quinta-feira, 27 de junho de 2013

E agora, José?

POR CLÓVIS GRUNER

Não pensei em nenhum teórico ou cientista político em especial nestas últimas duas semanas; foi Drummond quem me ocorreu. Nos primeiros dias, ainda eufórico com as manifestações, lembrei de “Mãos dadas” e de sua resistência muito gauche em ser o “poeta de um mundo caduco”. À medida que a semana e as dúvidas avançaram, lembrei de “José”, aquele sem nome, que zomba dos outros, que ama e protesta, que marcha sem saber ao certo o porquê ou para onde. 


Ainda é cedo para fazer um balanço das manifestações sem correr o risco de ser desmentido pelas ruas. Se a história é um conhecimento provisório, ainda mais efêmera é uma história que tenta apreender o agora, o tempo presente. Assumido o risco, rascunho algumas considerações acerca dos desdobramentos mais imediatos de uma movimentação que, iniciada para reivindicar a revogação de aumentos nas passagens do transporte público, extrapolou em alguns poucos dias sua demanda original. Do que li e ouvi, três temas me chamaram especialmente a atenção. De um lado, o temor que se espalhou principalmente pelas redes sociais, de que a mobilização popular estaria a ser manipulada para forçar uma crise institucional com vistas a uma tentativa de golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Na esteira da tal ameaça golpista, discutiu-se exaustivamente o caráter difuso e disperso das mobilizações, sua falta de rumo, a ausência de um “foco” e, por fim, a tão propalada “guinada conservadora”. Mas como diria Jack: vamos por partes.

ALGUÉM VIU UM GOLPE POR AÍ? – Um espectro rondou parte da esquerda nos últimos dias: a mobilização, principalmente virtual, em torno ao “Fora, Dilma!”, interpretado por muitos como indício da gestação de um golpe a comprometer nossa ordem democrática e institucional. Houve quem, inclusive, compara-se as manifestações à “Marcha da família com Deus pela liberdade”, resposta de uma classe média conservadora, já aquela época cansada, ao que considerava uma ameaça comunista urdida nos gabinetes do governo João Goulart. Embora acredite que não sejam poucos os setores que certamente festejariam um golpe e a deposição de Dilma Roussef – basicamente, os mesmos cansados de sempre – não acredito que estejamos à beira de um. O golpe é paranoia de petistas que, desacostumados com as ruas, agora as temem, confortavelmente sentados em seus gabinetes e bibliotecas. Aliás, vale registrar que não lembro de nenhum dos agora alarmados governistas acusando golpismo quando a UNE foi às ruas e, portando faixas e cartazes com “Fora FHC”, pediu o impeachment de um presidente também eleito democrática e legitimamente.

O contexto era outro e a UNE não contava com o apoio da imprensa e da mídia? Vá lá. Mas ainda acho que a esquerda institucionalizada e governista superestima o poder das mídias tradicionais. Apesar dela e da verdadeira campanha de ódio movida contra Lula, por exemplo, ele se reelegeu em 2006 – em plena crise do chamado “Mensalão” –, elegeu Dilma em 2010 e Haddad prefeito de São Paulo no ano passado, apesar da ampla e oportuna cobertura midiática do julgamento do “Mensalão”. Além disso, e apesar das muitas ressalvas ao pronunciamento da presidenta, até onde minha memória alcança esta foi uma das primeiras vezes que um mandatário se dirigiu à nação em um momento de crise usando coerentemente as prerrogativas do cargo: Lula teria colocado uma camiseta do MPL, um boné do MST e organizaria um comício; FHC chamaria os manifestantes, assim como os aposentados, de vagabundos; Itamar Franco aproveitaria o barulho para tomar um chopinho ao ar livre com os estudantes. Dilma falou como presidenta, o que pode não significar muita coisa a médio e longo prazos (não há, afinal, garantias de que será cumprido tudo o que foi anunciado), mas serviu, naqueles dias, como uma resposta oficial – e insisto no “oficial” – às demandas das ruas. Sobre a convocação de um plebiscito para a reforma política, proposta apresentada pelo governo depois de recuar da constituinte, há ainda muito a esclarecer.

