terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A preguiça, a incompetência e as irresponsabilidades das políticas urbanas

POR CHARLES HENRIQUE

“Ridículo”. Foi esta a expressão que saiu da boca de uma funcionária comissionada da Prefeitura ontem, após o término da Audiência Pública na Câmara de Vereadores, que tratava sobre a licitação do transporte coletivo. Óbvio que ela estava falando sobre as manifestações críticas que foram enunciadas pela sociedade civil, presente de forma organizada, ou não. Aliás, eu que por vezes critiquei a Frente de Luta pelo Transporte Público, tenho que elogiar e ressaltar a roupagem democrática de suas intervenções. Exaltar também a coragem da Prefeitura Municipal de Joinville em ouvir a população, fato que nunca foi feito quando o assunto é transporte coletivo.

Ocorre que, a população assistiu de camarote durante anos uma ação de política urbana ineficaz, caracterizada por momentos de preguiça, de incompetência, e de irresponsabilidades. Isso tudo culminou na noite de ontem, pois quando a população não discute propostas, e dá lugar a questionamentos sobre a base de todo o processo, é sinal de que algo não saiu da forma mais correta. A insatisfação com o sistema de transporte coletivo foi notória. E mais ainda com o modo em que as coisas estão sendo conduzidas.

A preguiça é identificada no simples fato de que a Prefeitura sentou com a população pela primeira vez na noite de ontem, para discutir os dados da Pesquisa Origem-Destino (primeira etapa de um Plano de Mobilidade, instrumento previsto no Plano Diretor de 2008), esta que foi elaborada no primeiro semestre de 2010. Praticamente um ano e meio de tempo para o diálogo, para a construção de um plano de mobilidade que pautasse as futuras intervenções, dando diretrizes e caracterizando programas de planejamento urbano. Querem que as pessoas entendam de Pesquisas, números e mais dados complexos (até para quem trabalha e estuda sobre isso), e ainda dêem sugestões (!!!) em duas audiências. A preguiça ceifou a oportunidade de termos quase uma centena de audiências por todos os bairros dessa cidade.

A incompetência aparece na não-confecção do Plano de Mobilidade antes das discussões sobre transporte coletivo. A mobilidade urbana é um reflexo de todos os condicionantes sociais, espaciais e econômicos, que, interligados entre si, formam tudo aquilo que hoje consideramos como cidade. Não dá para montarmos um sistema de transporte coletivo por ônibus sem pensarmos conjuntamente nestes fatores. Ontem, após pressão de vários setores sociais, o IPPUJ disse que o Plano de Mobilidade está sendo revisado e será enviado para o Conselho da Cidade, e, após isto, para aprovação na Câmara de Vereadores. Mas só agora? E as audiências com a população? Vai ser que nem na Lei de Ordenamento Territorial, um processo sem audiências públicas? Carroça na frente dos bois, sempre.

As irresponsabilidades se apresentam na junção das duas adjetivações supracitadas. A não-confecção do Plano de Mobilidade, juntamente com a preguiça de querer tratar a licitação do transporte coletivo, não ouvindo o povo no tempo de sobra que teve, e, após meses de expectativas, avisar que tudo é pra ser resolvido “pra ontem”. Uai (que nem diz o pessoal lá de Minas Gerais e do centro-oeste), agora querem que tudo seja rápido? Ridículo é a Prefeitura (e todos os órgãos que compõem a polêmica comissão criada para organizar o processo licitatório) querer dançar tango com passos de samba.

PS: para quem quiser ouvir a entrevista da Presidente do IPPUJ, Roberta Schiessl, sobre este tema, aí vai o link da entrevista que ela concedeu ontem (30jan) para o Jornalismo da MAIS FM: http://t.co/P6R0IIhr

