sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Apartheid, a gente vê por aqui


POR CLÓVIS GRUNER

Não estou em Joinville para saber da repercussão – se houve – da nota publicada na edição de ontem (17/10), na coluna “Livre Mercado”, do jornalista Claudio Loetz. Nela, o vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos de Santa Catarina (ABRH/SC), Pedro Luiz Pereira, define o perfil ideal do trabalhador joinvilense:

“Em Joinville, considerando-se todos os tipos e portes de empresas, há vagas em aberto para aproximadamente 7 mil trabalhadores. A estimativa é do vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC), Pedro Luiz Pereira. O perfil ideal do trabalhador procurado é homem, branco, de 25 a 35 anos…”

Não é meu propósito julgar as razões do jornalista para publicar tal declaração sem, ao menos, problematizar seu teor. Trabalhei com Claudio Loetz há um par de décadas – sentávamos a uma mesa de distância na antiga redação de “A Notícia”, quando ainda batucávamos as hoje anacrônicas Remingtons. Enfim, sei de sua competência e retidão profissional; ele sabe o que escreveu e tenho certeza que tem igualmente consciência de suas implicações. Mas nunca é demais lembrar que a tal “objetividade jornalística” pode ser uma armadilha para quem escreve, mas às vezes também o é para quem concede a entrevista.

No seu texto, Felipe Silveira já fez as devidas ponderações desde o ponto de vista do jornalismo. Subscrevo tudo o que disse e, como ele, espero do jornal, do colunista mas, principalmente do autor da declaração, algum tipo de explicação – embora reconheça que nada, absolutamente nada do que ele diga irá desfazer o mal estar, nem tampouco mudar o quadro que sua fala tão bem sintetiza: o de que o racismo e o machismo são parte da cultura empresarial. Disso decorre que a aspirada igualdade de condições no mercado de trabalho tem limites muito claros e definidos: não é todo mundo que pode ocupar qualquer cargo, porque em se tratando dos empregadores joinvilenses, boa formação técnica e experiência profissional não são critérios suficiente.

Se já sabíamos que todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros, a declaração de Pedro Luiz Pereira pinta em tons mais berrantes esta realidade. Não se trata, ao menos em Joinville, de convivermos com o fato de que algumas funções de destaque dentro dos organogramas empresariais sejam de acesso exclusivo aos homens brancos (e adultos); o vice-presidente da ABRH nos diz, com todas as letras, que dependendo do empregador a simples aspiração a um posto de trabalho, independente do cargo, é exclusiva de homens brancos e adultos.

UMA INCÔMODA INVISIBILIDADE – Mas se a nota provocou merecida indignação, a afirmação não é uma surpresa. Trata-se de uma invisibilidade que não é recente: basta revisar a historiografia local para constatar a ausência do negro e das mulheres na história da cidade. Se é compreensível – embora não necessariamente justificável – esta falta naqueles trabalhos de cunho mais memorialístico, não se pode dizer o mesmo de um Apolinário Ternes, cujo trabalho sempre alimentou a pretensão de ser uma alternativa aos textos seminais do “seo” Adolfo e da “dona” Ely, e que teve acesso privilegiado às fontes documentais da história local. As mesmas fontes de que se valeram historiadores e historiadoras que, mais recentemente, vem empreendendo um esforço considerável para mostrar que não apenas de homens brancos e adultos se fez a nossa história – e no caso em pauta, lembro e menciono especialmente os trabalhos de Denise da Luz e Janine Gomes da Silva.

Se há ainda quem coloque em dúvida a existência dos preconceitos de gênero e étnico na cidade, faça as contas: quantas mulheres estão na Câmara de Vereadores ou na diretoria da ACIJ? Mesmo morando em Curitiba, soube dos muitos comentários machistas feitos sobre Marinete Merss ao longo da gestão do ex-prefeito Carlito Merss, tudo porque ela nunca se resignou a ocupar o lugar que compete às “grandes mulheres”: ficar sempre à sombra dos “grandes homens”. E o que falar dos dois jogadores do JEC, constrangidos a serem revistados pela polícia porque um delegado achou-os em atitude suspeita? Afinal, eram dois negros com dinheiro, andando de táxi e jantando em um restaurante onde, assim como no mercado de trabalho, a entrada é franqueada principalmente para homens brancos. E se menciono aqui apenas aqueles exemplos mais claros e óbvios, não ignoro que a realidade é tão ou mais dura no que um amigo chamou de “Soweto catarinense”.

