terça-feira, 16 de setembro de 2014
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
O karaokê aqui do lado
POR JORDI CASTAN
Morar numa área residencial em Joinville está cada vez mais difícil.
Aos poucos, as áreas exclusivamente residenciais estão sumindo. Aqui perto da
casa há um karaokê que todas as noites fustiga toda a vizinhança com a cantoria
dos seus clientes. Reclamar? Para quê? Para quem? A Fundema, a Seinfra e os
demais setores responsáveis da Prefeitura autorizaram e deixaram de fiscalizar.
Que não cumpra a legislação municipal sobre silêncio parece não importar a ninguém. A Polícia Militar tem sido mais amável e, quando a coisa passa do ponto, especialmente nos finais de semana, depois de muita insistência, tem agido. O problema é tanto do som, que à noite se espalha muito mais e com maior nitidez, alcançando mais de 500 metros de raio, como o fato que o karaokê não tem nenhum tipo de controle de qualidade e permite que qualquer um possa fazer uso do microfone. Como resultado, os que pior cantam são os que mais tempo o fazem, gritam mais alto e perturbam a paz e o sossego dos que gostariam de dormir depois da meia-noite.
Que não cumpra a legislação municipal sobre silêncio parece não importar a ninguém. A Polícia Militar tem sido mais amável e, quando a coisa passa do ponto, especialmente nos finais de semana, depois de muita insistência, tem agido. O problema é tanto do som, que à noite se espalha muito mais e com maior nitidez, alcançando mais de 500 metros de raio, como o fato que o karaokê não tem nenhum tipo de controle de qualidade e permite que qualquer um possa fazer uso do microfone. Como resultado, os que pior cantam são os que mais tempo o fazem, gritam mais alto e perturbam a paz e o sossego dos que gostariam de dormir depois da meia-noite.
Pretender que se respeite o limite de decibéis depois das
22 horas já sei que é utópico em Joinville. Numa cidade que autoriza a
construção de galpões, que posteriormente serão ocupados por indústrias, comércios
e todo tipo de atividades barulhentas em áreas residenciais, que se pode
esperar? Uma Joinville que se omite de fiscalizar - e que vai crescendo de forma
desordenada - não é o melhor exemplo.
Quando a situação fica crítica de verdade, aprovam-se leis, com o nome do vereador autor da ideia, para regularizar tudo aquilo que foi executado em desconformidade com a legislação. Se concede, assim, uma ampla anistia e se perpetua a cultura do fazer errado e legalizar ou regularizar depois. Como resultado temos uma "lei Cardozinho", para regularizar tudo o que sabidamente foi feito de forma irregular. E agora se debate a necessidade de aprovar uma lei para regularizar tudo o que as igrejas, salões paroquiais e outras instituições assemelhadas fizeram de errado e em desacordo com a lei. E são essas instituições as que primeiro deveriam dar o exemplo.
Quando a situação fica crítica de verdade, aprovam-se leis, com o nome do vereador autor da ideia, para regularizar tudo aquilo que foi executado em desconformidade com a legislação. Se concede, assim, uma ampla anistia e se perpetua a cultura do fazer errado e legalizar ou regularizar depois. Como resultado temos uma "lei Cardozinho", para regularizar tudo o que sabidamente foi feito de forma irregular. E agora se debate a necessidade de aprovar uma lei para regularizar tudo o que as igrejas, salões paroquiais e outras instituições assemelhadas fizeram de errado e em desacordo com a lei. E são essas instituições as que primeiro deveriam dar o exemplo.
Assim Joinville vai ficando cada dia um pouco pior, com ferro-velho ou galpões de reciclagem operando irregularmente na zona rural e, depois, servindo de motivo para regularizar o que é ilegal. Construções ocupam irregularmente recuos ou têm alturas superiores às permitidas, mas serão
legalizadas pela bondade de uns e pagamento de uma taxa que os redimirá de todos os
pecados.
A nova LOT avança neste caminho de propor uma cidade mais
conflituosa. De legalizar muito do que
está errado, o que acaba incentivando a fazer o que deveria ser exceção, acaba se convertendo em regra e os infratores acabam beneficiados.
