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sexta-feira, 10 de março de 2017

"Aposentadoria fica, Temer sai"


POR CECÍLIA SANTOS
O título deste post foi o tema da manifestação do dia 8 de março em São Paulo, que reuniu milhares de mulheres. A reforma da previdência é mais uma das muitas medidas que visam desmontar as conquistas sociais e trabalhistas históricas, penalizando os mais pobres. Com o desmonte do SUS e da Previdência, que avança a passos largos, quem tem algum recurso vai contratar planos de saúde e de previdência privada (por que vocês acham que a Fiesp e o mercado financeiro apoiaram o impeachment?), enquanto os mais pobres vão ficar desamparados.

De todos os afetados, as mulheres são as mais prejudicadas com o aumento do tempo de contribuição e a perspectiva de se aposentar depois dos 65 anos.

É totalmente injusto igualar o tempo de contribuição das mulheres, considerando que temos jornadas duplas ou triplas. A divisão do trabalho doméstico continua a ser desigual e, se depender do conservadorismo cada vez mais forte, tem pouca chance de mudar. Pesquisa da Unicamp mostra que mulheres dedicam de 20 a 25 horas por semana ao trabalho doméstico, contra 9 horas pelos homens.

Mas nosso jurássico presidente da república reforça essa condição de desigualdade, conforme seu discurso proferido no próprio dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, deixando claro que a criação dos filhos é atribuição da mulher e não do homem:
Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela, do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a sociedade de alguma maneira vai bem e os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não é o homem, é a mulher”
Por outro lado, as mulheres são frequentemente preteridas em contratações e promoções profissionais. E todo mundo sabe que uma pessoa de 40 anos, seja homem ou mulher, já é considerada velha para o mercado de trabalho. Então qual é a chance de uma mulher de 60 anos ser contratada a fim de completar seu tempo de contribuição e continuar a se sustentar? 

Toda essa situação levará a um empobrecimento geral da sociedade e a dependência financeira da mulher. E mesmo para quem se acha acima da questão, é preciso lembrar que o fato de haver uma população com baixíssimo poder aquisitivo compromete a economia. Se não há quem compre, o comércio e a indústria logicamente vão definhar e cada vez mais gente ficará desempregada.

Uma distribuição de renda mais igualitária entre homens e mulheres garante, entre outras coisas, que as mulheres tenham meios de sair do ciclo de violência doméstica, por meio da autonomia financeira. Frear a reforma da previdência não é só uma questão econômica, é também pela vida das mulheres.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Nos fios da teia #6















POR SALVADOR NETO

Feriadão, tudo calmaria... só que não! Vamos tecer alguns fios de acontecimentos dos últimos dias, afinal o que não faltam são piadas prontas, traições, pesquisas... Leia:

Linda, recatada e do lar – No esforço midiático para derrubar Dilma, a mulher durona, eis que a revista Não Veja publica matéria (??) sobre a mulher do vice Michel Temer, Marcela. Apostando na atual insanidade coletiva que mistura tudo, criou é milhares de reações das mulheres em memes dos mais variados nas redes sociais. Tiro no pé? Coitada da Marcela.

Do bar, do lar, onde quiser – A Não Veja e a coitada da Marcela receberam de volta um troco inteligente. Mulheres enviaram fotos com as mais variadas poses dando um chega prá lá no machismo gritante da matéria, escrita por uma mulher. Afinal elas podem ser o que quiserem,  ou não? Bolsonaro e muitos mais acham que não.

O Messias – Na votação da admissibilidade do impeachment, eis que surge ele, o arauto da violência. Bolsonaro, para alguns o melhor nome para presidir o Brasil (arghh) cuspiu apoios a ditadura, tortura, torturadores. Olhando as redes sociais, muitas mulheres apoiam o messias... como entender?

Para qual lado? – Afinal, de que lado estariam as mulheres? Seriam mais Marcelas, recatadas, lindas, do lar, dóceis? Ou mais Dilmas, guerrilheiras, corajosas, enfrentando o machismo nosso de cada dia? Discussão difícil, para sociólogo nenhum botar defeito. E jornalista também! Aceitamos opiniões.

Cai ou não cai? – Creio que a força econômica com raízes que vem do estrangeiro, derrubaram o governo Dilma. Há esforços, grandes até, mas será muito difícil reverter o quadro de traições que começaram há quase um ano com Michel Temer (PMDB), com a força do limpo Eduardo Cunha (PMDB). O Senado vai aceitar, julgar e cassar Dilma. Não sem luta, o que vai agravar ainda mais a crise econômica.

