terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Joinville bateu o recorde de homicídios, e não foi por acaso

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O Jornal A Notícia acabou de divulgar a triste notícia que Joinville bateu seu próprio recorde de homicídios na cidade: 87 mortes somente em 2014 (o máximo havia sido 86 mortes em 2009). Infelizmente esta é uma situação esperada, visto que o modelo de cidade no qual consiste a nossa é marcado pela segregação socioespacial, espraiamento urbano, falta de oportunidade e de espaços iguais.

A mesma matéria do jornal mostra que os homicídios estão concentrados em uma parte da cidade, ou seja, na zona sul de Joinville. O que não é uma novidade, pois historicamente isto acontece nesta região da cidade. Só no Paranaguamirim foram 18 mortes e, não por acaso, este é um dos bairros mais longínquos da "cidade oficial", aquela cidade que oferece tudo nas regiões mais centrais (aparelhos culturais, áreas de lazer, shoppings centers, transporte público de qualidade um pouco maior, etc.). São pessoas exiladas pela suas próprias condições de habitação periférica. Como nós do Chuva Ácida escrevemos várias vezes sobre estes temas, pretendo seguir por outro caminho, trazendo o exemplo de uma cidade catarinense muito diferente de Joinville e que combateu o crime e os homicídios com ações sociais, ao invés de mais efetivos policiais armados e equipados, como querem algumas entidades empresariais e políticas da cidade.

Camboriú, pequena cidade situada no Vale do Itajaí, vive na sombra de Balneário Camboriú, sua vizinha do outro lado da BR-101. Os políticos locais não entendiam como Balneário Camboriú tinha o 4o. melhor IDH do Brasil enquanto que a sua cidade era a 1136a. no ranking. Uma desigualdade enorme separada por uma rodovia. E lá, ao contrário daqui, a Prefeitura criou um programa preventivo forte, em parceria com vários órgãos (inclusive os tradicionalmente repreensivos como a Polícia Militar), no combate aos índices sociais que levavam a cidade rumo à vulnerabilidade social: evasão escolar, baixa renda, não comparecimento às ações de saúde pública, baixa participação comunitária e assim por diante.

Em dois anos de programa, a cidade reduziu drasticamente o número de homicídios: de 59,9 para cada mil habitantes a 29,9 para cada mil habitantes. Não precisou aumentar o efetivo policial, nem a repreensão, ou criar uma guarda municipal armada (tudo o que Joinville quis fazer). A segregação socioespacial e a desigualdade existem por lá também (são fenômenos de todas as cidades), mas o tratamento que os gestores dão a eles resultam em diferentes tipos de cidades. Creio que a nossa está indo na contra-mão, novamente.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Um tsunami de lama

POR JORDI CASTAN

As declarações do ministro José Eduardo Cardozo, afirmando que somos um país de corruptos, são vergonhosas,  impróprias de um ministro e, menos ainda, da Justiça. Mais vergonhosa ainda a atitude da sociedade que não se insurge e não pede a sua demissão. Ou será que quem cala consente?

A verdade é que entre os maiores logros deste governo contabilizamos a extinção nacional da ética em todos os níveis. A redefinição do conceito de impunidade. E ainda, o mérito de ter promovido a mais obscena corrupção, a patamares até ontem desconhecidos. E em nome da justiça e da igualdade converter o país num território sem lei, entregue a grupos criminosos de todos os tipos e tendências.

Esta cada vez mais difícil discernir o que é certo e o que é errado. Quem não tenha tido a sorte de receber em casa valores morais rígidos e claros, enfrentará dificuldades em se manter limpo neste lodaçal em que tem se convertido nosso país. A nível nacional o "Mensalão" que condenou a destacadas figuras do Partido dos Trabalhadores, foi convenientemente esquecido e substituído pelo "Petrolão", um escândalo maior e mais podre, que mostra que quando se trata de corrupção este é um governo ecumênico que reúne numa mesma pocilga a políticos de todos os partidos, desde que não tenham princípios éticos ou morais, ou se os tem que sejam suficientemente elásticos. Sem fazer distinção entre eles, tendo em comum a certeza da impunidade e a cobiça desmedida.

O Governo Federal, já totalmente desprovido de qualquer resquício de pudor, ainda inova instituindo oficialmente o "convencimento" de deputados e estabelece o preço de mercado. Por exemplo, para votar pela aprovação da mudança da meta fiscal. Com a aprovação, o governo fica desobrigado de cumprir a meta de superávit primário antes estipulada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um superávit que o governo não tem como atingir por gastar mais da conta. Para poder aprovar o projeto se fixou o custo por parlamentar em R$ 740.000 ou seria mais correto falar do preço de cada voto?