UMA DEMOCRACIA SEM PARTIDOS – Falou-se demais, a meu ver, sobre as muitas “caras” das manifestações, a falta de foco e de objetivos claros, sobre quem se apropriou de que e com que fins. Ora, essa dispersão não é apenas um traço intrínseco às democracias, mas é em grande medida uma resposta a um crescente distanciamento entre o governo e os movimentos sociais. Pode-se acusar e mesmo ridicularizar a presença de grupos e indivíduos de direita, a levantar bandeiras genéricas, quando não mesmo oportunistas – nas redes sociais criou-se, para designá-los pejorativamente, a designação“coxinhas”. Mas não se pode perder de vista que nos últimos anos as políticas e decisões do atual governo, via de regra, foram tomadas unilateralmente, não raro contrariando e negligenciando reivindicações de parcelas significativas da sociedade. Se a opção de Lula foi incorporar muitas das demandas sociais à esfera do Estado, com o que isto acarreta de bom e ruim, a de Dilma foi simplesmente virar-lhes as costas, recusando reconhecer a legitimidade dos movimentos sociais como interlocutores do governo.

Como o governo, também os partidos políticos foram colocados em xeque. Em sua defesa, não faltou quem afirmasse que não se constroi uma democracia sem partidos. Pode ser. Mas também não se constroi uma democracia apenas com eles, nem se  a consolida quando a maior parte dos partidos já não representa as vontades e demandas de um número expressivo de cidadãos: hoje, no Brasil, a maioria dos partidos se encontra tão distante da dinâmica e da realidade das ruas e dos movimentos sociais, que os eleitores não apenas se veem incapazes de diferenciar uns e outros, como não se sentem representados pela maioria deles. É o caso de aboli-los? Não. Mas torço para que as manifestações dos últimos dias não apenas os obriguem a repensarem sua relação com os cidadãos, marcada quase sempre pelo oportunismo eleitoreiro. Mas, principalmente, torço para que a energia das ruas sirva para fortalecer mecanismos mais diretos de participação democrática, criando e qualificando novas alternativas para o debate público.

O AVANÇO CONSERVADOR – Em 2010, durante o segundo turno das eleições presidenciais, um amigo me perguntou o que eu achava do clima tenso daqueles dias. Respondi algo como: “estamos em uma guerra. Não chegou o momento do enfrentamento, mas eu não tenho dúvidas que estamos em uma guerra”. Ainda não tínhamos Malafaia nem uma tal psicóloga cristã a espumar o ódio contra as minorias, gays em especial; ainda não tínhamos Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias; foi antes da desocupação de Pinheirinho; da militarização dos morros cariocas; foi antes de Belo Monte e da violência crescente contra as comunidades indígenas. Mas havia alguma coisa no ar, e não eram aviões de carreira.

Uma ex-orientanda me chamou a atenção para o equívoco conceitual e histórico de falar em um “avanço fascista”, preferindo a ele o termo “conservador”. Concordo. E tal avanço existe? Acho que sim. Ele é novo? Acho que não. Ele já estava por aí há três anos, quando praticamente todo o debate eleitoral do segundo turno foi pautado pela agenda conservadora e assistimos a candidatura de José Serra e o PSDB aderirem aos grupos fundamentalistas, ao passo que Dilma Rousseff e o PT se mostravam incapazes de oferecer uma alternativa verdadeiramente progressista. Temerosos de confrontar os grupos religiosos, Dilma e o PT sinalizavam já o rumo que o governo tomaria depois da candidata eleita. Sejamos francos: se se pode responsabilizar em grande medida José Serra e o tucanato pela força política que tem hoje estes grupos; se eles começaram a história, Dilma e o PT não são menos responsáveis, porque a continuaram.