Acabou a corrupção - A massa que brada em redes sociais, entidades empresariais, clubes e nas ruas foi ao êxtase com a aprovação do impeachment na Câmara. Acreditam que acabaram com a corrupção. Só esqueceram de combinar com os master chefs do golpe que ficarão mandando no país: Michel Temer e Eduardo Cunha, ambos do PMDB. Presidente e Vice, que tal? O Brasil merece.


Acabou a Corrupção 2 - Além da dupla Temer/Cunha, não esqueçam, há os 367 deputados que aprovaram a abertura do processo contra Dilma. Eles vão apoiar a permanência de Cunha na presidência da Câmara, com resultado de não cassação dele no Conselho de Ética, e assim todos se salvam. Pelo menos por lá. E como já disse o Moro, em dezembro a Lava Jato acaba. Deixando toda a sujeira debaixo do tapete.

Estado mínimo – Quem apoia a processo golpista/parlamentar e não é da classe média/alta mais tradicional, não consegue enxergar o novo governo que estão desenhando Michel Temer e seus aliados de sempre, do PSDB com Aécio, DEM e outros. Políticas sociais sumirão, ministérios para mulheres, negros, minorias, idem. O estado mínimo está chegando. O choro será grande logo ali na frente, a hora que a miopia politica passar.

Estado mínimo 2 - O canto da sereia de controle fiscal, corte de gastos (o Estado gasta muito, etc) vai levar boa parte da população a crer que é a melhor saída para a economia voltar a crescer. Engano. Onde há Estado forte, há economia forte e direitos adquiridos são preservados. Onde ele é desmontado, desmontam-se as proteções aos menos favorecidos. A história ensina. Leia meu artigo "Já chega de pontes que nos levam ao o passado" que publiquei aqui dias atrás.



Na aldeia – Por Joinville, após as mudanças partidárias permitidas até 2 de abril passado, as alianças surgem e nomes também. Configura-se disputa abaixo da linha da cintura entre Udo Döhler (PMDB) e Darci de Matos (PSD), com Tebaldi (PSDB), Xuxo (PP), Carlito (PT) correndo por fora. As rejeições estão altíssimas.

Na aldeia 2 – No segundo pelotão estão Ivan Rocha (PSOL), Valmir Santhiago Jr (REDE) e outros menores para fazer legenda e eleger vereadores, de olho em 2018. Ainda podem pintar na corrida eleitoral Rodrigo Bornholdt (PDT) e Patricio Destro (PSB). Há desespero pelos lados da Prefeitura com tantos opositores, existentes, e os novos que vem por aí.

Na aldeia 3 – Os jacarés do rio Cachoeira, até eles, já sabem que pesquisas eleitorais agora servem só para fazer marola. Números de certo instituto ligado a um jornal regional dizem que Udo está na frente. Só se for da Prefeitura, dizem as garças que andam ao lado dos jacarés. Esqueceram de ir aos bairros, perguntaram somente aos nomeados.

Traições – Assim como Dilma em Brasília, a traição ronda o governo Udo. A coisa começa dentro do seu partido o PMDB. Ex-aliados por apelos do falecido líder LHS, Cleonir Branco e Alexandre Fernandes, ex-presidentes da sigla, não participarão da campanha. Pior que isso é ver que a lista de vereadores está reduzida, e fraca. Nada está tão ruim que não possa piorar. O PSB pode abandonar também.

Mãos limpas – A oposição a Udo Döhler já sabe que o lema mãos limpas vai ser o alicerce da campanha do peemedebista. É só o que há, por enquanto, para usar na tentativa de reeleição. Não há obras, nem gestão, nem remédios, nem asfalto, nem inovações. As pedras do rio Quiriri também sabem que pode surgir algo que bote tudo a perder neste alicerce. Veremos.


É assim, os fios da teia nas teias do poder...

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Mulheres não merecem ser estupradas


POR CLÓVIS GRUNER

A estas alturas todo mundo já sabe do erro crasso do IPEA na divulgação dos resultados da pesquisa, segundo a qual 65% dos brasileiros consideram que a mulher, a depender do tipo de roupa que usa ou de seu comportamento em público, merece ser estuprada. O equívoco, que entre outras coisas resultou na demissão do diretor do Instituto, provocou reações muitas e variadas. No seu texto de segunda, Jordi Castan sugere interesses escusos por detrás da pesquisa: “Por que divulgá-la justo agora?”, questiona. A pulga não incomodou apenas atrás da orelha do meu colega de blog: aqui e acolá, e antes mesmo do IPEA assumir o erro, li gente questionando sobre as “razões ocultas” do estudo.