EM JOINVILLE - No âmbito local, finalmente vê a luz, o cartel dos combustíveis, o que era um segredo a vozes, com preços iguais ate nos centésimos. Depois de meses de investigação levada a cabo pelo MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) e graças à denúncia de um empresário, a trama de corrupção é denunciada e há provas suficientes para identificar os culpados.

O Cartel dos Combustíveis é em principio um tema que envolve unicamente empresas privadas, mas são citados e surgem os nomes de diversos políticos locais, tanto deputados federais, como um vereador. A ingerência política nos órgãos públicos, para afrouxar, liberar, permitir ou não impedir é mais comum do que o bom senso recomenda, e nada impede supor que a mesma intercessão em favor de uns seja usada também em desfavor de outros.

Surge ainda a figura do "incorruptível", oportunamente explorada tanto pela própria assessoria, como pela imprensa. E assim chegamos ao extremo de considerar digno de destaque, banda de música e foguetório o que deveria ser requisito de qualquer ocupante de cargo público.

Tanto no caso das infelizes declarações do ministro, como no foguetório para celebrar que um empresário acusado de formação de cartel diga que alguém é incorruptível, seria mais prudente cuidar um pouco mais. No caso do ministro, o velho refrão que diz "piensa el ladron que todos son de su condición" parece especialmente apropriado. No caso do prefeito, pode ser o momento de dizer: "Menos, menos...". Tem quem ache que não há homem honesto, só há que chegar ao seu preço.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Em busca da real beleza

POR GABRIELA QUEIROZ*

O cabelo das pessoas negras sempre foi considerado um problema. Em qualquer parte do mundo, nós nunca tivemos o direito de assumir nossos cabelos sem enfrentar resistência.

Manter o crespo à vista da sociedade é um ultraje! Mas a solução do problema é simples: para os homens, a máquina. Já para as mulheres, inventaram vários remédios para esconder o pixaim, desde perucas, que se tornaram parte da cultura das mulheres negras norte americanas; os turbantes, especificamente desenvolvidos para não deixar os crespos à mostra; os famosos pentes quentes, verdadeiros instrumentos de tortura medieval que deveriam ser levados ao fogo (!) a fim de atingir temperatura alta o suficiente para queimar os fios crespos, fazendo com que assim, perdessem seu volume; passando pelos compostos químicos para fins de alisamentos, relaxamentos e permanentes com as mais variadas bases, como hidróxido de sódio, tioglicolato de amônia, guanidina e conservador de cadáveres, digo, formol; secadores e chapinhas com íons negativos (os antigos pentes quentes).

Tudo com um fim muito específico: fazer com os negros se sentissem bonitos, bem aceitos e pensassem que faziam parte da cultura branca.


Venderam-nos, porém, uma grande mentira. Todos esses artifícios serviram apenas para destruir a nossa identidade e autoestima.

Essa padronização fez de mim mais uma vítima. Eu não tinha mais forças para lutar por algo que nunca seria de fato meu. Perder longas nove horas numa cadeira de salão a cada três meses para retocar a progressiva e fazer a manutenção daquele alongamento longo e liso definitivamente não fazia parte daquilo que me deixava feliz. Eu estava mentindo para mim mesma e para os outros, que quase acreditaram que “meu” cabelo liso era um milagre da genética.

Após muitas frustrações com relação a tentar me resolver com meu cabelo, finalmente aceitei o que era inegável – o meu cabelo era mesmo crespo e eu não iria ter cachos como aqueles que aparecem em comerciais de shampoo. Mas não me importei. Empoderei-me e, ao pôr os pés para fora de casa pela primeira vez com aquela aparência, tive de enfrentar o preconceito mais doloroso: da minha própria mãe que, tristemente, perpetuou o único ciclo que conhecia, o da não aceitação.

E foi aí que eu mudei. De fora para dentro, porque essa estética me trouxe pontos de vista que eu nunca enxergara; me fez perceber que eu não me aceitava enquanto mulher negra porque, além de ter me escondido orgulhosamente atrás dos alisamentos e dos finos traços do meu rosto, eu rejeitei relacionamentos com homens negros porque eu não queria que minhas filhas sofressem o que eu sofri.

Ter a compreensão destas questões ampliou meus pensamentos e me incomodou a tal ponto de mover a direção da minha vida.

Então aquele antigo sonho de deixar a área do direito e abrir um salão de beleza tornou-se realidade. Passar adiante a mensagem da aceitação e valorização da etnia negra em todos os seus aspectos me fez ir em busca de novos caminhos profissionais e me abriu as portas para a vida de tantas mulheres, antes oprimidas e insatisfeitas, assim como eu era.

