quinta-feira, 1 de março de 2012

O automóvel é a nossa vaca leiteira


POR JORDI CASTAN


É bom começar esclarecendo que “vaca leiteira” é uma expressão coloquial (significa geração de caixa) e que neste texto é usada de forma retórica. Ultimamente as pessoas andam com os nervos à flor de pele e se sentem interpeladas por qualquer tolice.

O carro é a vaca leiteira que sustenta uma parte importante da nossa economia pública, na outra ponta é preciso incluir os custos com a imobilidade, os investimentos necessários para construir duplicações, binários e elevados, o aumento dos custos no sistema de saúde para fazer frente aos acidentes de transito e a irreparável perda de jovens, que na flor da idade perdem a vida ou são mutilados em números que superam o de muitos países em guerra.

Cada vez mais o tema mobilidade está em pauta. Na verdade, quanto menor o nível de mobilidade urbana, mais o tema é debatido. Transporte público, elevados, bicicletas, ciclovias, faixas de pedestres é por aí afora são objeto de textos, debates e devaneios de uns e outros. Em comum, o fato de demonizar o automóvel e ver a sua expansão e aumento como um fato inevitável. Os maiores inimigos do carro se situam entre os ocupantes de cargos no poder público e os diretamente vinculados ao transporte coletivo, estes últimos por motivos óbvios.

É conveniente revisar alguns dados que podem ajudar a entender melhor esta situação em que, por um lado, se demoniza o carro e, pelo outro, se estimula a sua expansão e se trabalha para manter o maior nível de mobilidade individual. O carro é, no Brasil de hoje, uma vaca sagrada, de úberes fartos e generosos. Isso ocorre desde que se iniciou o irreversível sucateamento da malha ferroviária, para criar as condições propícias ao desenvolvimento do mercado rodoviário. Quando se fez a aposta de trocar um modal por outro, o Brasil tomou uma decisão estratégica: o tempo e os fatos têm se encarregado de mostrar o acerto ou não da decisão.

Hoje a nossa economia está atrelada ao carro. A arrecadação da própria prefeitura é dependente dos recursos originados pelo automóvel. O joinvilense paga mais de IPVA que de IPTU. O total arrecadado com IPTU em 2011 foi de R$ 67 milhões. O IPVA representou R$ 87 milhões e destes a metade fica no município e a outra vai para o Estado. Para ter noção de grandeza, os R$ 43,5 milhões que correspondem a Joinville são um valor maior que o empréstimo do BNDES, na cifra de R$ 40 milhões, que é apresentado como a solução para a maioria dos problemas de trânsito da cidade. Estas contas não incluem os valores arrecadados com multas, que estão na ordem de R$ 12 milhões ao ano, ou o ICMS que incide sobre o álcool, a gasolina e o diesel que os nossos veículos consomem e que representa outra parcela significativa das receitas públicas.


A equação mobilidade urbana versus imobilidade urbana precisa considerar outras variáveis além da visão simplista de ônibus X VLT ou bicicleta X carro. Implica um debate sobre o modelo de cidade e a implantação de um plano de mobilidade urbana que faça desta uma cidade mais eficiente, mais competitiva e preparada para o futuro. 

4 comentários:

  1. Ótimo texto!

    Esse problema que foi criado pelo governo, na decisão "estratégica" tomada anos atrás, hoje deixa o país atrasado em termos logísticos. Acredito que o país poderiar escoar a produção em níveis bem maiores se contasse com os trens, por exemplo. Mas não, centralizaram tudo nas rodovias, é só pegar a estrada e ver a quantidade absurda de caminhões. Por que será? ($)
    E dentro da cidade, o cidadão que compra um carro, tira-o da garagem até para andar 1 km até a padaria, percuso que poderia fazer tranquilamente de bicicleta ou até mesmo a pé.
    E a bicicleta? Quando falo em bicicleta muitos dão risada...é importante saber que o uso da bicileta requer um mínimo de investimento em infraestrutura, desde ciclovias, estacionamento (para bikes) até quem sabe uma ducha no trabalho. As pessoas pensam que "usar mais a bicileta" é atravessar a cidade, andar 30 km debaixo de sol forte e chuva.
    Quando falo em usar mais a bicicleta, incluo aí a ida a padaria, a faculdade e até ao trabalho, dependendo da distância. Tudo isso seria possível, claro, se houvesse infraestrutura.

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  2. Eu vejo nesta discussão de mobilidade falarem em onibus, trem, VLT e bicicleta, mas e as motocicletas? Estão disparando os emplacamentos em todas as cidades, assim como o número de acidentes envolvendo as mesmas. Acho uma alternativa plenamente viável para as distancias maiores, para diminuir tempo e esforço físico, e para determinados serviços, além de particularmente achar muito aprazível. Mas sinceramente, com a consciência dos nossos motoristas (e de muitos motociclistas) representa quase um suicídio. Acho que devemos incluir mais as motos nesta discussão.

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  3. Oi Jordi, tenho gostado bastante dos seus textos aqui no Chuva.
    Gostei desse pois trouxe coisas que as vezes muitos esquecem na hora de discutir os problemas de mobilidade.
    Gostaria de adicionar ainda que os empregos e a receita gerada pela venda de automóveis está diretamente ligada ao crescimento da economia e as medidas anti-crise do governo federal do PT.
    O que, de certa forma, discorda dessa sua afirmação "Os maiores inimigos do carro se situam entre os ocupantes de cargos no poder público".

    A pergunta que fica é: como fazer esse debate mais amplo?

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    1. Ivan,
      Os maiores inimigos, da boca para fora, são detentores de cargos públicos que "planejam as cidades" e fazem do carro um inimigo, mas esquecem o quanto da nossa economia esta atrelada ao carro.

      Com este texto quis mostrar claramente o dilema que existe entre o discurso e a pratica. Por um lado os carros e os motoristas são demonizados e pelo outro estão todos pendurados nas tetas do carro.

      Fazer as contas claras de quanto aporta o carro a economia e quanto custa já seria um bom inicio. O mesmo que foi feito com o fumo. A visão míope dos agentes públicos era o muito que o cigarro paga de impostos. Ao incluir na conta o custo para o sistema de saúde os números são vistos de outra forma.

      O investimento em elevados, em infraestrutura e todos os outros temas motivados pelo aumento crescente da nossa motorização devem ser incluídos na conta. Contas mais claras ajudam a tomar decisões corretas.

      Obrigado pela sua leitura, é bom conhecer quem são os seis leitores dos posts.

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