É verdade que poucos foram tão longe quanto o delirante comentarista que, por falta de respeito, coragem ou os dois, preferiu manter-se anônimo: truculento como a maioria dos inominados, acusou Fernanda Pompermaier de “inocente útil” no grande plano petista de dominar a vida, o Universo e tudo mais. Segundo nosso leitor, que além de anônimo assume-se preguiçoso, a pesquisa foi “uma manobra bem urdida pelos porões pestistas (sic) para alavancar a anta deles, afinal, a poucos meses da eleição, que tal reforçar a visão de que as mulheres são vítimas dos machistas, assim, sempre que um candidato opositor, por acaso todos machos, falar mal da anta deles será visto como um monstro do lago Ness”. Certo, certo, sabemos que o machismo, o racismo, a homofobia e as diferenças e conflitos de classe são invenções do governo do PT e inexistiam antes de 2002.

Também é óbvio que não há distinção entre críticas à presidente e violência contra a mulher, dois eventos que devem ser tratados como absolutamente simétricos. Assim, durante a campanha, sempre que a candidata Dilma Rousseff for pressionada pelos concorrentes, “todos machos”, poderá erguer os braços e gritar: “estupro!”. Mas se a pesquisa foi uma “manobra bem urdida pelos porões pestistas (sic)” com fins eminentemente eleitoreiros, por que divulgar o erro e expor governo e candidata, submetendo-os à crítica sempre refinada da oposição, e nos obrigar a ler estultices como o comentário do nosso preguiçoso leitor? Afinal, a tal maquinação só surtiria efeito se continuássemos a acreditar nos primeiros resultados divulgados, não é mesmo? Ah, a preguiça...

CULTURA DO ESTUPRO – Estupro é coisa séria, e é sempre temerário quando um assunto dessa gravidade é tratado com irresponsabilidade – e pouco importa se o irresponsável é um Instituto ligado ao governo ou um leitor, anônimo, preguiçoso, paranoico e pouco capacitado intelectualmente. E não há motivo algum para comemorar o erro: é uma vergonha que 26% dos brasileiros considerem a mulher responsável pelo estupro. É uma infâmia que 26% dos brasileiros acreditem que o tipo de roupa ou o comportamento feminino induz ao ou facilita o estupro.

Os números reais não nos colocam numa posição confortável. Como se não bastasse, eles tem servido nesses dias para a propagação de um discurso que minimiza ou simplesmente nega as muitas violências, simbólicas e físicas, perpetradas diariamente contra a mulher. Os exemplos são muitos, a começar pela ignomínia que é equiparar o feminismo a um regime totalitário e genocida, presente na denominação “feminazi”, esse neologismo grosseiro tão ao sabor dos conservadores brasileiros. Nos ônibus, no metrô (e na campanha do metrô), nas ruas, no ambiente de trabalho, em casa: em que pese as mudanças percebidas principalmente nas últimas décadas, ainda há muito por fazer e mudar para tornar menos desigual (e eu não falo de diferença, mas de desigualdade) as relações de gênero. 

No caso específico do estupro, entre nós o tema é ainda muitas vezes banalizado, motivo de piada e tratado com arrogância e desdém, como no episódio do humorista Rafinha Bastos, para quem mulheres feias devem não acusar, mas agradecer seu estuprador. Ou na indiferença do Conar à campanha da Nova Schin, mantida no ar pelos marmanjos que comandam o órgão sob a alegação de ser “baseada em uma situação absurda”: afinal, na peça publicitária, o homem que constrange mulheres e invade seu vestiário, provocando visível horror e medo, é invisível. Para alguns, se a mulher for feia ou homem, anônimo, o estupro é válido e, em alguns casos, pode ser até divertido.