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Udo Döhler vai abraçar a Viúva Porcina?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O nome mais fora de lugar entre os pré-candidatos à Prefeitura de Joinville é Udo Döhler. Por uma razão simples: ele não precisa do emprego para nada. Afinal, ao contrário da maioria dos seus pré-adversários, o empresário já está com a vida ganha e não lucra grande coisa ao se meter no lodaçal da política.
Aliás, neste momento deve haver muita gente a fazer a mesma pergunta: por que razão o empresário iria deixar uma aposentadoria dourada para ingressar numa atividade armadilhada como a política? Prestígio pessoal? O gostinho do poder? Vaidade? Tédio? Conselhos duvidosos? Ok... essa é uma questão de foro íntimo que só ele próprio poderá responder.
No entanto, há um fato incontornável: ninguém chega onde Udo Döhler chegou tomando decisões mal pensadas. E o empresário sabe que, ao avançar com a candidatura, tem um importante diferencial a seu favor: os eleitores andam com o saco cheio de políticos incapazes de cumprir o que prometem.
Todos sabemos que em política mais vale a percepção do que a realidade. E os políticos tradicionais simbolizam um acumular de decepções. Nada mais lógico, portanto, que construir a imagem do candidato Udo Döhler a partir do perfil de gestor. É uma poderosa arma de marketing pessoal, sem sombra de dúvida.
Muitos eleitores – por ingenuidade ou legítima fé – acham que a solução passa por um governo tecnocrata. Não passa. Nenhum município pode ser governado com soluções puramente empresariais. Ser um gestor tem vantagens, mas também os seus óbices. Haverá muitos momentos em que o administrador precisará vestir a pele de político. E o fator político pode ser a kriptonita de Udo Döhler.
A VIÚVA PORCINA –  O problema para o empresário não é a candidatura em si, mas tudo o que ela comporta. Ou seja, a sua vitória significa a volta da maralha do PMDB ao poder (se bem que nunca saíram de lá). E qualquer pessoa com dois dedos de memória sabe que isso não augura coisas boas.
O que é o PMDB, tanto no plano nacional quanto local? Uma gororoba ideológica. Uma mistela moral. Um esturricado ético. No caso de Joinville, ao longo das últimas administrações, o partido tem sido uma espécie de Viúva Porcina, aquela que foi sem nunca ter sido. Ou seja, esteve lá sem ter estado.
E como em política só falta ver boi voar, ninguém pode pôr de lado a possibilidade de coligações com os caras da tríplice. E aí corremos o risco de tudo virar um bordel fisiológico, com a Viúva Porcina no papel de cafetina. O risco da promiscuidade é tanto que nem a imagem de seriedade de Udo Döhler escapará ao contágio.
Há outro fator interessante. Tem gente a fazer analogias e a pensar que Udo Döhler pode ser uma espécie de Wittich Freitag dos nossos dias. Besteira. Todos sabemos que a história só se repete como farsa. E os tempos são muito diferentes. Hoje temos uma mídia mais democratizada. As redes sociais, por exemplo, são uma mídia incontrolável e capaz de provocar danos sérios na imagem dos políticos. Aliás,vivemos tempos tão diferentes que até um zé-ninguém como eu pode vir para um blog e tentar dissecar a candidatura do empresário.
Bem-vindo ao mundo da política, sr. Udo Döhler. É bom começar a conviver com a ideia de virar vidraça. Porque , não tenho dúvidas, tem gente a acumular pedras.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A imprensa e o ônibus


POR JOSÉ ROBERTO PETERS


Quando cheguei a Joinville para estudar, no final dos anos 70, a cidade era muito diferente do que é hoje: poucos prédios e só a Santos Dumont asfaltada. Diziam que o lençol freático era muito alto para asfaltar e para grandes construções. Eram duas empresas de ônibus: os azuis dominavam o norte e os marrons o sul. Parecia uma espécie de guerra da secessão: de um lado, os caras do Norte, do outro, os caras do Sul.

A gente comprava os bloquinhos de passe — os azuis só recebiam os deles — que valiam até que as passagens aumentassem de preço. Aí tínhamos que dar um passe e completar o resto com dinheiro. Demorou até que as empresas entendessem de economia: a gente pagava adiantado, poxa. Os diretórios acadêmicos da FURJ e da FEJ até que tentavam lutas pelo passe estudantil. Mas quem respeitava estudante naquela época? Era o tempo da novembrada, do governo militar.

O tempo foi passando e algumas coisas foram mudando: os ônibus ficaram todos amarelos. Lembro que quando estava no DCE da Univille, já nos anos 90, fretamos dois ônibus para levar estudantes do centro direto até ao Bom Retiro. Era a nossa tentativa de lutar pelo passe estudantil, denunciar o monopólio e mostrar aos “empresários de visão” que havia gente suficiente para abrir uma nova linha.

Fomos barrados na Santos Dumont por várias viaturas da polícia com homens armados de escopeta e tudo. O aparato policial contra dois ônibus com cerca de oitenta estudantes armados até os dentes com cadernos, livros e canetas: gente perigosa. Ah! Junto com a polícia havia também um fiscal da prefeitura — em hora extra, pelo jeito — para conferir a licença dos ônibus.