O Real Beleza foi pensado para acolher e empoderar a mulher que decidiu romper com as barreiras do típico comportamento social, aquele politicamente correto, que esfrega na cara o padrão estético tirano e inalcançável. Propositalmente, fiz a escolha da não utilização de processos químicos de transformação da estrutura capilar, para que a saúde física e emocional das minhas clientes seja preservada.

Atualmente, em parceria com o ateliê Miss Meyres, coordeno o grupo de apoio Amigas Cacheadas Joinville e promovo encontros semestrais intitulados I Love My Hair, onde a estética negra é abordada e discutida por mulheres que resolveram aceitar sua identidade.

Junte-se a mim nessa descoberta!

* Gabriela Queiroz, 27 anos, sobrevivente.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Aécio “Hiroo Onoda” Neves

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O leitor e a leitora já ouviram falar de Hiroo Onoda? Foi um soldado japonês que permaneceu em luta por 29 anos, nas Filipinas, sem saber que a guerra tinha acabado. O homem foi avisado sobre o fim do conflito, mas estava tão tomado pelo delírio guerreiro que não acreditou em ninguém. Só depois de três décadas o governo nipônico teve conhecimento do caso e foi resgatar o seu soldado. Por que relembrar essa história?

É que Aécio Neves faz lembrar Hiroo Onoda. Todo mundo sabe que as eleições para a presidência da República já são coisa do passado, mas o ex-candidato (que, aparentemente, não se considera “ex”) continua na disputa. E com uma marca de marketing muito interessante, resumida pela frase: “a derrota subiu à cabeça”. Dia sim e dia também o homem aparece nos meios de comunicação como se ainda estivesse em campanha.

Nos raros momentos que recupera a lucidez, Aécio Neves admite a derrota. Mas com uma “vibe” estranha. Dia desses atirou-se aos adversários, chamando-os de “organização criminosa”. O senador não está a ver bem: ele foi derrotado por 54.501.118 brasileiros. E duvido que sejam todos petistas. Aliás, é temerário dizer que todas essas pessoas pertencem a uma organização criminosa. Você, que votou em Dilma Rousseff, se considera um bandido?

É provável que a coisa acabe em águas de bacalhau, mas segundo notícias divulgadas pela imprensa, a direção do Partido dos Trabalhadores vai processar o “ex”-candidato por causa dessa declaração pouco inteligente. Aliás, essa ação abre portas até para o cidadão comum que votou em Dilma Rousseff e agora está a ser chamado criminoso. O pior é que há atoleimados nas redes sociais - os de sempre - a adotar esse discurso de criminalização dos opositores.

Qual é problema mais sério? É que Aécio Neves, sob o argumento de representar a voz dos indignados, parece ter caído nos braços da extrema direita chazista (uma espécie de Tea Party tupiniquim). É mau. Essa gente aposta tudo na estratégia de dividir o Brasil em 54 milhões de bandidos e 51 milhões de gente do bem, na tentativa de criar um clima hostil, quase de guerra civil.

Embalado pelos sons dessa direita furiosa, que aposta tudo numa política de terra queimada, Aécio Neves cambaleia pela história como um Hiroo Onoda da política. Vive num labirinto temporal. E quando os líderes políticos padecem de enfermidades cognitivas, só resta torcer para que o povo seja sereno.


É como diz o velho deitado: “chato é um cara que não muda de ideia, mas também não muda de assunto”.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Salvem o centro de Joinville

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O centro de uma cidade, pelo menos na teoria, é aquele espaço dentro de um território que concentra toda a expressão de uma sociedade. É a área que converge as melhores e piores coisas, e tem a capacidade de manter e criare os maiores laços interativos da comunidade. É no centro que a potencialização da vida se faz mais evidente. E, segundo os preceitos mais modernos de urbanismo, o centro das cidades do século XXI deve ser a artéria condutora da cidade (em seu sentido absoluto) para todos os bairros, todas as ruas, todas as casas, todos os cidadãos. Ou seja, o centro é o espaço mais democrático, que reúne vazio e plenitude, concomitantemente. Em Joinville a essência do centro se perdeu, por alguns motivos que nos cabe elencar.

Por mais que o centro de Joinville tenha mudado sua forma, sempre representou um papel importante na história da cidade, desde quando a sua atual área foi escolhida para os primeiros lotes dos imigrantes advindos da barca Colon. Seja ele um pouco mais voltado para o Rio Cachoeira (como aconteceu até 1910) ou em direção à antiga Estação Ferroviária (até meados de 1970), nunca presenciamos um esfacelamento da representação coletiva como a que o centro possui atualmente. A especulação imobiliária provocada pelo boom industrial das ultimas décadas, aliada à sonegação dos políticos locais, levou o centro ao atual estado de abandono, tristeza e sem alma.