O que assistimos nos últimos dias não é, a meu ver, fato novo. O avanço conservador chegou às ruas, o que o torna mais visível e certamente mais ameaçador, porque ele traz consigo a intolerância, o autoritarismo e o ódio, além da violência. Mas ele não apareceu agora, nem é uma invenção ou consequência da movimentação das últimas semanas. A tendência agora, acredito, é o paulatino esvaziamento das manifestações. Pautas conservadoras e oportunistas não sobrevivem e prosperam, menos porque incapazes de encontrar ressonância, e mais porque ir às ruas depende de capacidade de mobilização e esforço, o que não é exatamente a especialidade da nossa direita, ainda muito cansada. Além disso, os movimentos e reivindicações sociais não podem viver apenas em função de passeatas: se há temas que pedem a ocupação das ruas, há aqueles que precisam encontrar ou construir outras alternativas de mobilização.

Por outro lado, a retomada da “normalidade” não significa, necessariamente, o fim do enfrentamento, que continuará a se dar por outros meios, também nas ruas, mas não apenas nelas. Afinal, não estamos mais em 2010, e agora temos Malafaia e aquela psicóloga a estimular o ódio; uma bancada evangélica que elegeu Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias; tivemos a desocupação de Pinheirinho; a militarização dos morros cariocas; temos Belo Monte e a violência crescente contra as comunidades indígenas. Temos uma direita raivosa e ressentida e um governo refém do monstro que ajudou a criar. Se eu acreditava que em 2010 estávamos em uma “guerra fria”, acho que a partir de agora é necessário estarmos prontos para os muitos enfrentamentos que virão.

15 comentários:

  1. Também não acho possível um golpe, mas que muitos que estão nas manifestações são "Josés" é verdade.
    Não sou favorável ao fim dos partidos, querendo ou não é a maneira de organizar os diversos grupos dentro da sociedade. O descrédito da população é resultado das ações dos partidos e da políticos, quando vemos algumas alianças entre partidos que "teriam" correntes ideológicas diferentes, e por candidatos que a cada eleição mudam de partido, mostrando não se importar com alguma ideologia.
    As manifestações conseguiram em uma semana mudanças que pelo ritmo "normal" do congresso levariam mais 10 anos para serem votados, isso é um avanço enorme, mas acho que neste momento é necessário aguardar por resultados dos nossos representantes, e se o ritmo voltar ao "normal" no congresso se faz necessária novas manifestações.
    Uma das pautas que hoje é reivindicada é a investigação dos investimentos da copa. A princípio o governo federal através do BNDES emprestou( a juros irrisórios) dinheiro para a construções de estádios, mas eles serão pagos pelos estados e municípios onde as "arenas" estão sendo construídas. Então o custo da obra e a conservação vai pesar nos cofres destes estados por muitos anos.Na arena de manaus o custo de manutenção anual poderá chegar há 6 milhões por ano, para uma cidade que não tem tradição futebol, e não tem população para trazer espetáculos para pagar esta conta.
    A longo prazo vai ser mais barato demolir ou abandonar algumas arenas do que manter em funcionamento.

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    1. André, também não sou favorável à extinção dos partidos, mas acho que o modelo de representação partidária, tal como posto hoje, está na melhor das hipóteses desgastado.

      Antes de postar o texto, tentei revisá-lo para incluir alguma coisa sobre o plebiscito a ser convocado para votar a reforma política, mas realmente achei que não era o caso ainda, porque foram produzidas tantas análises em tão pouco tempo, que o melhor é deixar a coisa assentar um pouco mais. Quem sabe em um próximo post.

      Em todo caso, acho que a reforma política poderia ser uma das oportunidades para se repensar o lugar e a função dos partidos na vida política do país. Afinal, se eles são necessários porque vivemos em uma democracia representativa, eles precisam ser efetivamente representativos, e a maioria hoje não é.

      Quanto a copa, sempre achei uma cagada tremenda trazê-la para cá. No começo, pensei que podia ser birra minha, já que não gosto e não acompanho futebol. Parece que não. Ao mesmo tempo, concordo em grande medida com o que o Baço disse dia destes: a estas alturas, queremos o que? Ficar sem a copa e com as dívidas? Também não acho a melhor solução.