Se hoje já é difícil, no futuro será impossível conviver com o barulho, os incômodos
e o desconforto.
A única fiscalização que tem agido com firmeza e independência
é a da Vigilância Sanitária. A fiscal Lia Abreu tem se convertido num exemplo
de como deve ser a fiscalização. O resultado é que constantemente é punida pela
sua eficiência. E o seu trabalho tem sido dificultado com frequência, sem veículos
e sem motoristas a fiscalização fica de pés e mãos amarradas. Quem ganha com a
falta de fiscalização? Joinville não, com certeza.
Em tempo, se algum vereador tiver interesse em elaborar um
projeto de lei que regule a qualidade da cantoria nos karaokês e impeça a bêbados
e desafinados cantar depois das 22 horas terá o meu apoio incondicional.
Imaginar que algum dos nossos vereadores fiscalizará a fiscalização é um sonho.
Assim, as leis seguirão sem ser cumpridas... e quase todos felizes.
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
A xenofobia só atinge o pobre, o negro, o favelado?
POR CHARLES HENRIQUE VOOS
Quando uma cidade quer controlar o seu crescimento populacional, por exemplo, é comum levantarmos notícias de Prefeituras que colocaram mendigos, profissionais do sexo, e demais pessoas pobres em ônibus e mandaram para alguma outra cidade, bem longe dali. Mas são as mesmas Prefeituras que querem mais empresas na cidade e mais executivos morando nela. Até que ponto a xenofobia atinge as mais altas classes de nossa sociedade?
A última onda xenófoba muito presente em nosso dia-a-dia atinge os haitianos. Após incentivos do governo brasileiro, vários deles estão vindo para o Brasil para ter uma vida diferente de seu país natal, que há décadas sofre com problemas políticos internos e uma grande desigualdade social. É um retrato muito parecido com a onda migratória dos anos 1800, quando alemães vieram para nossa região, fugindo do cenário catastrófico que estava a Alemanha pré-unificação. Ou semelhante aos italianos que vieram décadas depois, fugindo da Primeira Guerra e das poucas esperanças na Itália. São estes, inclusive, responsáveis por boa parte da herança étnica que temos aqui no sul do país, juntamente com os afro-descendentes, os ibéricos e a população indígena que aqui habita há muito tempo. Se olharmos mais recentemente, o forçado êxodo rural do século XX nas cidades brasileiras trouxe muita gente do interior para o litoral em busca de melhores oportunidades. O joinvilense médio não é o descendente germânico, mas, sim, uma mistura de várias etnias.
Os haitianos não vieram para invadir o país ou declararem guerra. Vieram para ter uma vida diferente e ocuparem postos de trabalho que geralmente não são ocupados por brasileiros. Há muitos municípios em que as Prefeituras locais criaram programas de atendimento específicos para estes migrantes, mas a população em geral ainda carrega um preconceito bobo, fantasiado de xenofobia. O executivo alemão que vem morar na região por causa da BMW não recebe o mesmo tratamento que o haitiano que expõe a sua trajetória de vida num jornal. O motivo: o primeiro é rico, o segundo é um "pobre coitado". Joinvilenses reproduzem há muitos anos piadas contra paranaenses, só pra citar um outro exemplo.
Infelizmente é uma praga que se espalha não só pela nossa cidade, mas por todas aquelas que sofrem grande crescimento demográfico. Dói demais escutar e ler pessoas com estes preceitos, esquecendo-se que, antes de mais nada, somos todos seres humanos nos adaptando às nossas diferenças, às nossas realidades, às nossas desigualdades. Somos todos migrantes em algum momento de nossas vidas, seja por nós mesmos ou nossos antepassados.
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
Outra vez o racismo
POR ET BARTHES
É ficção. Qualquer semelhança com personagens reais será mera coincidência.
