sábado, 10 de março de 2012

A corrupção do outro


POR AMANDA WERNER


Estava na fila do mercado, enquanto um grupinho em minha frente discutia a corrupção do Brasil. Falavam sobre os corruptos do momento e um dos presentes, com muita retórica e aparente propriedade, defendia até que corrupção deveria ser punida com a pena de morte, já que era a grande chaga do país e que, aí sim, todos os  problemas seriam resolvidos.

Saindo do local,  ainda zonza com o susto de presenciar tão inflamado debate em uma fila de mercado, avisto um ajuntamento de pessoas na saída, e percebo se tratar de um vendedor de CD’s e DVD’s piratas. Me chamou a atenção o pracista estar rodeado de algumas das pessoas que faziam parte do grupinho anticorrupção que me antecedeu na fila do mercado. Observei.

Claro, nenhuma das pessoas perdeu a grande oportunidade de pagar mais barato e  todos voltaram para as suas casas com os CD’s em mãos. Refleti.

Todos nós nos sentimos vivos, muito espertos, ao tirarmos vantagem de alguma coisa. Não avançar o sinal vermelho torna-se sinônimo de imbecilidade em um país onde a Lei de Gérson impera, e exprime, sem galanteios, traços do caráter nacional.

A corrupção do outro é condenável. Parece diferente o corrupto que aceita propina, da pessoa que lucra no troco, ou da que fura filas. E também daquele que ensina o filho a não mentir, mas assim que o telefone toca, manda dizer que o pai não está. Há ainda os que imprimem documentos particulares com a impressora do trabalho. E os que pagam um “troco” para agilizar expedição de alvarás e documentos em repartições públicas.

Não se pode esquecer que também há corrupção ao votar em candidatos que se sabe serem corruptos, onde com sua eleição se espera benefícios, das mais diversas espécies. Cargos, coordenações, alianças políticas, funções no Estado. O empresário, que financia a campanha de candidatos para depois receber em favores, validando a lei do rabo preso.

Dessa forma, avaliza-se a desonestidade e abre-se mão dos direitos de cidadãos.

A depender do grau de envolvimento com as mais diversas situações, pode-se enxergar as pequenas corrupções como atos normais do dia a dia.  Mas é importante lembrar que em todos os casos há um crescente desprezo pelo direito alheio.

O “jeitinho” diário é corrupção. Trabalhando como erva daninha, de início imperceptível, com o tempo promove a degeneração contínua dos valores. Ou será possível que o ser humano já tenha nascido corrupto, cometendo imediatamente um desvio de verbas prodigioso?

A consciência, já não permite fazer distinção entre o bem e o mal. A facilidade que se tem em justificar desrespeitos às leis e aos direitos, faz com que se pense que as leis foram feitas somente para os outros.

A grande força da democracia  está em resistir e combater a corrupção. A corrupção não é circunscrita. Não está em Brasília. Ou nas Câmaras Municipais. É metástase social de origens profundas e de difícil localização, ainda que se utilize a moralidade como meio de contraste.

Como então extirpar esse mal? Combatendo a corrupção moral, que é berçário da corrupção cultural e da institucional. Afinal, onde se acha que não há problemas em cometer pequenos ilícitos, como o de “molhar a mão” de um policial, não será o Estado a impedir alguém de fazer alguma coisa.

Há como resolver o problema por meio deste ponto de vista? Olhando para si? Lá estão os governantes. E alguns políticos. Os que pagam e os que aceitam propina. Lá estamos nós.




Amanda Werner é formada em Direito e vive em Joinville há 18 anos.

9 comentários:

  1. Oi Amanda, muito bom o texto! Adorei! Posso te adicionar num grupo de discussões políticas, "Eleições - 2012"? Vamos publicar seu texto lá? Quer? Beijos, saudades de ti! Nanda

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  2. É impossível não concordar com você. Antes de mais, parabéns pelo artigo.

    A corrupção alastrou-se a todos os setores e ninguém a quer parar, pois todos os envolvidos nela, obtêm benefícios garantidos, sem risco e sem trabalho. O conceito de cidadania praticado no Brasil é ainda muito centrado na ótica dos direitos individuais, e menos nas responsabilidades/deveres coletivos.

    Em suma, os altos dirigentes estão de braços cruzados perante à corrupção. Afinal, todos ganham. Pois o que impera no nosso país é a socialização da corruptela. E o PovoReu se faz diante do pântano de corrupção.

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  3. Oi Nanda! Obrigada. Que legal, pode sim! Me manda um email: dandasg@yahoo.com.br.Bjs!

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  4. O cara que vota em político por "ouvir falar" também comete uma espécie de corrupção. Corrompe o significado do voto.

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  5. Obrigada Ana Paula. Sim, também entendo a corrupção como uma troca, cuja moeda nem sempre é o dinheiro. E creio, que não somente os altos dirigentes estão de braços cruzados. Nós também estamos. E o pior, perante o espelho.

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  6. Anônimo, concordo com você. O voto, além de um direito, é também um dever cívico e moral. Ao escolher o candidato, não devemos ser preguiçosos e votar em candidatos recomendados por alguém, sem nem ao menos sofrer a nossa avaliação. O voto deve ser a eclosão, a expressão máxima da nossa sobriedade. Não votar naquele que a consciência indica como o mais honesto, o mais capaz, é sem dúvidas uma forma de corrupção.

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  7. Desde que vim morar na Suécia me impressionei com a honestidade e o respeito que as pessoas tem uns com os outros. Aqui o bem comum êh muito mais importante que o individual. A corrupção no governo não existe, políticos não tem benefícios e vereador não tem salário. Comentei com uma amiga que era advogada no Brasil e êh chef de cozinha aqui, que aqui o governo da exemplo e devia ser assim no Brasil. Ela respondeu: sabe por que político sueco êh honesto? Porque o povo êh honesto. O problema do Brasil, sem ofensa, êh que os políticos representam, sim, o povo. Infelizmente a doença do jeitinho esta em todos os espaços. O que exige mudanca cultural. Muito Mais difícil. Beijos e parabéns pelo texto.

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  8. Já pensou tirar o salário dos vereadores e os benefícios dos políticos, em geral? Será que teríamos candidatos? É mesmo muito triste Fernanda. Mas tenho esperança. Obrigada pelo comentário!

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  9. Vivemos em um país onde o : faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço reina não só nos políticos, mas em boa parte da população ... Tirar proveito de uma situação, furar filas não é mais digno do que roubar os cofres do governo ....

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