AS ESTATÍSTICAS DO HORROR – Os índices de violência física não minimizam, agravam a sensação de que vivemos em uma cultura que tem feito pouco das agressões contra mulheres. O Mapa da Violência de 2012, estudo conduzido há anos pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, dedicou um apêndice para tratar exclusivamente da violência de gênero. E anota uma tendência ao crescimento nas taxas de homicídio ao longo das últimas três décadas, chegando a quase 4.500 em 2010 (4,6 homicídios por 100 mil habitantes). Há uma breve interrupção na curva ascendente em 2007, que os pesquisadores atribuem à aprovação da Lei Maria da Penha no ano anterior. Breve, porque dos 3,9 por 100 mil habitantes registrados naquele ano, o número volta a crescer nos subsequentes (respectivamente, por 100 mil/hab.: 4,2 em 2008; 4,4 em 2009; e 4,6 em 2010). Importante registrar que os índices se referem exclusivamente a homicídios motivados por questões de gênero e exclui aqueles em que mulheres foram vítimas de assassinatos “comuns”.

Razão pela qual a violência contra a mulher não pode ser jogada na vala comum dos índices de criminalidade, porque se trata de um fenômeno específico, não raro praticada  nos limites de ambientes como o trabalho e a casa e perpetrada por homens conhecidos, em muitos casos colegas e membros da própria família, pais e maridos inclusive. Como é o caso do estupro: em 2012, foram mais de 51 mil casos registrados, uma taxa de 26,3 por 100 mil habitantes, segundo o Anuário de Segurança de 2013. Como a qualidade dos registros varia entre os estados, e muitos casos sequer chegam a ser denunciados, é bastante provável que os números, já altos, sejam ainda maiores: sabe-se que muitas vezes as vítimas, por vergonha ou porque ameaçadas, optam pelo silêncio.

Como se vê, não há muito que comemorar com o equívoco do IPEA. Mesmo com e apesar dele, os índices de violência contra a mulher deveriam ser motivo de preocupação: estamos entre os 10 países mais violentos do mundo, distante e à frente inclusive de nações vizinhas como a Argentina e o Chile. Lamentavelmente, vivemos uma realidade onde alguns preferem cruzar os braços, indiferentes à barbárie. Uma das coisas mais abjetas que li sobre o assunto nesses últimos dias foi assinada por Rodrigo Constantino, um dos blogueiros do conservadorismo de boutique tão em voga no país: para ele, “moças direitas” tem menos chance de serem vítimas de violência porque “não se faz um banquete diante de famintos”. Alguém precisa avisar o menino que mulheres não são um pedaço de carne, e que estupro é um ato de força e poder: não é sobre sexo, é sobre violência.

sábado, 12 de outubro de 2013

As datas e a idiotice

POR FERNANDA M. POMPERMAIER

O dia das crianças está se aproximando e essa é mais uma data que eu só lembro porque tenho muitos amigos brasileiros no facebook. Assim como dia dos pais, das mães, dos namorados, da secretária, do engenheiro, da árvore, do ônibus, da calçada, enfim,...  a lista segue on and on.... 

A pressão comercial nessas datas na Suécia é tão insignificante que chega a ser desprezível, quase inexistente. Não vejo propagandas, não existem outdoors, não se vê cartazes nas lojas... nada que lembre que alguma data importante para o comércio esteja próxima, durante o ano todo. É claro que isso também faz parte de uma política ferrenha do governo de não permitir propaganda de qualquer forma e em qualquer lugar porque enfim, o capitalismo não venceu no mundo todo. Existe além disso, uma influência cultural forte de não consumir o que não é necessário. 

Nas escolas nenhum cartão para os pais e lógico, nenhum apresentação cultural com esse tema. As pouquíssimas datas comemoradas nos centros de educação infantis estão relacionadas: às mudanças de estações: uma festa no verão, outra no outono, o natal, a páscoa e o dia de Santa Luzia (tradição é tradição, não dá de fugir de tudo). Mas de qualquer maneira, o apelo comercial é muito menor e sou grata por isso.

Sentia que no Brasil, eu passava o ano todo comprando presente pra alguém por alguma data que se aproximava, uma idiotice. Fazemos mesmo um big deal desses momentos afirmando que são uma desculpa para lembrar-se de alguém e fazer algo legal para essa pessoa, quando na verdade isso acaba sendo uma grande encheção de linguiça.

A verdade é que como mãe eu não quero nada de flor, chocolate ou perfume, muito menos um dia por ano para ser lembrada. Eu quero licença maternidade de 1 ano. Quero o direito de acompanhar meu filho ao médico sem encarar cara feia de chefe. Quero salário igual ao de um homem na mesma função. Quero vaga num centro de educação infantil público e de qualidade. Quero o direito de amamentar em público sem nenhum marmanjo com síndrome de punheteiro achar que tô usando a mama para o ofício errado. Resumindo, quero respeito e reconhecimento genuíno, que não dura um dia mas o ano todo e atinge à todas da mesma forma.

