POR CLÓVIS GRUNER
Não estou em Joinville para saber da repercussão – se houve –
da nota publicada na edição de ontem (17/10), na coluna “Livre Mercado”, do
jornalista Claudio Loetz. Nela, o vice-presidente da Associação Brasileira de
Recursos Humanos de Santa Catarina (ABRH/SC), Pedro Luiz Pereira, define o
perfil ideal do trabalhador joinvilense:
“Em Joinville, considerando-se todos os tipos e portes de
empresas, há vagas em aberto para aproximadamente 7 mil trabalhadores. A
estimativa é do vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em
Santa Catarina (ABRH-SC), Pedro Luiz Pereira. O perfil ideal do trabalhador
procurado é homem, branco, de 25 a 35 anos…”
Não é meu propósito julgar as razões do jornalista para
publicar tal declaração sem, ao menos, problematizar seu teor. Trabalhei com
Claudio Loetz há um par de décadas – sentávamos a uma mesa de distância na
antiga redação de “A Notícia”, quando ainda batucávamos as hoje anacrônicas Remingtons.
Enfim, sei de sua competência e retidão profissional; ele sabe o que escreveu e
tenho certeza que tem igualmente consciência de suas implicações. Mas nunca é
demais lembrar que a tal “objetividade jornalística” pode ser uma armadilha
para quem escreve, mas às vezes também o é para quem concede a entrevista.
No seu texto, Felipe Silveira já fez as devidas
ponderações desde o ponto de vista do jornalismo. Subscrevo tudo o que disse e,
como ele, espero do jornal, do colunista mas, principalmente do autor da declaração,
algum tipo de explicação – embora reconheça que nada, absolutamente nada do que
ele diga irá desfazer o mal estar, nem tampouco mudar o quadro que sua fala tão
bem sintetiza: o de que o racismo e o machismo são parte da cultura empresarial.
Disso decorre que a aspirada igualdade de condições no mercado de trabalho tem
limites muito claros e definidos: não é todo mundo que pode ocupar qualquer
cargo, porque em se tratando dos empregadores joinvilenses, boa formação
técnica e experiência profissional não são critérios suficiente.
Se já sabíamos que todos são iguais, mas uns são mais
iguais que outros, a declaração de Pedro Luiz Pereira pinta em tons mais
berrantes esta realidade. Não se trata, ao menos em Joinville, de convivermos
com o fato de que algumas funções de destaque dentro dos organogramas
empresariais sejam de acesso exclusivo aos homens brancos (e adultos); o
vice-presidente da ABRH nos diz, com todas as letras, que dependendo do empregador
a simples aspiração a um posto de trabalho, independente do cargo, é exclusiva
de homens brancos e adultos.
UMA INCÔMODA INVISIBILIDADE – Mas se a nota provocou
merecida indignação, a afirmação não é uma surpresa. Trata-se de uma
invisibilidade que não é recente: basta revisar a historiografia local para
constatar a ausência do negro e das mulheres na história da cidade. Se é
compreensível – embora não necessariamente justificável – esta falta naqueles
trabalhos de cunho mais memorialístico, não se pode dizer o mesmo de um
Apolinário Ternes, cujo trabalho sempre alimentou a pretensão de ser uma
alternativa aos textos seminais do “seo” Adolfo e da “dona” Ely, e que teve
acesso privilegiado às fontes documentais da história local. As mesmas fontes
de que se valeram historiadores e historiadoras que, mais recentemente, vem
empreendendo um esforço considerável para mostrar que não apenas de homens
brancos e adultos se fez a nossa história – e no caso em pauta, lembro e
menciono especialmente os trabalhos de Denise da Luz e Janine Gomes da Silva.
Se há ainda quem coloque em dúvida a existência dos preconceitos
de gênero e étnico na cidade, faça as contas: quantas mulheres estão na Câmara
de Vereadores ou na diretoria da ACIJ? Mesmo morando em Curitiba, soube dos muitos
comentários machistas feitos sobre Marinete Merss ao longo da gestão do ex-prefeito
Carlito Merss, tudo porque ela nunca se resignou a ocupar o lugar que compete às “grandes
mulheres”: ficar sempre à sombra dos “grandes homens”. E o que falar dos dois
jogadores do JEC, constrangidos a serem revistados pela polícia porque um
delegado achou-os em atitude suspeita? Afinal, eram dois negros com dinheiro,
andando de táxi e jantando em um restaurante onde, assim como no mercado de
trabalho, a entrada é franqueada principalmente para homens brancos. E se menciono
aqui apenas aqueles exemplos mais claros e óbvios, não ignoro que a realidade é
tão ou mais dura no que um amigo chamou de “Soweto catarinense”.
Tenho certeza que não faltará quem defenda ou justifique a
fala do vice-presidente da ABRH/SC apelando à velha falácia de que ele apenas “expressou
a realidade”. Ou pior: haverá quem, como no texto do Felipe Cardoso, publicado aqui no Chuva, argumentará recorrendo a números: se os negros estão em minoria
quantitativa, dirão, nada mais “natural” que os empregadores privilegiem os
brancos. É uma escolha. Mas ambos os argumentos aproximam-se daqueles
utilizados pela maioria dos alemães quando, há quase um século, o Reich decidiu
pela perseguição a outras “minorias quantitativas”, judeus principalmente. É a
banalidade do mal, já nos ensinou Hannah Arendt, que fomenta a indiferença; e é
a indiferença que faz florescer e legitima a intolerância, o preconceito e a
violência.