O espraiamento urbano que abrigou os loteamentos de baixa qualidade da cidade após a rápida industrialização da cidade consiste no início do problema. Ao invés de criar uma periferia conectada com o que de melhor já existia (e criar novas situações a partir de tal perfil urbano), o processo determinou o que o brilhante geógrafo Milton Santos chamou de "exílio": pessoas vivendo em periferias isoladas da realidade dinâmica da cidade, desprovidas das melhores infraestruturas e longínquas do centro da cidade com a menor oferta possível do transporte coletivo. Os anos se passaram, os bairros se multiplicaram e cada vez menos as pessoas vão ao centro e convivem entre si nos seus espaços segregados, ou, quando acessam ao centro, utilizam seus piores espaços.

Sob outro prisma, os políticos locais, que não conseguiram controlar o crescimento da cidade para as áreas periféricas (por "n" motivos que frequentemente escrevemos aqui no blog), viram seus orçamentos irem ralo abaixo para criar e manter as infraestruturas das novas áreas, ou investir de forma muito consistente nas áreas da vetorização da especulação imobiliária  para moradias de alto padrão (as quais seguiram a mesma lógica e se distanciaram do centro da cidade). Ao invés de promoverem uma cidade compacta e densa, gestores locais criaram um monstro que detonou aquilo que era bom e conteve as potencialidades perante os desafios da urbanização acelerada de décadas atrás.

O resultado é o mais desastroso possível. A falta de cuidado e zelo pelas principais áreas da cidade torna o centro um palco das vulnerabilidades sociais e espaços públicos deteriorados, seja pela falta de manutenção (como a Praça da Bandeira, a Praça Dario Salles, Praça Nereu Ramos) pelo desprezo (as flores sumiram das ruas centrais) ou pelo erro nas ações (como o fracassado projeto de revitalização da Rua das Palmeiras). E aí, no fim das contas, resta ao pobre usar estes espaços residuais, os quais são marcados pelo baixo nível de serviço e interatividade social e, aos mais ricos, os espaços gourmets, chiques, cool e autosegregados.

Cada um usa o espaço urbano da forma que lhe é possível. O nosso centro, de democrático e acessível para todos, se tornou um espaço que repele o melhor de uma cidade, ao mandar para as periferias as propriedades intrínsecas da desigualdade e concentrar para perto de si aqueles que podem pagar por um uso diferenciado do que lhe é comum. Precisamos salvar o centro e torná-lo um espaço igual para todos. O bonde está passando e não podemos perdê-lo e nem esperar o próximo, pois este tem como destino final a gentrificação.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A nova ponte do Imperador

POR JORDI CASTAN


O imperador convocou a todos os ministros para uma reunião importante, na primeira hora da manhã. A maioria já tinha se acostumado a estas reuniões matutinas e sabia que tinham que chegar cedo. A rotina era sempre a mesma. O Imperador falava durante horas a fio, todos os presentes assentiam em silêncio - ninguém ousaria discordar - e depois cada um voltaria aos seus afazeres. E nada mudaria.

Desta vez, porém, havia algo estranho no ar. Era perceptível que o olhar do imperador tinha algo diferente. Parecia cansado, abatido, desiludido. Os ministros, acompanhados do astrólogo imperial e do arquiteto mestre das obras imperiais, entreolhavam-se, intrigados.

O imperador abriu a reunião informando que a grande ponte, que seria a maior obra do seu reinado, não seria construída. Um silêncio impressionante caiu como uma pesada laje sobre todos e ocupou todo o ambiente, preenchendo cada um dos espaços disponíveis. Sem que ninguém se atrevesse a fazer qualquer comentário, o silencio se fez mais pesado. Os olhares se voltaram para o astrólogo imperial e para o arquiteto mestre, que se entreolhavam atônitos. Finalmente, o astrólogo, armado de valor e chamando para si a representação do grupo, perguntou: “com certeza essa foi uma decisão sábia e longamente amadurecida, mas esta ponte é a maior obra do seu mandato. Se não for construída, qual será o legado para as futuras gerações?” Todos assentiram em silêncio, balançando as cabeças. 

O imperador, pouco acostumado a ser questionado, respirou fundo e respondeu: “Nenhuma das grandes obras que os técnicos projetaram para engrandecer o império avançam, os gastos só aumentam, algumas obras já dobraram de preço, em relação ao orçamento original. A duplicação da imperial estrada que une o litoral ao planalto e permitirá que uma maior agilidade a o transporte de cargas, não avança. A cada dia recebo novas excusas para justificar tanto os atrasos nos prazos, como os aumentos de custos. A situação da autopista que unirá a capital do reino dos manguezais com o aeroporto internacional, não esta em melhor situação.”

