sábado, 28 de janeiro de 2012

A imprensa e o ônibus


POR JOSÉ ROBERTO PETERS


Quando cheguei a Joinville para estudar, no final dos anos 70, a cidade era muito diferente do que é hoje: poucos prédios e só a Santos Dumont asfaltada. Diziam que o lençol freático era muito alto para asfaltar e para grandes construções. Eram duas empresas de ônibus: os azuis dominavam o norte e os marrons o sul. Parecia uma espécie de guerra da secessão: de um lado, os caras do Norte, do outro, os caras do Sul.

A gente comprava os bloquinhos de passe — os azuis só recebiam os deles — que valiam até que as passagens aumentassem de preço. Aí tínhamos que dar um passe e completar o resto com dinheiro. Demorou até que as empresas entendessem de economia: a gente pagava adiantado, poxa. Os diretórios acadêmicos da FURJ e da FEJ até que tentavam lutas pelo passe estudantil. Mas quem respeitava estudante naquela época? Era o tempo da novembrada, do governo militar.

O tempo foi passando e algumas coisas foram mudando: os ônibus ficaram todos amarelos. Lembro que quando estava no DCE da Univille, já nos anos 90, fretamos dois ônibus para levar estudantes do centro direto até ao Bom Retiro. Era a nossa tentativa de lutar pelo passe estudantil, denunciar o monopólio e mostrar aos “empresários de visão” que havia gente suficiente para abrir uma nova linha.

Fomos barrados na Santos Dumont por várias viaturas da polícia com homens armados de escopeta e tudo. O aparato policial contra dois ônibus com cerca de oitenta estudantes armados até os dentes com cadernos, livros e canetas: gente perigosa. Ah! Junto com a polícia havia também um fiscal da prefeitura — em hora extra, pelo jeito — para conferir a licença dos ônibus.

Após uma negociação, um tanto quanto tensa, fomos liberados para ir até à faculdade. A partir desta foi colocada uma linha direta do centro até a Univille. A imprensa na época não deu uma linha do nosso protesto, mas gastou algumas para dizer da visão dos empresários que abriam uma nova linha para a população.

Quando anunciaram que Joinville ia ser uma das primeiras cidades do país a usar a bilhetagem automática, lembro-me de ter conversado com alguns cobradores e perguntar o que seria dos empregos. Eles diziam que os donos das empresas já haviam falado sobre isso: iriam transformar todos em motoristas. Que bom. Principalmente se fosse verdade. Parece que muita gente não sabia fazer as contas: um ônibus um motorista. E a imprensa — principalmente alguns radialistas — se vangloriava do status de primeiro mundo de Joinville.

Lá por 2007 — eu já não estava mais em Joinville — aparece o movimento pelo passe livre e alguns “jornalistas” atacaram. Qualquer um pode ver no Youtube as cenas e os comentários isentos enquanto mostravam as imagens: “Ele não tem dinheiro pra pagar ônibus, mas olha a banha”, dizia um dos “jornalistas” falando sobre um dos manifestantes. “A polícia tem de agir, pois é contra a constituição fechar as ruas”, dizia outro.

Pois é, mas as coisas mudam. Agora acertaram o tom. Quando a polícia usou gás de pimenta sobre os manifestantes contra o aumento das passagens, a mesma "imprensa" ataca o prefeito — que por um passe de mágica passa a ser o comandante da PM. A concessão do serviço público ganha espaço na mídia. Gente que nunca andou de ônibus ataca o monopólio. Discute-se a inflação com gráficos e que tais.

Tô gostando de ver. Acho até que vou recomendar este pessoal da "imprensa" de Joinville pra ajudar a dar um pau na polícia paulista. Uma polícia que prende e agride estudante na USP, que manda bomba de efeito moral nos que lutam pelo passe livre na Paulista e que agora está dando um show na desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos. A grande imprensa tem muito a aprender.


José Roberto Peters é matemático e foi professor universitário em Joinville.

7 comentários:

  1. O problema é que sempre confudem imprensa com o radialismo de aluguel que ainda é forte em Joinville. No meu tempo de AN, principalmente em 2009, fizemos matérias sobre questão judicial que impediu a licitação do transporte e acompanhamos de muito perto as manifestações.

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  2. Ta bom Upiara, vamos fazer de conta que o AN é imparcial, uma matéria não reflete o total de manipulações vista dia após dia até sobre as nossas falas e entrevistas. Sé quem está presente nas lutas sabe do que to falando

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  3. Peters, é um prazer poder discutir idéias novamente com vc que sabe tâo bem usar as palavras para defender sua opinião e ouve e respeita as alheias.

    Utilizei no curto espaço de tempo que durou o "especial" que saía do Abel Schultz, onde o principal atrativo não era o valor mas o menor tempo na fila. O trajeto durava 15 minutos , pela Transtusa eram 20 minutos mais 5 ou 10 dependendo do lugar na fila de espera.

    Desconheço hoje o tempo de ônibus entre centro e Univille, mas tenho acredito ser maior, mas tenho certeza que PM paulista cumprindo seus deveres não tem responsabilidade nisso

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  4. Se o Ivan acha que a cobertura do A Notícia equivale ao que dizem os radialistas de aluguel, não tem diálogo. Vai ver, imparcial é ele...

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  5. Eu sou sim parcial, tenho posições políticas defendo essas posições.
    Vai ver é porque eu não sou jornalista e sim militante de movimentos sociais e de um partido político socialista e de esquerda.
    Porém o grupo RBS é um grupo de direita, mas faz de conta de que é imparcial...

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  6. 40 pessoas fizeram falas na 1 audiência sobre o transporte, sendo 8 da Frente e +- a mesma quantidade da esquerda marxista do pt, corrente do Adilson Mariano, o resto eram de organizações diversas (até o Charles Henrique fez denuncias de irregularidades, muito bem articulado por sinal), houveram diferentes visões sobre a licitação mas algumas foram unânimes, 2 audiências no centro é muito pouco. Também foi muito bem denunciado a empresa de consultoria colocada para defender as empresas gidion/transtusa e olha o que o jornal ANotícia publicou:
    http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&section=Geral&newsID=a3648576.xml

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