“i”- “di”- “o” - “ta”
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A torcedora do Grêmio que chamou o goleiro Aranha de macaco é racista. Ponto final. É um fato captado pelas câmaras de televisão e não permite atenuantes. Não permite? Como sempre repito, no Brasil tudo o que é proibido é moderamente tolerado. E o caso ganhou contornos ridículos, porque houve muita gente a tentar “branquear” (a palavra é proposital) a imagem da moça.
Ora, há pessoas a dizer que, afinal, ela não é tão racista. Tive mesmo o desprazer de encontrar uma pessoa - torcedora do Grêmio, mas supostamente esclarecida - a defender que não foi um ato de racismo, mas um arroubo da juventude. É um daqueles absurdos que só se respondem com outro absurdo. E apliquei a Lei de Godwin (se não sabe o que é, a Wikipedia traz um verbete) para acabar logo com a discussão.
O gesto da moça não tem a ver com a idade ou o calor do momento. É racismo. É ignóbil. É escroto. É só olhar para a foto - essa que publico aqui - e ver que ofender o goleiro foi uma questão de escolha. Enquanto a moça se esguela a repetir a palavra “ma”-”ca”-”co”, a loira do lado, que parece ter a mesma idade, permanece em silêncio. Aliás, sem ser um especialista em leitura de feições, parece que está incomodada.
Mas o absurdo só tende a piorar. E não é que tem gente da imprensa à espera de um encontro entre Aranha e a torcedora racista? Mas a ideia não é discutir o tema racismo de forma séria. O que se pretende é produzir um espetáculo, levantar as audiências. Uma música dramática, uma lagriminha no canto do olho, um abraço entre o goleiro e a torcedora. E pronto. O Brasil chora com a reconciliação. Não há mais racismo.
O bom nesse episódio é que Aranha não topou. Porque há o risco - ridículo, volto a repetir - de se desenhar um quadro invertido. A mocinha ainda acaba por se tornar heroína. E, se bobear, o goleiro ainda acaba virando o vilão dessa história. Enfim, mantenho a minha posição de primeira hora: aos racistas, sejam mocinhas simpáticas ou não, o rigor da lei. Sem contemplações.
É como diz o velho deitado: “i”- “di”- “o” - “ta”.
terça-feira, 9 de setembro de 2014
O Estrangeiro e as Clandestinas
POR CAROLINA PETERS
A “Menina Zero” (M.O.).
Por esses dias eu lembrei uma história triste na qual há muito não pensava.
Era adolescente, época em que explodiu a onda dos Fotologs – uma espécie de instagram rudimentar, um tanto mais próxima dos blogs, que se iniciavam no mesmo período. Estudava em um colégio católico bastante tradicional, líamos Capricho, namorávamos “sério” e nunca falávamos sobre sexo. Começamos uma semana chuvosa com a notícia da morte de uma menina um ano mais velha que eu. Não a conheci pessoalmente nem lembro seu nome, mas era muito amiga de amigas minhas, o que tornou a morte mais próxima. O laudo oficial falava em “infecção generalizada”.
Foi uma história conturbada, daquelas que com o passar dos anos se tornam quase lendas urbanas e que nos dias que seguiram o velório levantou inúmeras conspirações pelos corredores. Diziam as amigas que ela tinha um namorado problemático, falavam em drogadição. Não sei quem era, se era mal sujeito, ou se não gostavam dele porque não fazia parte dos nossos círculos. O pai da menina morrera dias antes, um ataque cardíaco fulminante. Era jovem ainda, não devia ter cinquenta anos. No dia do enterro, o ex-namorado invadiu seu fotolog da menina e postou uma imagem de sapatinhos de tricô, daqueles de bebê. Os menos chegados e mais fofoqueiros que estiveram presentes no velório relataram um corpo inchado, sobretudo no abdome. E logo se espalhou da forma mais desonesta possível o rumor de que M.O. fizera um aborto.
Lembro da reação de minhas amigas – nossas amigas – negando a história, e achando o mais absurdo do mundo a difamação que sofria a morta. Para mim, ambos buscavam anular a existência daquela menina: os que a condenavam – e que foram cúmplices desse assassinato; e as que julgavam proteger, quando negavam a essa jovem mulher o direito da escolha e arbítrio sobre seu corpo. Mais uma camuflada na cifra dos abortos clandestinos no país.
