POR SALVADOR NETO
Há quase 23 anos vivi os momentos
históricos do impeachment do ex-presidente, hoje senador por Alagoas, Fernando
Collor, cuja abertura do processo foi aprovada por 441 votos na Câmara dos
Deputados. Collor foi o primeiro presidente da República eleito pelo voto
direto após o regime militar, ao derrotar em segundo turno o então candidato do
PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Duas entrevistas foram determinantes para a
mobilização popular.
Primeiro o irmão do presidente, Pedro Collor, à revista
Veja, denunciando o chamado esquema PC e o desvio de verbas públicas para as
empresas do ex-tesoureiro de campanha. Depois, o motorista Francisco Eriberto
França confirmou à revista Isto É ter feito pagamentos para Fernando Collor e
sua esposa, Rosane Collor, com cheques e valores que buscava nas empresas de PC
Farias.
No dia 29 de setembro de 1992, o
deputado Ibsen Pinheiro abriu a sessão de votação pelo impeachment de Fernando
Collor de Melo em um Congresso Nacional cercado por milhares de manifestantes
Caras Pintadas. Com 441 votos favoráveis, 38 contrários, 23 ausências e uma
abstenção, a Câmara dos Deputados decidiu pelo afastamento imediato do
presidente da República de suas funções e autorizou o Senado Federal a abrir
processo de cassação de mandato e dos direitos políticos.
No dia 2 de outubro,
Collor foi comunicado de seu afastamento temporário pelo período que durasse o
processo de impeachment e o então vice-presidente da República, Itamar Franco,
assumiu o cargo. Itamar permaneceria na cadeira presidencial até o fim do
mandato, em 1994. A cassação de Fernando Collor de Melo
foi confirmada por 76 votos favoráveis e dois contrários no Senado Federal, em
29 de dezembro de 1992. O ex-presidente ainda tentou uma manobra para evitar a
perda de seus direitos políticos. Depois de aberta a sessão no Senado, o
advogado de defesa de Collor, José Moura Rocha, apresentou aos senadores a
carta de renúncia dele.
A tentativa, no entanto, foi em vão, e a cassação foi
confirmada. Em 1994, o ex-presidente foi absolvido no Supremo Tribunal Federal
(STF) da acusação de corrupção passiva por falta de provas. A absolvição na
ação penal, entretanto, não o livrou da suspensão dos direitos políticos por
oito anos, a contar da data do que seria o término do seu mandato presidencial,
em 1994.
Escrevo isso para mostrar um pouco
daquele contexto histórico, onde estávamos recém-saídos das fraldas da
democracia. Aliás, nossa democracia é jovem. Em palestra que fiz a estudantes
recentemente ainda perguntei quantos ali tinham 30 anos de idade ou mais.
Apenas um levantou a mão. O que diferencia àquele impeachment deste que foi
acolhido pelo deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara?
No de Collor, havia
indícios, o governo havia confiscado dinheiro de empresas e pessoas físicas, e
os deputados e senadores, sempre eles, se sentiam “desprestigiados” pelo
Presidente, que se sentia um imperador. O clima era de confronto total. E mesmo
assim, juridicamente Collor foi inocentado. Na arena política, no Congresso,
foi derrotado. O país sofreu muito com essa grave crise, e quem viveu sabe.
Neste caso atual o que há é uma não
aceitação, por parte da oposição, da vitória de Dilma contra Aécio. É fato
incontestável que Dilma venceu no voto popular, e ponto. Na democracia é assim,
vence quem tiver mais votos. Desde a derrota, a oposição tenta impedir o
governo de governar. Cria factoides, promove ou incentiva atos de ódio contra a
Presidente, seu partido o PT, e até aliados.
Articularam vários pedidos de
impeachment, alguns arquivados por Cunha, antes interessado em mostrar seu
poder e influenciar. Eduardo Cunha tramou até contra seu companheiro, Michel
Temer, presidente de seu partido, e vice-presidente da República! Até quando
surgiram as tais contas na Suíça. Aí a chantagem, o achaque, aumentou, até
chegar ao atual estágio. É uma espécie de “abraço do afogado”.
Eduardo Cunha é acusado de gravíssimos
crimes pela Procuradoria-Geral da República: corrupção, evasão fiscal e lavagem
de dinheiro. Ocultou suas contas na Suíça em depoimento na CPI da Petrobrás e
tem um longo histórico de envolvimento em escândalos de corrupção desde que
chegou ao poder junto a PC Farias e Collor de Melo. Assim que as denúncias a
Cunha foram comprovadas pelo Ministério Público do Brasil e da Suíça, o PSOL
entrou com representação pedindo a cassação de seu mandato.
Ou seja: um réu da
Justiça, que mentiu e omitiu contas e bens em depoimento da CPI da Petrobras, não pode
continuar presidindo a Câmara dos Deputados. É uma vergonha para os brasileiros, e uma afronta à legalidade. Portanto, os casos de impeachment
de 1992 e o que se quer hoje são completamente diferentes. Este parece ser um
puro golpe, mais “bonito” aos olhos da oposição, mas que leva o país para o
buraco. Para tentar se salvar da perda de seu
mandato no Conselho de Ética, Cunha passou os últimos meses chantageando
deputados de diversos partidos.
Em ato tardio a bancada do PT votou pela continuidade
do processo de cassação do mandato de Cunha. Em retaliação, Cunha abriu
processo de impeachment contra Dilma. Mas, o impeachment só pode existir
em casos extremos, quando existe crime comprovado de responsabilidade. Gostemos
ou não do governo Dilma, ele foi eleito democraticamente, e deve cumprir seu
destino, com uma oposição séria e responsável, não esta que é comandada por
verdadeiros coveiros do país como Cunha, Aécio, e outros menos votados. Até o
momento não há nada que incrimine a Presidente, e sua biografia é incomparavelmente
melhor que a de Cunha.
O governo Dilma enfrenta a crise econômica
que ronda o mundo desde 2008, e que agora chegou forte ao Brasil. Durante seu
primeiro mandato, medidas de redução de impostos para manter a economia girando
foram feitas, empresas e o povo conseguiram se manter, até que a receita
exauriu. Problema do governo eleito, e que deve assumir seus erros e encontrar
saídas.
A crise política contamina o Brasil inteiro, e principalmente a
economia. Impede investimentos, cria medo e instabilidade a quem gera a
riqueza, empresas e trabalhadores. Este ato de Eduardo Cunha, aplaudido por
apoiadores no Congresso e país afora, é um impedimento ao Brasil, ao seu
futuro, à retomada do desenvolvimento econômico. Não esqueçam que o governo não
é só do PT, mas também do PMDB, PSD, PP, e outros P’s.
É hora de acabar com esse terceiro turno
interminável, inexistente na vida democrática. Há que se ter grandeza na oposição,
para criticar e sugerir, mas não agir com o fígado, destilando ódio e
empurrando o país para o obscurantismo. Não adianta matar a galinha dos ovos de
ouro para se obter imediatamente todo o conteúdo. E, afinal, a democracia
manda: tentem novamente em 2018. O resto é choro, ódio, e atos que só paralisam
o país.
Por trás de tudo isso há interesses
inconfessáveis, externos e internos – ou mistura de ambos -, pela Petrobras e o
que sobrou do patrimônio brasileiro vendido nos anos 1990 a preço de bananas. E
claro, desmonte do Estado, etc, etc. A hora não é para brinquedinhos políticos,
é hora de unificar o país para superar a crise econômica.
É assim, nas teias do poder...