Após uma negociação, um tanto quanto tensa, fomos liberados para ir até à faculdade. A partir desta foi colocada uma linha direta do centro até a Univille. A imprensa na época não deu uma linha do nosso protesto, mas gastou algumas para dizer da visão dos empresários que abriam uma nova linha para a população.

Quando anunciaram que Joinville ia ser uma das primeiras cidades do país a usar a bilhetagem automática, lembro-me de ter conversado com alguns cobradores e perguntar o que seria dos empregos. Eles diziam que os donos das empresas já haviam falado sobre isso: iriam transformar todos em motoristas. Que bom. Principalmente se fosse verdade. Parece que muita gente não sabia fazer as contas: um ônibus um motorista. E a imprensa — principalmente alguns radialistas — se vangloriava do status de primeiro mundo de Joinville.

Lá por 2007 — eu já não estava mais em Joinville — aparece o movimento pelo passe livre e alguns “jornalistas” atacaram. Qualquer um pode ver no Youtube as cenas e os comentários isentos enquanto mostravam as imagens: “Ele não tem dinheiro pra pagar ônibus, mas olha a banha”, dizia um dos “jornalistas” falando sobre um dos manifestantes. “A polícia tem de agir, pois é contra a constituição fechar as ruas”, dizia outro.

Pois é, mas as coisas mudam. Agora acertaram o tom. Quando a polícia usou gás de pimenta sobre os manifestantes contra o aumento das passagens, a mesma "imprensa" ataca o prefeito — que por um passe de mágica passa a ser o comandante da PM. A concessão do serviço público ganha espaço na mídia. Gente que nunca andou de ônibus ataca o monopólio. Discute-se a inflação com gráficos e que tais.

Tô gostando de ver. Acho até que vou recomendar este pessoal da "imprensa" de Joinville pra ajudar a dar um pau na polícia paulista. Uma polícia que prende e agride estudante na USP, que manda bomba de efeito moral nos que lutam pelo passe livre na Paulista e que agora está dando um show na desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos. A grande imprensa tem muito a aprender.


José Roberto Peters é matemático e foi professor universitário em Joinville.

Frituras, fritados e mais autoflagelação



sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Um filme feito com livros

ET BARTHES
Os livros podem construir uma boa história em vídeo? Claro que sim. É a prova é este filme feito por um casal de Toronto, que passou duas noites sem dormir para produzir os movimentos dos livros. É obvio que os dois tiveram a ajuda de outros voluntários. O cenário foi a livraria Type, em Toronto. O resultado final, um espetáculo de movimento, vale a pena.





Bom dia, Joinville!

POR FELIPE SILVEIRA

Todas as manhãs, quando abro meu twitter, sou recebido com calorosos bons-dias dos futuros candidatos a Prefeitura de Joinville. Abro um sorrisão, feliz pela simpatia dos nossos homens públicos, e penso: esse dia vai ser bom! Pacientemente, aguardo mais twits, esperando que algum candidato diga algo sobre política mesmo, sobre o que pensa sobre a cidade, sobre direitos, sobre comunicação, sobre cidadania, sobre violência, sobre drogas...

Mas fico só no aguardo mesmo. Tem candidato filósofo, candidato jornalista (aquele que publica informações “importantes”), candidato que quer voltar no tempo, candidato revoltado e candidato analista. Só não tem candidato que discuta a sociedade, suas necessidades e costumes.

E não tem por um simples motivo: porque a sociedade não quer. Candidatos são um reflexo da nossa sociedade e seus discursos são frutos dos nossos anseios e cobranças. E, puta que pariu, nós estamos contentes com o que tem por aí.

Um bom exemplo do que eu estou falando é a questão da segurança pública. Eu não quero saber se o candidato (nesse caso ao governo estadual) promete aumentar o número de policiais. Infelizmente, essa é a discussão que importa para a sociedade, achando que isso resolve alguma coisa do problema da segurança pública.

Eu gostaria de saber qual político vai reformar a polícia. Esse, sim, ganharia meu voto. Qual candidato vai aproximar a polícia da comunidade? Qual vai proibir a prática ilegal de violência da polícia? Qual vai trabalhar pela redução de desigualdades? Afinal, sabemos que a violência é fruto da desigualdade, e não fruto da “vagabundagem”.