Das poucas menções ao debate do aborto que me lembro nos tempos de colégio, nenhuma trazia dados, posições distintas, textos de apoio. Foram homens, párocos, professores de Ensino Religioso, que de maneira cretina passavam de raspão sobre o tema evitando polêmica; mas ideologicamente certeiros para carimbar a posição: o aborto é um crime contra a vida. No limite, ela(s) merecia(m) morrer?
E o que mais me instiga, já longe de Santa Catarina física e moralmente, era saber que essa menina, a amiga da minha amiga que estudava ali, na sala ao lado, é o ponto fora da curva na estatística alta de mortes decorrentes de abortamento no Brasil. Ela tinha todas as condições financeiras e acesso a equipamento hospitalar para recorrer a um procedimento seguro e anônimo. Quem sabe hoje estaria se formando na faculdade, aceitando um pedido de casamento. Planejando, agora sim, engravidar.
Quantas naquele colégios – nesses colégios tradicionais catarinenses – não deveriam ter feito um aborto? Ou pensado sobre isso num eventual atraso da menstruação? Distante, a morte me parece a consequência lógica de outra história do mesmo período, da menina que esperou o oitavo mês de gestação e uma consulta ginecológica forçada pela mãe – preocupada com a interrupção abrupta no ciclo menstrual da filha – para se declarar grávida.
Se o sexo deixa de existir quando não falamos dele, a vida não pode existir tampouco.
A “Mulher Zero”.
Jandira Magdalena dos Santos talvez agora seja não mais que um corpo carbonizado. Ela tinha o dinheiro (quase R$5mil) para abortar, mas esbarrou na clandestinidade e agora seu rosto estampa jornais e portais de notícia.
Jandira é uma das cerca de um milhão de mulheres brasileiras que decidem interromper a gestação. O número é impreciso devido à ilegalidade que impede uma pequisa mais aprofundada, mas há uns anos, pesquisadoras da UnB divulgaram um estudo interessante sobre o perfil dessas mulheres que optam por realizar um aborto são em sua maioria casadas, cristãs, têm mais de trinta anos. As cerca de um milhão de mulheres que abortamos no Brasil podemos ser eu, sua irmã, mãe, tia. Você.
Pode ser inclusive a vovó. E de quantas avós já ouvi histórias... Não há quem não conheça uma mulher que já fez um aborto. Mas acima da idade; das crenças pessoais; do relacionamento estável ou não; de já terem filhos ou não; das condições financeiras, o ponto em comum entre todas elas é a convicção de que têm o direito de ser mães. E como direito, essa é uma escolha delas, não do Estado ou de qualquer religião. A maternidade não é um karma, uma sina, mas uma escolha consciente que as mulheres tomamos. Porque somos sujeitos de nossa própria história. Porque somos gente.
O Estrangeiro.
Assistindo aos debates e ao horário eleitoral, me senti relendo O estrangeiro, de Albert Camus, em uma versão esteticamente pobre. Aos que nunca leram, ou que por ventura não tenham entendido o texto, se trata da história de um homem condenado à morte por não enlutar a mãe. O homem se torna réu pelo assassinato de um árabe, mas este não passa de um episódio secundário que dá corda à trama. A ação principal não é senão a sobreposição do código moral individual sobre o plano público, o qual deveria ser regido por um código autônomo de forma a garantir igualdade de julgamento a todos os indivíduos, independente de suas convicções íntimas – ou antes, as convicções de seus juízes.
O discurso obscurantista que criminaliza e demoniza a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) é um discurso que criminaliza unicamente as mulheres, como se sua gestação fosse fruto de autogênese. Que submete mesmo aquelas que passam por abortamentos espontâneos, em hospitais públicos e privados de primeira linha, a um atendimento vexatório, negligente. Humilhante. É o discurso que coage famílias simples de crianças estupradas a obrigar essas meninas a seguir com uma gravidez que seus pequenos corpos e mentes infantis não têm condições de gestar. Que dificulta o acesso de uma gestante ao aborto legal – previsto por lei – para que possa dar sequência a um tratamento de saúde emergencial. É um discurso de ódio, que faz das mulheres cidadãs de segunda categoria. O discurso que diz defender a “vida”, defende que nossa vida, a vida das mulheres, valha menos ou quase nada.