Tenho certeza que não faltará quem defenda ou justifique a fala do vice-presidente da ABRH/SC apelando à velha falácia de que ele apenas “expressou a realidade”. Ou pior: haverá quem, como no texto do Felipe Cardoso, publicado aqui no Chuva, argumentará recorrendo a números: se os negros estão em minoria quantitativa, dirão, nada mais “natural” que os empregadores privilegiem os brancos. É uma escolha. Mas ambos os argumentos aproximam-se daqueles utilizados pela maioria dos alemães quando, há quase um século, o Reich decidiu pela perseguição a outras “minorias quantitativas”, judeus principalmente. É a banalidade do mal, já nos ensinou Hannah Arendt, que fomenta a indiferença; e é a indiferença que faz florescer e legitima a intolerância, o preconceito e a violência.

23 comentários:

  1. Faltou um detalhe ao perfil ideal da ABRH: Não ser gordo! By Ácido

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    1. Ácido, neste caso eu permaneceria desempregado. Mas sua observação é pertinente: gordos, ainda que em escala bem menor que negros, não são vistos com simpatia pelo famigerado "mercado de trabalho".

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  2. Excelente texto, Clóvis. É horrível. Se dói na gente, imagine para quem sofre o preconceito!

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  3. "espero do jornal, do colunista mas, principalmente do autor da declaração, algum tipo de explicação" por qual motivo algum deles deveria dar alguma explicação? Quem, em tese, tem algo a explicar são os contratantes, ou os sociólogos, e outros especialistas no fenômeno.

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  4. Um sujeito que é presidente de uma associação que congrega profissionais de RH deveria ser especialista em alguma coisa, talvez, sei lá, em RH, não é mesmo?

    Sendo especialista em RH, talvez mais que simplesmente constatar e/ou reproduzir o que vê, assim tão naturalmente, ele devesse explicar o que leva o famigerado mercado de trabalho a preferir homens brancos e preterir negros e mulheres.

    Um jornalista, sendo um especialista em traduzir, por meio de palavras determinadas opiniões e visões de mundo, sendo também um especialista em saber perguntar mesmo e principalmente aquilo que incomoda, sendo um especialista em fazer aparecer as contradições de seu entrevistado, talvez devesse explicar porque, ao inquirir o especialista em RH, preferiu apenas reproduzir, assim naturalmente, o que ele disse.

    Um jornal, sendo um veículo que não vende um produto qualquer, porque é especialista em informar, e informar com responsabilidade, talvez devesse explicar porque não aproveitou o ato falho de outros dois especialistas - um, vice-presidente de uma associação que congrega profissionais de RH; outro, um jornalista - para pautar talvez um quarto especialista. Ele poderia entrevistar outros especialistas que pudessem responder porque, afinal, três especialistas - um profissional de RH, um jornalista e um jornal - conseguiram, juntos, reproduzir o senso comum ignorante, preconceituoso e discriminatório.

    Afinal, preconceito e ignorância são coisas que se esperam de anônimos frequentadores de caixas de comentários de blogs, mas não de especialistas, não é mesmo?

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  5. Será que negros, gordos e mulheres não ajudam a fomentar a economia joinvilense!!!???

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  6. Quanto a historiografia local, deveriam consultar D. Jutta.
    Frequentemente em suas memórias há negros e mulheres fazendo parte.Ela nunca cita personalidades da história pela cor de pele, deves pedir explicitamente, mas verá que tem vários na história.

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  7. Considero que o texto publicado no jornal citado é extremamente perigoso, pois evidencia que existem 7 mil vagas não preenchidas em Joinville. Quando evidencia esta afirmação claramente se vê o objetivo do texto, que é mostrar o problema que os empresários da região têm para contratar as pessoas. É ainda pior quando indica que o fato principal de não fechar estas vagas, é que os profissionais de Joinville que estão desempregados/empregados não tem o perfil do trabalhador ideal. Enaltecendo que os aspectos físicos que as pessoas têm são mais importantes do que os conhecimentos necessários para fechar as vagas.
    Tipo: "Se você é branco, homem, tem entre 25 a 35 anos e tem formação técnica ou nível superior. Venha para Joinville que tem milhares de vagas no seu perfil."
    A primeira vez que vi o texto, achei claramente que era uma forma de propaganda ou apelo do que uma reportagem factual. Acho que o jornalista, o entrevistado e o jornal foram irresponsáveis pela publicação de texto, pois sabiam que era um texto polêmico.
    Acredito que os dados apresentados pelo representante da ABRH-SC são superestimados e não representam a realidade (sobre a quantidade de vagas), pois não vejo tantas vagas assim sendo anunciadas nas RHs e nas empresas da região, volto a comentar que objetivo principal do texto é apelar para profissionais com o "perfil ideal" mostrado no texto, venham para Joinville pois existem milhares de vagas.
    Outra coisa não comentada, é que o texto indica que não é só machista e racista o perfil ideal do trabalhador, mas indica um preconceito tão antigo quanto o machismo e o racismo que é o preconceito por conta da idade. Quem tem acima de 35 anos esta lascado se ficar desempregado, pois não esta mais no perfil ideal. Isto que a aposentadoria é só com 65 anos.