Da mesma forma, não quero saber qual político vai alargar ruas para que caibam mais carros (pode transformar tudo em rua que sempre vai ter engarrafamento se não mudar a lógica do transporte). Eu quero saber deles vai propor um verdadeiro debate sobre mobilidade urbana, no qual fique claro que a política individualista do uso do carro no dia a dia é nociva à sociedade. Quero saber qual vai fechar uma via de carro para abrir mais corredores de ônibus, qual vai criar uma empresa pública de transporte para que todos tenham o direito de ir e vir garantidos, já que o modelo atual de transporte privatizado provou o seu retumbante fracasso na garantia desses direitos assegurados pela Constituição.

No entanto, é cada vez mais claro que a sociedade, no geral, não quer saber de nada disso. A maioria só quer saber de entrar no seu carrinho e não ficar tanto tempo no trânsito. Pra isso, quer avenida mais larga. Vão dar com os burros na água. Ou vão se jogar na água... sei lá.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Exijimos que o deputado vá estudar português

POR ET BARTHES
O deputado estadual Túlio Isac, de Goiás, achou que seria legal sacanear os professores e tentou fazer stand-up comedy (sentado). Mas pagou o maior micão. Ou melhor, foi um tremendo King Kong. Oussam a intervensão do jênio.




Urbanismo de salão

POR JORDI CASTAN


A LOT (Lei de Ordenamento Territorial) obriga cada joinvilense a se converter num exímio urbanista, mesmo sem ter recebido formação para tanto. É um meio onde se reúnem os que apostam numa linguagem críptica, confusa, recheada de tecnicismos e neologismos. Mais do que manter o nível elevado, parecem concentrados em afastar os verdadeiros interessados do debate.

Tanto no legislativo como no executivo pululam bandos de pernósticos que pouco contribuem para um debate compreensível para os principais interessados.

Pouca gente tem tido acesso aos mapas que mostram o alcance das mudanças. Há mapas, inclusive, trocados mais de uma vez, o que só tem servido para aumentar as dúvidas e gerar insegurança entre os munícipes. Na falta de informações precisas, começa a crescer a desconfiança sobre a proposta que está hoje em pauta. A pressa do executivo e de determinados setores da sociedade para que a lei seja aprovada em caráter de urgência não ajuda a gerar confiança. Mais difícil ainda será convencer a maioria da sociedade que a proposta é a melhor para toda Joinville.

O Estatuto da Cidade estabelece, sabiamente, a necessidade da gestão popular. E reduzir o número de audiências públicas de um tema tão importante pode ser considerado cerceamento da participação popular. Logo, logo sairão os representantes do poder público a dizer que todo o processo foi democrático e cumpriu todos os trâmites exigidos pela lei.

Não é bem verdade. Os prazos não foram cumpridos, a entrega do projeto de lei foi feita com atraso, os debates nas Câmaras que compõem o Conselho da Cidade foram feitos de forma apressada e o executivo ainda não promoveu as audiências públicas previstas na lei.
Para ter um elemento de comparação, o projeto de lei que consolidou galimatias de leis precisou de mais de dois anos para ser analisado e votado pela Câmara de Vereadores. E só se tratava de uma consolidação. Mas agora pretende-se que uma lei para mudar radicalmente o uso e ocupação do solo de toda a cidade, nas áreas rurais e as urbanas, seja aprovada em menos de três meses.

É bom que haja um esforço de todos para aumentar o nível de transparência do processo. Que se garanta, de forma adequada, a participação da sociedade. E para que isso aconteça, é essencial que se disponibilizem todas as informações, mapas e anexos. É a forma para que o debate possa ser realizado em termos de absoluta igualdade entre os urbanistas de formação, os urbanistas de salão e os que terão as suas vidas e propriedades afetadas de forma definitiva por uma lei que até agora tem gerado mais dúvidas que respostas. 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Racista, eu? O dinheiro não tem cor...

POR ET BARTHES


O que você diria de um produto que branqueia a pele? E de comerciais de televisão que passam a ideia de que ter pele escura é uma coisa ruim para o sucesso? Ou filmes passando a ideia de que a felicidade só acontece se você tiver a pele clarinha? Houve uma campanha assim na Índia. E agora imagine que o fabricante do produto que clareia a pele é o mesmo que no Ocidente fez um campanha a valorizar as “mulheres reais, a beleza real”. Hipocrisia de mercado?