Que fique claro aos que se chocam com os vídeos enganosos que circulam pela rede: um feto formado vai nascer. Nossa defesa do aborto considera as semanas iniciais da gestação, entre 12ª e 14ª, conforme exemplos que temos pelo mundo. Enquanto o embrião ainda é dependente do corpo da mulher para sobreviver, ou seja, não tem existência autônoma. Aos curiosos em saber como se parece, sugiro esse link aqui.
Legalizar o aborto não é forçar ninguém a violar suas crenças pessoais. É tratar um grave problema de saúde pública que mata e mutila centenas de mulheres todos os anos, e assegurar dignidade e direito de escolha a todas nós.
![]() |
"A fazedora de anjos", 1908: tríptico de Pedro Weingärtner, do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, retrata o aborto na virada do século XX. De perto é impressionante. |
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Dar uma espiada em Arapongaville
POR JORDI CASTAN
Era uma vez na sambaquiana capital do reino dos manguezais.
O burgomestre andava fascinado com a segurança, ao ponto de criar uma
secretaria de segurança sui generis. Sonhava ver os seus
agentes uniformizados desfilando garbosos e armados - e bem armados.
Acreditava que aí sim a segurança de Arapongaville estaria resolvida. Roubos,
assaltos e outros crimes diminuiriam porque a sua pomposa guarda municipal
traria a tranquilidade para os arapongavillenses, coisa que nem a Policia
Civil, nem a Policia Militar tinham conseguido garantir.
Mas enquanto a sua guarda local não começava o seu
patrulhamento ostensivo - e enquanto a segurança de fato não melhorava - o
burgomestre decidiu dedicar-se a curtir o seu brinquedo mais novo: a belíssima
“Central de Arapongagem da Estrela”. Um brinquedo lindo, equipado com o último
grito na tecnologia da bisbilhotagem. Não havia telefone fixo nem celular que
não pudesse ser grampeado. Não havia secretário que não tivesse a sua agenda
esquadrinhada com atenção. Nada escapava ao olhar implacável da dita central.
Os relatórios seriam detalhados. Quem? Quando? Onde? Com
quem? O que? A que hora? Quanto tempo? Lembravam os da Stassi (Ministerium für
Staatssicherheit, MfS) da antiga Alemanha Oriental, a policia política do
ex-presidente Erich Honecker, que acumulou toneladas de relatórios, dezenas de
milhares de horas de gravações, milhares de terabites de informações inúteis.
Informações que incluíam desde receitas de bolo a medidas da roupa interior dos
amantes do regime, passando pelo número de colheres de açúcar que uma
determinada pessoa colocava no cafezinho.
Só havia um problema. Havia quem dissesse que o velho
general estaria usando os recursos públicos do orçamento municipal para
bisbilhotar. Muitos diziam: se quisesse brincar de James Bond dos manguezais
com o seu patrimônio, tudo não passaria de uma excentricidade de um velho gagá
que nunca superou a sua fascinação pelas marchas militares prussianas e crente
de que ordem é progresso. Mas dedicar recursos públicos, tempo dos funcionários
e o próprio tempo que seria destinado a resolver os problemas de Arapongaville
preocupava e entristecia os arapongavilenses. Porque o velho general não
percebia o ridículo da imagem de um coscuvilheiro de pijama e pantufas
lendo mexericos da vida alheia, como quem acompanha, sem perder detalhe, o
enredo a novela das oito.
Mas esta história, como uma novela das oito, é ficção.
sábado, 6 de setembro de 2014
Putin, Putin, Putin
POR ET BARTHES
Sempre que um post tem o nome de Putin, de repente aparecem leitores na Russia e na Ucrânia (Ukraine). Então hoje vamos testar, para ver se eles aparecem. Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin, Putin. Enough?