    Tem vários outros preconceitos que não foram citados que claramente são fatores de discriminação, além de ficarem procurando em redes sociais como você se comporta.
    Nas fichas de RHs aparecem perguntas como estas:
    Qual o seu estado civil?
    Qual a sua religião?
    Você é fumante?

    O preconceito esta impregnado na cabeça de todos e cabe nós mesmos mudar e lutar contra esta situação.

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  8. O jornalista transcreveu o que vice-presidente disse.
    O vice-presidente descreveu a realidade joinvillense.
    Por mais desagradável que seja, ao menos a realidade não foi "tapada com a peneira".
    Não faz sentido não fazer essa citação enquanto lá, nos RH da vida, o preconceito continua acontecendo.

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    1. Diego, esta desculpa - eu não sou responsável - é velha: um sujeito chamado Adolf Eichman já se valeu dela um tempo atrás. Um sujeito que é vice-presidente de uma associação profissional tem de ser capaz de ver além dos "RH da vida" e ousar mais do que simplesmente "descrever a realidade".

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    2. Pois é Diego, é que eu e vc. somos dois elefantes amarelos de três patas e duas trombas. Os únicos ao redor do mundo. E ainda não sabemos que estamos em extinção e estamos sendo caçados pela turma do "politicamente correto". Não sei se sou eu que estou maluco ou esse povo não tá vendo uma coisa simples e objetiva como o Diego apontou.

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    3. Exato, anônimo; vocês são os últimos da espécie. Por isso é bom voarem logo pro ninho.

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    4. fixação pelo nazismo, Clóvis...

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    5. Fixação? Não! Mas quando vejo gente justificando e legitimando práticas e discursos discriminatórios apelando ao "politicamente incorreto", eu realmente me preocupo.

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  9. Aos que preferem que informações sejam veladas, aguardem mais um ou dois anos, quem sabe até lá a imprensa livre que ainda suspira nesse país esvaneça e a adoção do “politicamente correto” (para os interesses de alguns) seja uma obrigatoriedade em todos os meios de comunicação.

    Querem saber mais sobre o controle do governo sobre a imprensa livre? Procurem no Google o personagem “Rui Falcão”, atual presidente do PT e sua retórica sobre a “imprensa democrática”, quando fala bem do governo e “imprensa antidemocrática” e “oposição sem cara”, quando denuncia as falcatruas dos governos Lula e Dilma.

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    1. Marcos, impressão minha ou você está comentando o 'post' errado?

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    2. Sim Marcos, só se pode falar o que o Clóvis acha correto. Se não tem que exterminar o jornal, o jornalista e a única pessoa que ousou falar a verdade. Existe racismo, ponto.

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    3. Tem que ser como na Venezuela, falar o que o General de plantão deseja. Se não, xau.

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    4. Clóvis, o primeiro parágrafo caiu bem. O segundo foi uma esticadinha.

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  10. “Politicamente correto”, nesse caso, significa apenas escrever e falar aquilo que a população quer ler e ouvir. Eu tenho 1,90m e 110kg e sou considerado gordo, tenho certa dificuldade em me adaptar em alguns assentos públicos. Por isso devo ficar com raiva quando leio em algum jornal ameaças de alguma empresa aérea querendo cobrar preço extra pela minha condição e a de milhares de cidadãos brasileiros? É mais pura verdade! Isso é discriminação contra as pessoas acima do peso, mas os jornais têm de fazer o seu papel, oras. Não julguem o presidente da ABRH/SC ou o jornalista pela propagação desse absurdo, mas os empresários e os próprios RH’s.

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    1. Poxa, mas isso é tão óbvio, Eu desisto de tentar fazer o Clóvis entender a bobagem que escreveu.

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  11. Reproduzo, para poupar o trabalho do próximo que pretender comentar o que não leu:

    "Se já sabíamos que todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros, a declaração de Pedro Luiz Pereira pinta em tons mais berrantes esta realidade. Não se trata, ao menos em Joinville, de convivermos com o fato de que algumas funções de destaque dentro dos organogramas empresariais sejam de acesso exclusivo aos homens brancos (e adultos); o vice-presidente da ABRH nos diz, com todas as letras, que dependendo do empregador a simples aspiração a um posto de trabalho, independente do cargo, é exclusiva de homens brancos e adultos.”

    Maiores informações, no restante do texto.

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