Parou, respirou profundamente e lançou uma mirada fulminante para o arquiteto mestre das obras imperiais. O astrólogo voltou à carga. Sabia todos os interesses que envolviam a ponte. Alguns ministros tinham preferências bem definidas na escolha da empresa que faria o projeto. Outros tinham laços próximos com a empresa que forneceria o aço. Várias empresas tinham mostrado extrema generosidade nos tradicionais presentes natalinos. Não fazer a ponte seria um desastre político. “Senhor, esta é uma obra para a posteridade. O reino não vê uma obra de tal envergadura desde que seu tataravó, o imperador Luiz, construiu a ponte que liga o leste ao oeste do reino. Uma obra ousada para a época que exigiu o melhor conhecimento técnico disponível e que ainda hoje é uma referência da moderna engenharia local.”


O imperador não se deixava convencer facilmente. E uma vez que tinha tomado uma decisão, era muito arriscado insistir ou tentar convencê-lo do contrário. O seu olhar mudou. Dos seus olhos até poucos minutos antes, fatigados surgiu uma faísca. Utilizando o tom ríspido que os ministros tão bem conheciam e tanto temiam, respondeu: “Não acredito que se a obra fosse licitada, ela pudesse ser concluída no prazo, e não quero passar mais vexame. Não quero perder ainda mais o respeito que o povo ainda tem. A imagem do imperador não pode ser ameaçada pela incompetência dos meus ministros. Poderia demitir todos vocês de uma canetada, mais isso não vai fazer que as obras públicas avançassem mais rápido. Assim que demitirei só o astrólogo imperial, que até agora tem errado mais que acertado nas suas previsões. E também vou demitir o Arquiteto Mestre das obras imperiais, porque não há um único projeto que não contenha erros graves, erros que fazem que as obras custem mais, levem mais tempo e o governo tenha se convertido em motivo de chacota de todo o império. Algumas inaugurações têm sido postergadas mais de três vezes. A gráfica imperial por várias vezes teve que jogar fora convites impressos porque a data não tinha sido cumprida. O protocolo do palácio já teve que desfazer convites feitos a importantes figuras do reino e dos reinos vizinhos, porque as obras não estavam prontas.” 

O silêncio neste ponto era ensurdecedor. O imperador respirou fundo e anunciou que neste momento criava o cargo de Adivinhador Imperial e de Enjambrador das Obras e dos Cronogramas Imperiais e que acreditava que, com uma melhor definição dos cargos e das responsabilidades que cada cargo levava, seria mais fácil que as obras públicas avançassem e pudessem ser concluídas no prazo. Mas que a obra da nova ponte estava definitivamente cancelada.



sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O Restelo em Joinville

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O leitor familiarizado com a obra de Luís de Camões deve lembrar do velho do Restelo, que aparece no Canto IV de “Os Lusíadas”. A figura do venerando senhor entrou para a história como símbolo de velhice, conservadorismo e reacionarismo. E um pouco de rabugice. Quer dizer, enquanto os outros se lançam aos mares para descobrir novos mundos, ele limita-se a ficar imobilizado e a zurzir amuos.

A expressão “velhos do Restelo” traz uma referência geográfica. A praia do Restelo, na antiga aldeia com o mesmo nome, ficava perto do Mosteiro dos Jerónimos e do local onde hoje funciona a fábrica dos famosos pastéis de Belém, em Lisboa. Muitos navios partiram daí para as descobertas. É uma referência geográfica que acabou por se tornar uma referência da língua portuguesa. O que nos permite dizer que Joinville também tem os seus velhos do Restelo.

Quem são eles? Ora, são pessoas cujas vidas estão limitadas a norte por Garuva e a sul por Barra Velha, porque não têm talento para viver fora dessas fronteiras. O que fazem? Ficam raízes em Joinville, onde julgam ser poderosos (os coitados não sabem a diferença entre ser poderoso e ter poder) e passam a declamar a cartilha dos velhos do Restelo: qualquer pessoa que ouse ir além da mediocridade mundana que os aprisiona é logo anatemizada.

Se você mora em Joinville é fácil identificar os velhos do Restelo. Se antes eles tinham poucos meios de expressão, hoje estão espalhados como baratas. É só assistir televisão (aquela que é uma espécie de rádio com imagem), ver o próprio rádio (aquele que mantém a mesma cara de 20 anos atrás) ou ler aquelas coisas aparentadas com jornais, mas que de jornais nada têm. Ah... e não vamos esquecer alguns dos comentaristas recorrentes aqui neste blog.