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
O povo está oficialmente fora do Conselho da Cidade
POR CHARLES HENRIQUE VOOS
Quando em 2013 se questionou a Conferência da Cidade, momento em que somente cidadãos com CNPJ ou estatuto social poderiam se candidatar a delegados para o Conselho da Cidade, percebemos que algo não estava de acordo com os preceitos legais e teóricos sobre o assunto. Só se elegeu para o Conselho da Cidade quem fazia parte de alguma entidade, associação ou OSCIP. Foi privado de seu direito todo o qualquer cidadão residente na cidade, rasgando o que diz o Estatuto da Cidade:
Art 1, II - gestão democrática por meio da participação da população E de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população E de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. (Grifos nossos)
O Conselho da Cidade foi, então, questionado, mas mantido através de decisão judicial. De acordo com algumas inobservâncias do Estatuto nas decisões judiciais, alguns recursos foram proferidos pela sociedade civil, com algumas respostas positivas (principalmente através de recursos em Florianópolis) e outras frustrantes. Uma das mais mais contrárias à participação popular aconteceu nesta semana.
Quando a ação popular questionou o fato da não-participação da sociedade civil nas reuniões do Conselho da Cidade, o Juiz Roberto Lepper, da 2a. Vara da Fazenda Pública de Joinville, sentenciou que a população "comum" não deve ter acesso às reuniões do Conselho da Cidade, já que ela não tem direito a voz e nem a voto. Segundo a decisão:
não há porque determinar-se aos réus que garantam que as reuniões do Conselho da Cidade e de seus órgãos fracionários sejam abertas ao público e a qualquer do povo, com direito a voz etc, cumprindo- lhes apenas a observância das regras previstas no Regimento Interno. (Grifo nosso)
Todavia, há algumas considerações a se fazer:
a) Os conselheiros eleitos, mesmo que com o CNPJ, tiveram votos da população "comum", após a garantia deste via ação popular pós-Conferência da Cidade em 2013 (se dependesse da prefeitura de Joinville nem isto teria acontecido);
b) Como há uma representação não só das associações representativas dos segmentos, mas também da sociedade civil num geral, nada mais justo que a abertura das reuniões para a população aconteça como forma de fiscalização social e acompanhamento dos trabalhos dos representantes eleitos (mesmo que, ao nosso ver, de forma antidemocrática pela obrigatoriedade de uma representação associativa) na gestão democrática da cidade de Joinville. É assim que funciona com qualquer órgão representativo: Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, etc.;
c) O Regimento Interno diz que todas as manifestações são registradas em ata e isto, para o magistrado, já vale como instrumento de observação do que acontece nas reuniões do Conselho da Cidade. Como proceder em casos como o do ex-conselheiro Juarez Vieira, onde suas manifestações contrárias ao modelo de análise da nova Lei de Ordenamento Territorial foram omitidas das atas oficiais, mesmo com a sua ênfase para que constasse o registro por escrito?
Está muito evidente que algumas situações estão indo contra aos preceitos mais modernos de participação popular e gestão democrática da cidade. A população deve, sim, ter acesso a todas as ações públicas, especialmente quando estas forem tomadas em Conselhos e demais canais participativos. Cercear a participação popular nestes órgãos é, em minha visão, ceifar anos de construção popular em torno do planejamento urbano participativo, além de declarar abertamente que existe medo em torno da pressão popular que pode existir nestas reuniões, mesmo somente com sua presença física, sem direito a voz e nem a voto. Ou seria aceitar, de forma implícita, que há algo para ser escondido e que a população não deve saber?
É por estas e outras que a justiça se torna um agente determinante na construção das cidades, e o foco sob sua atuação deve ser aumentado, evitando, ao longo dos anos, que casos como este apresentado tornem-se menos comuns como atualmente. A flexibilização da lei não deve acontecer a favor de ninguém, muito menos aos grupos dominantes do cenário político-financeiro e aos grupos do capital imobiliário-construtivo.
