dia, para nos convencer disto ou de aquilo, podem ser incluídos numa teoria científica bem consolidada, a “Teoria do Frango”. O estudo prova que se eu comi dois frangos e você nenhum, na média cada um de nos comeu um frango.
A maioria das áreas verdes que um turista poderia observar ao sobrevoar Joinville, na metade da década de 90, já não existe mais. As áreas foram desmatadas, ocupadas, urbanizadas e continuam a ser com intensidade e velocidade cada vez maior. O avanço da urbanificação sobre as áreas rurais tem o estímulo descarado do poder público em nome do desenvolvimento.
Gosto de citar, um caso emblemático do Rio de Janeiro, o Morro da Viúva as margens da enseada de Botafogo.
Além da imagem que ilustra este post, e que mostra o Morro da Viúva rodeado por uma muralha de prédios. Duas imagens uma anterior a construção do aterro do Flamengo e a outra bem atual, servem para evidenciar a ameaça real que os nossos morros sofrem, com bandos de aloprados gananciosos estimulando o adensamento e a verticalização em volta dos morros do Boa Vista e Iririu.
ECOCHATOS E DESOCUPADOS - O verde preservado pela legislação federal, como os topos de morro, os manguezais e as margens de rios e lagoas, são espaços de preservação permanente e não podem ser considerados espaços para o lazer urbano, não atendem a estas necessidades. No caso de Joinville o avanço criminoso feito sobre os rios, as suas margens e os fundos de vale exigirá pesados investimentos públicos. Segundo os números apresentados pelo poder público, pouco mais de R$ 1 bilhão. Desnecessário dizer que estes recursos não existem e não devem aparecer facilmente.
O verde por habitante deve ser considerado pelo conjunto de praças e parques, por um lado, e pela soma do patrimônio que representa a arborização urbana do outro. Joinville tem perdido, de acordo com os dados do próprio poder público, mais de 40% das árvores que existiam nas vias públicas na década de 90. E além de não terem sido repostas as perdas, tampouco tem continuado o plantio.
O problema principal pode ser a percepção muito forte de que há um enorme estoque de verde urbano. De que esta é uma das cidades que mais perto está do paraíso. E também de os defensores da preservação da qualidade de vida representada pelo verde são uma minoria absoluta de ecochatos e desocupados.
O discurso desenvolvimentista dos talibãs do tijolo aproveita bem esta percepção da maioria. E é por isto que o verde que você já viu, hoje não vê mais. Como por arte mágica, ele está desaparecendo. Mas, ao contrário, das apresentações de mágicos e ilusionistas, ele não reaparece em outra parte do cenário.
Caro Jordi, as minhas perguntas, no comentário daquele post continuam no ar: 1.Existe um levantamento da relação percentual de área verde preservada/recuperada e sua distribuição, em relação à área construída, em Joinville e principais cidades da região norte? 2.Em caso positivo, existe um comparativo com cidades do porte de Joinville e região em outras partes do Brasil e do exterior? 3.Caso não exista, não seria interessante produzirmos esse dado (universidades e institutos públicos estão aí para isso), até como instrumento para políticas de longo prazo?
ResponderExcluirInsisto nisso, até porque, acredito, são a base para qualquer estudo e plano sérios, de reposição de áreas verdes no longo prazo.
A tua menção ao Rio de Janeiro é válida, mas, relativa, já que se, de um lado, o risco existe, por outro, serve como alerta a uma situação que ainda está muito longe da realidade de Joinville, já que é resultado de invasão (favelas) tratadas politicamente e irresponsavelmente por sucessivos governos populistas e posterior substituição de construções, na mesma área invadida há décadas. O caso de Joinville é diferente, porque o assunto, aqui, sempre foi tratado de forma séria. Assim, a despeito de toda a, digamos, "transigência" de sucessivos governos, pode ainda ser resolvida com relativa tranquilidade - cá entre nós, árvores em vias públicas ou praças, é só uma questão de decisão técnica do tipo mais adequado e da ação de plantá-las. E fazer isso tratando essas questões de forma exclusivamente política não é o caminho.
Caso o número informado pelo Engo. Gayer se confirme, além de "espantoso" acho auspicioso. Assim, a se confirmar, entendo que sim!, que deveríamos divulgar Joinville, além de como "Cidade das Flores", "das Bicicletas" e "das Indústrias", como a Cidade mais Verde do Mundo. Serviria até como um incentivo às próximas gerações para tratarem o assunto com o devido cuidado.
Em relação aos dados perguntados pelo Nico, a PMJ possui atualmente dados e ferramentas de geoprocessamento que podem de maneira relativamente simples chegar a estas respostas. A questão é estabelecer principios e metodologias da forma de calcular isto de acordo com os objetivos e necessidades estabelecidas.
ResponderExcluirPrimeiro temos que separar a área rural da urbana, pois possuem características, legislações incidentes e destinações completamente diferenciadas. Depois, como já foi falado, as áreas verdes urbanas também possuem distinções básicas. Devemos separar num primeiro momento as áreas de preservação permanente (APP), e depois as áreas privadas das públicas. As privadas não se encontram protegidas integralmente, e mesmo as acima da cota 40 possuem possibilidade de ocupação menos intensiva. Um fator importante, além da quantidade, é a distribuição deste verde ao longo da cidade, de modo que seja o menos fragmentado possível e que consiga estabelecer conexões entre sí. É a partir disto que podemos estabelecer um planejamento que possa indicar por exemplo, qual bairro ou microbacia tem que ter mais estímulo para a proteção das áreas privadas, criação de áreas públicas e implementação da arborização de vias.