O mesmo acontece com a infância. Quem precisa de dia da criança quando em Joinville mesmo existem crianças em condições desumanas de vida? Quando os ceis tem listas de espera quilométricas porque não tem vaga para todos? Quando nossos espaços públicos, de parques a calçadas não acolhem a criança? Nossos espaços não são pensados para a vivência da infância. Em boa parte da cidade é impossível ir à escola de bicicleta ou à pé em segurança. É impossível correr num grande gramado, soltar pipa, conhecer diferentes árvores, dormir nas suas sombras,...... a não ser que seu pai trabalhe numa empresa que ofereça uma boa associação, aí a criança pode ter ALGUM direito. Mas essa prática segrega, oferece à criança uma convivência selecionada e isola uma parte da cidade com a qual ela não terá contato, a não ser que seja obrigada. E isso é viver à margem da realidade. Dá quase de processar a prefeitura por negligência. Por deixar de oportunizar aos seus pequenos moradores experiências verdadeiramente participativas e prazeirosas na cidade.
Sem comentar as  restritas oportunidades que terão os pequenos das periferias que se contentarão com os presentes que ganharem nos programas de fim de ano dos funcionários de empresas, uma hipocrisia.

A mudança cultural começa conosco.
Começa em casa tirando o foco do material e oferecendo outras vivências.
Mas continua com o mais importante: envolvendo-se de verdade nos movimentos sociais que podem definitivamente mudar o destino de crianças, mães e mulheres à longo prazo. Nas associações de moradores, nas decisões da política local, nas lutas por vagas, nas denúncias de maus tratos,... inúmeras são as formas de ajudar e eu sei que muita gente já faz muito, mas sempre é bom engrossar o coro e exigir direitos de verdade. Se nós, mulheres e mães não o fizermos, ninguém fará por nós.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

E a mulher? Foda-se!

POR CLÓVIS GRUNER




A semana passada não foi de boas notícias. Ela começou com a demissão de Dirceu Greco, diretor do Departamento de DSTs, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, responsável pela campanha “Sou feliz sendo prostituta”. A justificativa oficial do ministro Alexandre Padilha, covarde e hipócrita, escondeu o verdadeiro motivo da saída de Greco, criticada por inúmeros profissionais que conhecem e respeitam sua trajetória como infectologista: a submissão, mais uma vez, das ações do governo à agenda conservadora, já que o estopim da demissão foram as críticas dos deputados evangélicos hoje à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, particularmente Marco Feliciano e João Campos, ao conteúdo da campanha, considerada pelo último uma “apologia ao crime”.

No meio da semana, cerca de 40 mil evangélicos tomaram as ruas de Brasília. Oficialmente, tratava-se de uma “Manifestação pela liberdade de expressão, liberdade religiosa e família tradicional”. Animados por Silas Malafaia, no entanto, o que se viu foi uma demonstração coletiva de ódio e intolerância que beirou às raias do absurdo: confundido com um gay, um pastor da igreja Quadrangular foi agredido por seguranças, um “mal entendido”, segundo os pastores responsáveis pelo evento. Alguns sites gays minimizaram o acontecimento, já que a quantidade de fieis foi bem menor que a esperada e prometida pelo pastor. Outros destacaram que Malafaia não é unanimidade mesmo dentro do segmento evangélico. Tudo isso é verdade, mas a história já nos mostrou que milhares de pessoas nas ruas, movidas pelo fanatismo e o ódio é algo para, no mínimo, nos preocupar.

Mas veio da Câmara de Deputados a mais estarrecedora e lamentável das notícias, com a aprovação, pela Comissão de Finanças e Tributação do Projeto de Lei 478/2007, conhecido como o Estatuto do Nascituro. Quem conhece minimamente o percurso de um PL no parlamento sabe que o projeto não chegou ainda ao último estágio: aprovado anteriormente na Comissão de Seguridade Social e Família, ele depende agora de parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça antes de, finalmente, seguir para votação no plenário. Se aprovado, segue para sanção presidencial. Mas a simples existência de um projeto de tal natureza – de autoria, aliás, de um ex-deputado petista, Luiz Bassuma – e sua aprovação por duas comissões parlamentares é, e eu vou usar um eufemismo, uma indignidade.