Obs: a íntegra da decisão pode ser obtida em www.tjsc.jus.br, autos número 0803258-37.2014.8.24.038.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
Marina e a letargia democrática
POR CLÓVIS GRUNER
A semana foi de Marina Silva, e não por menos: fato único na
nossa história política recente, a candidata do PSB conseguiu, em apenas duas
semanas, mudar radicalmente o roteiro eleitoral, que até sua entrada em cena
repetia a mesma polarização PT x PSDB das últimas duas décadas e cinco eleições.
A acreditarmos nas pesquisas, o “fator Marina” não apenas conduz a candidatura de Aécio Neves a um fim bíblico (“do pó vieste, ao pó retornarás”), como
acendeu todos os sinais de alerta na de Dilma Rousseff, que pela primeira vez
vislumbra no horizonte o risco de ver comprometido, em um eventual segundo
turno, o projeto da reeleição.
Mas não foi apenas sua ascensão meteórica nas pesquisas que tornou Marina Silva a principal protagonista nos debates políticos e redes sociais.
Porque suas intenções de voto crescem na mesma proporção em que se tornam
visíveis as muitas fragilidades de seu discurso. Nos dois debates de que
participou, por exemplo, a candidata socialista tergiversou sobre todas – e não
exagero – as questões controversas e urgentes que lhe foram propostas. Tudo
parece se resumir a esta coisa algo vaga que ela define como a “nova política”,
ainda que o preço para eventualmente implementá-la no futuro seja firmar, no
presente, alianças com alguns velhos políticos.
Ao longo da última semana, à medida que seu protagonismo fez
crescer o interesse especialmente midiático por suas ideias e projetos, Marina
Silva mergulhou em um sem número de contradições. Entre elas, a mais lamentável
foi o episódio envolvendo Silas Malafaia, o pastor que por razões e fantasias
insondáveis, lidera uma raivosa campanha contra os direitos LGBTs. Bastou Malafaia falar mais alto, e ela retirou
rapidamente do seu Programa de Governo aquilo que poderia comprometer o seu apoio
e o voto evangélico e conservador. O episódio traz algo de didático, é verdade:
ao recuar diante da pressão de um fundamentalista cristão, Marina sinaliza mais
claramente não apenas com quem e para quem pretende governar. Implícita em sua
atitude está o risco de retrocedermos ainda mais justamente onde o Estado
brasileiro pouco avançou nos últimos anos: a laicidade, condição fundamental
para se consolidar uma política de direitos civis efetivamente republicana.
CONTRA TUDO O QUE ESTÁ AÍ – Ao
menos parcialmente, a ascensão de Marina Silva pode ser explicada pelo
descontentamento, algo generalizado, com os esquemas políticos que vigoraram
nos últimos 20 anos. Como disse anteriormente, ela encarna
melhor, para o eleitor médio – aquele não deseja nem a reeleição de Dilma, nem
o retorno tucano, mas que pretende escolher seu candidato dentro de limites
ideológicos e programáticos mais convencionais –, a “terceira via”. Além
disso, sua biografia política é, como a de Lula, singular – o que
tornam equivocadas, a meu ver, as inúmeras comparações feitas nos últimos dias entre
ela e Fernando Collor.
Uma coisa e outra, e Marina atraiu muitos dos eleitores sem
uma candidatura definida e mesmo desinteressados do debate eleitoral, e é
significativo que o número de indecisos e de votos brancos e nulos tenha
diminuído sensivelmente, também de acordo com as últimas pesquisas. Para muitos
eleitores, ela representa efetivamente a promessa de renovação. O que pode
significar, entre outras coisas, que para eles as contradições de seu discurso,
as incongruências de seu programa de governo e a fragilidade de sua aliança
partidária não são importantes ou, talvez, sequer percebidas. As tentativas de
dilmistas e aecistas de jogar com o medo do eleitor tão pouco funcionaram até
aqui: Marina agrega votos porque conseguiu se posicionar, no imaginário de
muitos brasileiros, naquele lugar intermediário entre a continuidade do que é e
a reedição do que já foi.