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  2. Será que no governo FHC haveria tamanho descontentamento? Acho que não. Mesmo com a negativa dos partidos de esquerda sobre o Plano Real e o povo ter comido o pão que o diabo amassou, o presidente FHC mostrou-se um verdadeiro estadista ao cortar da própria carne adotando medidas impopulares para estabilizar a economia e combater a inflação. Quem lembra da URV e da inflação cavalar sabe do que estou falando. Quanto aos protestos da UNE contra FHC, convenhamos, existe a UNE ainda? A UNE é uma entidade patrocinada pela esquerda, sobretudo pelo PT, era assim na época e continua assim hoje, virou um gabinete do governo da situação – uma vergonha - esses, de fato, podem ser considerados "vagabundos". Voltando ao FHC: ao contrário do PT que usa a Copa e a Olimpíada como palanques para reeleição e manutenção da sigla no poder, FHC é um homem inteligente, jamais usaria a prerrogativa de investir bilhões em estádios-pão-e-circo no momento crítico da economia mundial para correr o risco de levar um baita tiro no pé.

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    1. Se o descontentamento não existisse, FHC teria feito seu sucessor e não teria encerrado seu segundo mandato com um dos maiores índices de rejeição da história republicana.

      Mas numa coisa concordamos, Jorge: FHC é um homem inteligente. Por que investir bilhões se ele podia pagar um mensalão ao congresso para mudar a constituição e garantir a reeleição?

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    2. Ainda prefiro um milhão de vezes os tucanos do que populistas capitalistas hipócritas que ainda usam o “socialismo” como égide de campanha política.

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    3. Eu acho tucano uma ave bonita, embora um pouco bicuda demais para o meu gosto.

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  3. Tome tenencia seu Jorge M. Os Trairás e vende pátria mancomunados com bandidos de colarinho branco
    nunca e jamais merecem voltar ao comando do Povo e sua bela Nação Continental Brasilis, trouxeram muita desgraça, muita tragedia familiar, muito engodo, muita mentira e o inocente e humilde Povo Brasilis entrou nessa, que seria chamada os anos mais escuros duma Nação Continental, e se derem moleza ainda hoje seriam capazes de vender por 40 pratas novamente todas as riquezas que o Povo constrói, nunca e jamais será como antes, o Povo Brasilis acordou desse maledeto complexo de viralata e maria vai com as outras......

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    1. Rebeca veja o que é a Vale e Embraer são hoje e o que eram antes de serem vendidas. Veja o é a Petrobras, uma gigantesca lavanderia paga por nós. Sei, complexo de "vira-lata" virou sinônimo de ineficiência da administração pública, empresas que são verdadeiros cabides de empregos.
      FHC vendeu a Vale caro, a empresa devia ser dada.

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    2. O problema não foi ter vendido a Vale. O problema é até hoje não sabermos o que foi feito com o dinheiro da Vale.

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    3. Deve ser por isto que foi finalmente aberto processo contra o Farol do Saber. http://brasilunido.wordpress.com/2013/06/23/enfim-fhc-sera-reu-por-privatizacao-da-vale/

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  4. Marcianos por favor me "abduzam" para quem sabe eu entender as definições de progressista, fascista, conservador ou a pérola: esquerda institucionalizada e assim quem sabe beber das sabedorias do texto.

    PS. Se o PT fizer o próximo presidente, rapidinho o MPL ganha um baita prédio e mesada para organizar passeatas de apoio ao governo como a UNE.

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    1. Pois é, Dirk, se você não sabe nem a definição de legitimidade, realmente fica difícil. Mas, mesmo assim, obrigado pela sua participação.

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  5. E agora José???...ql o Sarney...?...esse ta muito bm...Mas qm poderia responder melhor isso...são os grandes intelectuais e artitas de esquerda...q estão bm servidos com polpudas verbas em nome da cultura...fazendo sua parte de Circo...mas usando a platéia ( o povo... como palhaços...q ganham até a Bolsa Circo...para aplaudirem...

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