Aliás, ser velho nem é o drama maior desse pessoal. O pior é a consciência de passar toda a vida de joelhos – a servir os seus chefetes – e saber que não há futuro. Até porque o público dessa gente tende a desaparecer – literalmente pela idade ou porque a evolução das espécies determina uma evolução mental. Um retrato desse público? É gente que passa os dias vestindo pijama, calça pantufas e tem no zapping do controle remoto os momentos mais emocionantes do dia.

Esses pobres infelizes vivem um dilema filosófico, ligado ao tempo e ao espaço. O tempo não avança e eles mantêm ideias de um passado longíquo. O espaço, a provinciana Joinville, serve como prisão de onde nem imaginar fugir.


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Pode esperar...


Precisamos de uma verdadeira família?

POR CLÓVIS GRUNER

Durante séculos a noção de família, tal como a conhecemos hoje, inexistiu. No medievo, por exemplo, o indivíduo vivia “enquadrado em solidariedades coletivas, feudais e comunitárias”, segundo o historiador francês Philippe Ariès. Um mundo que não era nem inteiramente privado e familiar, mas também não completamente público, pois ambos se confundem no cenário que antecede e que prepara a época moderna. O quadro não é muito diferente nos séculos subsequentes. As mudanças mais significativas acontecerão apenas a partir dos séculos XVII e, principalmente, do XVIII. O “século das Luzes” vê consolidar-se uma família que vai, cada vez mais, concentrar boa parte das manifestações da vida privada, independente, inclusive, das classes sociais. Num primeiro momento, ela substitui a comunidade, mas a tendência é que se transforme, notadamente a partir do XIX, em um lugar de refúgio, de afetividade e atenção - e não mais apenas uma unidade econômica, responsável pela sobrevivência material e física do indivíduo, como nos séculos anteriores. E é esta, grosso modo, a família que alcança os séculos XX e o atual, a que chamamos na falta de melhor definição, de “nuclear”.

Esta breve introdução tem um propósito quase didático: a família coeva não existe desde sempre, mas é uma criação relativamente recente na história ocidental. Se este arranjo que nos é familiar (com o perdão do trocadilho) não é natural, mas historicamente construído e constituído, é apenas por ignorância ou má fé – ou ignorância e má fé – que a bancada evangélica no Congresso Nacional pretende aprovar o PL 6583/13, que cria o Estatuto da Família. No corpo do projeto, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), ela é entendida como o “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Ou seja, o Estatuto nega a qualquer arranjo afetivo e comunitário que não o exclusivamente heterossexual, a condição de família, com todos os prejuízos no que tange à garantia de igualdade civil – dever do Estado – que isso acarreta.

O caráter excludente e retrógrado da proposta ganhou novas e ainda mais preocupantes dimensões com o parecer do deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF): além de favorável à redação do texto, Fonseca – que é pastor evangélico da Assembleia de Deus – sugere a inclusão de um artigo que proíbe a adoção de crianças por casais homoparentais. A alegação abjeta é de que tal inclusão “busca dar luz ao tenebroso momento em que vivemos de definição do conceito de família”. É impossível reproduzir todo o documento, um calhamaço de 35 páginas, raso do ponto de vista argumentativo, equivocado ao recorrer à história, infeliz ao naturalizar a família e ridículo em sua pretensão de estabelecer uma distinção simbólica e jurídica entre “família” e o que o relator define por “relações de mero afeto”. A distinção, que sustenta e legitima o tratamento desigual entre casais hetero e homossexuais, se baseia na reprodução biológica: com base nesse critério, o deputado Fonseca pretende que o Estatuto garanta às “famílias” a proteção do Estado, mas não estende esse mesmo direito às “relações de mero afeto”. Entre esses direitos, está o da adoção filial.  

CRIANÇAS? DANEM-SE AS CRIANÇAS – A intenção expressa no parecer revela, uma vez mais, o que já deveria ser do conhecimento comum: para os conservadores religiosos, muito bem representados nesta e na próxima legislatura, não é o bem estar da criança o que está em jogo. O discurso é claro e o texto não deixa margem de dúvidas: eles preferem que crianças vivam precariamente em orfanatos a serem bem cuidadas e amadas por famílias homoparentais. Estudos mostram, para quem tiver o interesse e a clareza de acompanhar seus resultados, que não há prejuízo algum no desenvolvimento emocional de uma criança que tenha sido criada por um casal gay. Por outro lado, não são poucos os casos de filhos e filhas de pais heteros afetados emocional e fisicamente por viverem em um lar que lhes priva de tudo, menos da violência. Mas nada, absolutamente nada disso, interessa à bancada religiosa, disposta a levar sua cruzada contra gays até as últimas consequências, mesmo que ao custo do bem estar e da felicidade de muitos, órfãos inclusive. A ação coordenada dos dois deputados, neste sentido, é apenas mais um tijolo no imenso edifício de ignorância, intolerância e ódio que se está a construir no Brasil em nome de deus e dos valores cristãos. 