De certa forma ela deu voz e forma aquele sentimento difuso que
é “contra tudo o que está aí”, tão presente nas redes sociais e em pelo menos
duas ocasiões – as “Jornadas de Junho” de 2013 e, mais recentemente, nas
manifestações contra a Copa –, também nas ruas. As outras duas candidaturas que
poderiam assumir esse papel – Luciana Genro (PSOL) e Eduardo Jorge (PV) – não lograram
êxito em parte porque abrigadas em legendas “nanicas”, extremamente desfavorecidas
pelas regras do jogo eleitoral. Mas também porque a opção por um ou outro
implica um posicionamento político e ideológico claro, inexistente quando se
trata da candidata socialista. A despolitização é um dos traços da candidatura
de Marina Silva e, neste sentido, ela caminha na contramão do legado das
manifestações do ano passado.
POLITIZAR A POLÍTICA – Quando milhares de brasileiros,
principalmente jovens, saíram às ruas, me misturei à multidão, mesmo não sendo
mais jovem, e vi com entusiasmo o que era o retorno da política às ruas, depois
de um longo hiato. De certa forma uma resposta ao desgaste, depois de três
décadas, do modelo político surgido com a redemocratização, as “Jornadas de
Junho” alertavam, entre outras coisas, para a necessidade de fazer avançar a
democracia. Num momento em que a maioria dos partidos, o PT inclusive, se
distanciava dos segmentos e movimentos sociais, e que o enfrentamento com o discurso
conservador ganhava contornos mais claros e críticos, as manifestações de junho
nos lembraram da necessidade de inventarmos outras formas de pensar e fazer
política.
Nos últimos dias aqui e ali apareceram textos a sugerir uma ligação
– mais ou menos tênue, a depender do autor – entre as “Jornadas” de 2013 e a
candidatura de Marina Silva. O argumento central é de que, ao colocar fim à
polarização partidária, ela reúne as condições para organizar os fluxos
dispersos e fragmentados que circularam pelas ruas durante as mobilizações. Em
um outro nível, institucional, Marina representaria parte daquilo que estava na
ordem do dia das passeatas em função de sua independência frente aos esquemas
políticos cristalizados nas candidaturas petista e tucana.
Entendo as razões pelas quais muita gente apostou nisso – e alguns parecem ainda apostar –; mas não consigo concordar com a aproximação. E não apenas porque a candidatura de Marina Silva é a parada do velho novo: seu ingresso oportunista no PSB; sua subserviência aos grupos religiosos e conservadores; as alianças já firmadas e as promessas de apoio futuro, tudo ali é mais do mesmo. Seu discurso calculadamente descompromissado com a “velha política” pode mobilizar votos, mas desmobiliza na política sua capacidade de organizar e regular as multiplicidades e o convívio de e entre diferentes: ao recusar o confronto pela conciliação, sustentada em compromissos vagos, abstratos e contraditórios de futuro, Marina Silva despolitiza a política. Presta um desserviço à nossa ainda frágil democracia, e erra onde as “Jornadas de Junho” acertaram: é preciso fazê-la avançar. Com Marina, na melhor das hipóteses, serão mais quatro anos de letargia.
Entendo as razões pelas quais muita gente apostou nisso – e alguns parecem ainda apostar –; mas não consigo concordar com a aproximação. E não apenas porque a candidatura de Marina Silva é a parada do velho novo: seu ingresso oportunista no PSB; sua subserviência aos grupos religiosos e conservadores; as alianças já firmadas e as promessas de apoio futuro, tudo ali é mais do mesmo. Seu discurso calculadamente descompromissado com a “velha política” pode mobilizar votos, mas desmobiliza na política sua capacidade de organizar e regular as multiplicidades e o convívio de e entre diferentes: ao recusar o confronto pela conciliação, sustentada em compromissos vagos, abstratos e contraditórios de futuro, Marina Silva despolitiza a política. Presta um desserviço à nossa ainda frágil democracia, e erra onde as “Jornadas de Junho” acertaram: é preciso fazê-la avançar. Com Marina, na melhor das hipóteses, serão mais quatro anos de letargia.
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