Por fim, só para exemplificar a fragilidade de trabalhar somente com os índices citados, os morros do Boa Vista e Iririú somam sozinhos os 6 milhões de m² indicados pela OMS. Apesar da grandiosidade e importancia destes dois maciços verdes, sabemos que é pouco para uma malha urbana tão extensa e por vezes desértica.
Ok, Gilberto, mas, para termos uma avaliação regional (me refiro às cidades limítrofes), devemos ter, primeiro um panorama geral, levando em conta qualquer área verde, para, daí, definir as, digamos, micro-regiões que devam ser alvo de projetos específicos, já que, certamente, terão problemas específicos - avenidas, praças, áreas desmatadas, alta concentração de moradias, etc - e, portanto, terão que ser tratadas de modo específico. Sou leigo no assunto, mas me parece que hoje, a solução não pode comtemplar somente Jioinville. Terá que abranger toda a região Norte. De qualquer forma, importante é que no seu em torno e de forma geral temos uma situação previlegiada, estou certo?
ResponderExcluirNico, sem dúvida que temos ainda uma posição privilegiada, e podemos (e devemos) fazer um bom marketing disto. Temos uma área rural ainda preservadíssima se comparada com outros municipios do Oeste e Centro do Estado. Esta área é super estratégica em termos de preservação de diversas espécies ameaçadas e para desenvolver eco-turismo. É provável que o indice urbano de área verde/hab seja bem elevado em função dos mangues, morros e vazios urbanos existentes. E como foi falado, temos boa parte do entorno da Babitonga e da Serra do Mar preservados. É necessária a parceria com São Chico, Araquari, Garuva e Campo Alegre para cuidar bem disso, antes que seja tarde.
ResponderExcluirMas com tudo isso ainda queimamos a cabeça no sol ao caminhar na maior parte das ruas, as nossas praças são poucas e mal arborizadas, e boa parte do estoque do verde urbano está mal distribuido e com poucas garantias de preservação.
Nico
ResponderExcluirNão era minha intenção comparar o Rio com Joinville, só quis escolher o emblemático exemplo do Morro da Viúva pelo que tem de escandaloso e porque tem situações em que vamos ficar perto disto com os morros sendo rodeados por prédios que podem chegar a formar uma verdadeira muralha física e visual
Absurdo maior que os prédios que fizeram no morrinho atras do Anthurium, aquilo é uma favela vertical.
Estamos indo nesta direção e a bom ritmo
Acho que é importante nesse caso ter em mente a distinção entre os assuntos - apesar dessa linha linha ser tênue. Sem dúvida ao se falar da "emoção do verde" e das áreas que vou considerar aqui como sendo de preservação permanente temos essa sensação, compartilho da mesma sensação descrita e ainda continuo a tê-la até hoje quando venho de Florianópolis. Nesse caso específico é evidente a necessidade de um planejamento regional e talvez até uma política intermunicipal ou estadual visando a preservação dessa área, ou a utilização de seu potencial cenográfico para o turismo. Entretanto em uma outra escala a questão do verde público, que prefiro definir como espaços livres públicos (pra não cair na contradição de começar a nomear áreas residuais de sistema viário - rótulas e afins - como áreas verdes de lazer, a exemplo do que acontece em Florianópolis). Na minha visão as duas cidades sofrem um pouco da mesma mentalidade mas por motivos diferentes no caso de Florianópolis é a presença dos balneários que aparentemente suprimem a necessidade da implantação de parques, no caso de Joinville parece ser a presença do verde constante na paisagem urbana, por assim dizer, o culpado dessa mentalidade. Não ponho em discussão a necessidade de manter essas áreas preservadas, da mesma forma que ainda incluiria, e com urgência, a preocupação com as áreas de mangue. Mas é preciso se ater às diferentes escalas e principalmente a possibilidade de um trabalho simultâneo entre as duas frentes tentando não deixar as propostas engessadas por uma burocracia existente num processo de planejamento regional, onde se tem em jogo uma série de interesses distintos. Os órgão municipais joinvilenses podem e devem começar a se preocupar com o espaço público como um todo, da arborização das ruas e qualidade das calçadas até a criação de áreas de lazer, parques, passeios públicos, jardins botânicos... Alguns passos foram dados mas ainda há muito o que se fazer.
ResponderExcluirAproveito pra deixa um link de um grupo de pesquisa da UFSC que tem como tema principal a ocupação de áreas de encosta, apesar do foco de estudo ser o Maciço do Morro da Cruz em Florianópolis, acredito que possa servir como comparação:
http://soniaa.arq.prof.ufsc.br/sonia/trabalhospublicados.htm
Além disso para efeito de comparação cito algumas cidades que me ocorrem rapidamente: Maringá e Londrina no Paraná, Lyon na França, Oslo na Noruega, e as italianas Bergamo, Monza, Florença... Todas com populações mais ou menos semelhantes ou até menores que a de Joinville, mas que contam com um sistema de espaços livres públicos melhor articulados e consequentemente mais utilizados.