No começo do século XX a Alemanha era uma das poucas sociedades ocidentais a manter, em relação aos homossexuais, uma postura de franca e aberta tolerância. Um bom exemplo disso era a obsolescência do parágrafo 174 do seu Código Penal, que criminalizava a homossexualidade, na mesma época em que a Inglaterra condenava à prisão com trabalhos forçados Oscar Wilde, culpado do crime de “sodomia”. A atitude alemã, liberal, sobreviveria até os anos de 1930, quando o nazismo ascende à condição de regime de governo, fruto de um avanço conservador que foi, entre outras coisas, reação a uma sociedade considerada por alguns como “degenerada”. O resultado foi uma perseguição desenfreada aos homossexuais, condenados muitos deles a amargar anos de sofrimento, humilhação e morte nos campos de concentração, onde eram identificados e à sua condição por um triângulo rosa costurado em seus uniformes.

No Brasil, e isto não é fenômeno recente, assistimos a escalada de uma política sombria, que atenta contra os direitos mais elementares, pregando o retrocesso onde deveríamos, justamente, fazer avançar nossa democracia. E ao torná-la mais frágil, arriscamos também nossa própria civilidade, nossa capacidade de convivermos com os muitos “outros” que habitam a ágora, transitam pelo espaço público, se reconhecem e interagem nele e com ele. Há quem goste de recorrer ao Irã e à sua teocracia com o intuito de chamar nossa atenção para os riscos de uma “orientalização do Ocidente”, que nos condenaria a um retrocesso civilizacional, ao ocaso de uma democracia conquistada e construída ao longo de séculos de combates. Mas não é necessário recorrer ao regime dos aiatolás e a iminência do fim da civilização ocidental: o pior risco é o que habita em nós e a barbárie, já deveríamos saber, faz tempo é um espectro que ronda o Ocidente.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O prefeito indeciso

POR FELIPE SILVEIRA

Eu não me incomodo com o fato de Udo Döhler investir na Arena (na verdade, me incomodo, mas entendo isso dentro de um contexto de administração municipal). O que me incomoda é o oportunismo do prefeito. Assim que o JEC subiu para a série A, ele disse que não iria investir dinheiro do município na reforma e ampliação.


Só que uma semana depois mudou de ideia e já anunciou o investimento.



O prefeito não dá ponto sem nó. Assim agrada a todos. Ganhou elogios pelo discurso anterior, agradando aqueles que cobram dinheiro para saúde e educação, e agora, com a obra, agrada aqueles que a desejam. Segundo o prefeito, a contrapartida municipal é necessária. Ele não sabia disso antes?

Sobre as contradições do prefeito, eu ainda não consigo deixar de lembrar de Udo Döhler na reta final da campanha, pisando no barro, com um discurso completamente voltado à periferia. É claro, eram os votos que ele não tinha. Vocês lembram?

Hoje Udo presta contas na Acij... 


Ferguson

Talvez tenha muita gente aqui na província que não sabe, mas em Ferguson, uma cidade do estado americano Missouri, a questão racial/policial está pegando fogo. A cotidiana repressão policial à comunidade negra desencadeou uma revolta popular após o assassinato do adolescente Mike Brown.

Ontem, 25 de novembro, o policial que efetuou o disparo – e cometeu o assassinato –, Darren Wilson, se livrou da acusação, o que fez os protestos voltarem com toda a força nas ruas de Ferguson e em várias cidades dos EUA. Milhares de pessoas se reuniram em Nova Iorque para protestar, por exemplo.

Dias antes, em Cleveland, um policial matou um menino de 12 anos que brincava com uma arma de brinquedo em um parque. O autor da denúncia afirmou que não sabia se a arma era de verdade, mas sugeriu que a polícia fosse conferir. A polícia chegou atirando. A vítima, Tamir Rice, era negro.

Enquanto isso, no Brasil, o Estado segue a matar jovens negros e pobres nas periferias, sem medo de punição. E em Joinville também.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

A Arena precisa mesmo ser ampliada?

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A fantástica campanha do JEC na série B do Campeonato Brasileiro de 2014 - conquistou o acesso e briga atualmente pelo título - gerou uma comoção da classe política local em torno da necessidade de ampliação da Arena Joinville, que hoje abriga pouco mais de 22 mil lugares (mas a Polícia Militar só libera 18 mil). Nosso objetivo consiste em analisar o fato distante da paixão clubística e mostrar se realmente precisamos de tal obra.