E um atraso. Entre outras coisas, porque o conceito que o atravessa mandas às favas todo o debate científico e jurídico em torno ao conceito e estatuto de pessoa. Ele se apoia tão somente em uma concepção de fundo religioso, ao afirmar que “Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido”, para logo em seguida estabelecer, em parágrafo único, que o “conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos ainda que “in vitro”, mesmo antes da transferência para o útero da mulher.” Tal conceito, ao assegurar aos embriões os mesmos direitos que, em tese, são garantidos aos nascidos, inviabiliza e criminaliza, por exemplo, pesquisas com o uso de células tronco, uma das principais conquistas científicas dos últimos anos, aprovada pelo STF em 2008.


O DIREITO AO CORPO – Não importa que uma das matérias mais polêmicas do PL tenha sofrido uma mudança: no texto original, e contrariando a legislação em vigor sobre o tema (aliás, uma das mais conservadoras entre os países ocidentais) o aborto, independente do contexto, não apenas era criminalizado, como em sua justificativa o autor do projeto defendia sua inclusão na categoria de “crime hediondo”. A versão que segue para a Comissão de Constituição e Justiça, estabelece como ressalvas o disposto no artigo 128 do Código Penal, que autoriza o aborto em caso de risco de vida para a gestante ou quando a gestação for resultado de estupro. Mas não diz nada, por exemplo, sobre o aborto de anencéfalos, autorizado também pelo STF (só!) no ano passado.

Mesmo com a mudança introduzida, o Estatuto do Nascituro amplia a criminalização do abortamento e dificulta, por consequência, o acesso a métodos contraceptivos e ao aborto legal, hoje já bastante restrito, ao tornar a gestante objeto de uma exaustiva e intimidante vigilância. No caso de gestação decorrente de abuso violento, não apenas institui a em si abominável ideia de um auxílio estatal à gestante e ao nascituro – apelidada nas redes sociais de “Bolsa estupro” – como estabelece que, “Identificado o genitor do nascituro ou da criança já nascida, será este responsável por pensão alimentícia nos termos da lei”. É mais ou menos assim: além de ter sido estuprada e obrigada a carregar por nove meses o resultado da violência a que foi submetida, a mulher terá de conviver, pelos próximos anos, com seu estuprador, obrigado este pelo Estado a reconhecer e sustentar o filho, assumindo na prática o seu “patrio poder”. Kafka não faria melhor.

Já se falou muito sobre o tema, especialmente – mas não só – nos blogs feministas. Já se elencaram inúmeras e pertinentes razões que justificam opor-se a ele. Não vou me alongar mais, repetindo o que já foi dito e pode ser lido aqui, aqui e aqui. Mas não quero silenciar sobre uma questão que, implícita ao projeto, é de extrema urgência: o Estatuto do Nascituro não é apenas sobre o aborto e não pode ser lido e entendido somente por este prisma. O retrocesso maior está na afirmação da desigualdade, jurídica inclusive, da mulher, que vê diminuído ainda mais o direito sobre seu próprio corpo, objeto de tutela do Estado. Houve um tempo em que esta desigualdade, ainda presente no cotidiano e que se expressa de diferentes maneiras, desde a recorrente culpabilização da vítima em casos de estupro (e a Fernanda comentou isso em ‘post’ recente aqui no blog), a prisão de manifestantes pela policia atendendo a pedidos de um padre, até artigos de filósofos na grande imprensa; houve um tempo, enfim, em que esta desigualdade era assegurada juridicamente.

No primeiro Código Penal republicano, o adultério era considerado crime quando praticado por mulheres, em qualquer situação. Aos homens, eram reservadas penas mais brandas apenas se o adultério implicasse na negligência do cumprimento do seu papel de provedor da família. Tal premissa, inclusive, inocentou inúmeros assassinos de mulheres, absolvidos sempre que apelavam à “defesa da honra” como justificativa ao homicídio. Avançamos bastante desde então para aceitar, passivamente, retrocedermos a uma condição em que as mulheres, uma vez mais, estarão à mercê de uma lei retrógrada, flagrantemente inspirada em princípios que não são os da laicidade e da igualdade de direitos, mas de uma concepção religiosa e fundamentalista de mundo e de pessoa. Porque é exatamente disso que se trata o Estatuto do Nascituro: ele joga no lixo o pouco de equidade conquistada nas últimas décadas para tornar a mulher, uma vez mais, objeto da vontade fálica do Estado, tudo sob a proteção da lei. Ele diz a ela em juridiquês o que o machismo, o conservadorismo e o fundamentalismo religioso vêm afirmando desde há muito tempo: foda-se você, seu corpo e os seus direitos!