Pinheirinho e o conto de fadas da Constituição Federal

POR GUILHERME GASSENFERTH



A ação de desocupação da posse ou invasão de Pinheirinho, em São José dos Campos, fez-me refletir sobre algumas coisas. E embora alguns possam dizer que minha posição política centrista seja simplesmente uma indefinição entre direita e esquerda, afirmo que deste ângulo é possível ter uma visão menos viciada da política, aliando elementos de ambas na análise.

Primeiramente, é preciso dizer que sou a favor da desocupação, não só neste caso, mas no geral. Creio que o direito da propriedade privada é um dos alicerces de nossa democracia. E invasão depõe contra este direito constitucional. Portanto, as famílias que ocuparam devem sair. Sim, isto poderia ter sido feito já no início da ocupação, quando ainda poucos morassem por lá, mas de todo modo, um erro não justifica o outro.

Alguns veículos de mídia questionaram como pode a justiça determinar a desocupação de um imóvel de Naji Nahas, um malfeitor consolidado, com vários crimes na bagagem, inclusive a sonegação de uma pequena fortuna, pela qual pagamos eu e você. Oras, não importa se é do Nahas ou da Madre Teresa, mas todos estão sujeitos à lei, nos seus direitos e deveres. O fato de ele ser um criminoso não significa que seus direitos de cidadão estejam todos cassados. Não é por ter cometido crimes contra o erário que os cometidos por outrem contra seu patrimônio serão perdoados.

Digo ainda que a ordem judicial deve ser cumprida pela Polícia Militar. Se uma juíza deu ordem de desocupação do imóvel, a PM deve fazer desocupar o imóvel. Não acatar a decisão da magistrada seria também incidir em crime.

Mas há algumas reflexões que desejo fazer sobre estes três itens pontuados nos últimos parágrafos.

A Constituição Federal é nossa lei maior, a que está sobre todas as outras. Contudo, um artigo não tem superioridade ou prioridade sobre outro da mesma lei. Já no artigo primeiro, a CF reza que a República brasileira tem como fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana. A forma como a PM tratou algumas pessoas na invasão foi digna? Para mim, parece que houve novamente abuso de força policial. Quando vejo fotos de crianças sendo presas, ou ainda leio uma denúncia publicada no UOL de que há vítimas, inclusive crianças, parece-me que a PM foi truculenta e atentou contra o primeiro artigo da CF. Da mesma forma que a propriedade deva ser defendida, também deve ser a dignidade.

Por outro lado, a Carta Magna propõe como direitos sociais do brasileiro, entre outros, a moradia. E prevê um salário mínimo que permita o atendimento das necessidades inclusive com moradia. E onde está a polícia e a justiça para fazer valer, com a mesma intensidade e esforço, o direito do José da Silva de ter sua casinha, previsto na mesma Constituição que dá o direito de propriedade ao Naji Nahas? Nunca vi a polícia invadindo um gabinete de um prefeito ou governador e exigindo com balas de borracha o imediato investimento em habitação.

Há ainda que se pensar que a ordem judicial dada à polícia foi de desocupação, não de brutalidade. Há pessoas justificando os abusos da PM sob a questão do cumprimento da decisão. Repito: sou a favor da desocupação, mas jamais a qualquer custo. Esta deveria ter sido feita com o máximo possível de paz e respeito às partes. Porque a grande maioria das famílias que viviam no Pinheirinho só estava ali porque não lhe foi dada a oportunidade de ter sua própria casinha. Então, assim como houve crime por parte das famílias, há também a culpa do Estado em não ter provido habitação. Ou seja, o Estado além de não prover o que é obrigado ainda pune os oprimidos pela falta de moradia com mais repressão.

Deste modo, soa para mim que existem dois Estados. O da Constituição Federal, ideal e ótimo, e o da realidade, que na inviabilidade de integral cumprimento da CF e tendo que optar por beneficiar uns em detrimento de outros, subjuga-se aos interesses do capital. O Nahas roubou dinheiro suficiente pra comprar galinhas para alimentar uma São Paulo. E tá solto. Mas se o José da Silva roubar uma galinha pra dar de comer pros seus filhos, ele apanha da PM e vai pro xilindró. Por que o direito de propriedade do Nahas prevalece ao de moradia e dignidade do José da Silva? Porque o Nahas tem dinheiro, e o José da Silva não.