Antes de continuarmos, precisamos lembrar que a Arena Joinville consistia em um projeto para mais de 30 mil pessoas quando foi anunciado pelo ex-prefeito Marco Tebaldi (PSDB). Visando inaugurar a obra antes das eleições para Prefeito de 2004, a obra foi dividida em "etapas" e o estádio foi inaugurado às pressas faltando duas semanas para o primeiro turno das eleições daquele ano. Após promessas de estarem entregando um "estádio digno de Copa do Mundo", a realidade é bem diferente: infiltrações, problemas estruturais, adaptações bizarras para ampliação do primeiro anel (a torre de iluminação passa pelo meio da estrutura) e sérios problemas para ampliação conforme o projeto original devido à má execução das obras originais. Ou seja, estava evidente que era um projeto eleitoral.

Com o JEC em baixa (foi rebaixado para a Série C no ano que a Arena foi inaugurada) e as seguidas decepções nos anos 2000, a discussão em torno da ampliação do estádio foi esquecida. Com o título da Série C em 2011, e o acesso para a série A conquistado neste ano, o assunto voltou com força total.

A rápida busca por alguns números mostram uma realidade bem diferente. Vejamos.

Em 2005, primeira partida importante disputada pós-rebaixamento, o JEC levou para o mata-mata contra o Novo Hamburgo (RS) mais de 14 mil pessoas. Na final do Estadual de 2006 pouco mais de 13 mil pessoas para o jogo contra o Figueirense. Na final da Série C de 2011, o recorde: pouco mais de 19 mil pessoas contra o CRB-AL e média de mais de 11 mil pessoas por jogo. Na final do Campeonato Catarinense deste ano, contra o Figueirense, pouco mais de 17 mil pessoas. Em termos gerais, a capacidade total do estádio só foi atingida em jogos importantes ou em finais.

Os campeonatos brasileiros da série B dos anos de 2012, 2013 e 2014 mostram a manutenção do público fiel na Arena, mas sem grandiosas taxas de ocupação do estádio. Em 2012, 9.397 torcedores de média. Em 2013, 8.334. O ano do acesso para a série A gerou uma média de 9.684 torcedores. Se considerarmos a capacidade de 18 mil estipulada pela Polícia Militar, temos uma taxa de ocupação da Arena em torno de 54% (ou 46% de ociosidade) em 2014. Mesmo com grandes sobras na Arena, o JEC é o lider na ocupação do estádio na série B 2014.

A grande ocupação da Arena Joinville só fica evidente quando o time alcança jogos decisivos. Em partidas de menor expressão, o estádio fica com grandes espaços ociosos. Mesmo com a Série A e jogos contra grandes clubes brasileiros, a tendência é a manutenção destas médias históricas do Joinville. O exemplo de outros clubes catarinenses como Chapecoense, Figueirense e Criciúma comprovam que a média de público das grandes campanhas de série B se mantêm na série A, onde as campanhas costumam não ser tão esplêndidas devido à enorme desigualdade entre os clubes do eixo RJ-SP-MG e os demais.

Com esta pequena contribuição, queremos alertar para a real necessidade do JEC. Talvez seja muito melhor a urgente reforma do estádio com a atual capacidade (mesmo que reduza com a colocação de cadeiras) do que uma enorme estrutura que o clube não terá condições de sustentar, pois as médias de público não atingem a lotação máxima. Sem contar que um estádio com 18 mil pessoas lotado faz muito mais pressão que um estádio com 18 mil pessoas dispersas. A cegueira causada pelos grandes jogos não pode influenciar as decisões dos gestores, do clube e da torcida, tornando o estádio, de novo, um outro projeto eleitoral.

PS: lamentamos profundamente os milhões de reais investidos para a construção de um estádio público que, após 10 anos de funcionamento, parece ter 20 anos e sérios problemas de infraestrutura. Lamentamos, também, o tratamento diferenciado da classe política local para as questões futebolísticas da cidade, visto que recentemente a gestão Udo perdeu milhões de reais em políticas culturais e não houve a mesma comoção para recuperá-los.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Os Bichero


A LOT e as Audiências Públicas

POR JORDI CASTAN (*)

Quando o poder público, no governo Carlito, quis aprovar a LOT a toque de caixa, para atender interesses especulativos concretos, um pequeno grupo de cidadãos representantes de associações de moradores se articulou para evitar que a LOT fosse aprovada pela Câmara de Vereadores, sem um amplo debate com a sociedade e sem cumprir todos os passos que a lei exige.

O poder público não reconheceu a sequência de erros que cometeu e, com a arrogância que o caracterizou, optou por atacar os cidadãos que, não tendo outra alternativa, buscaram, na Justiça, fazer valer os seus direitos. Tanto o prefeito anterior como o atual, como a maioria dos membros da sua equipe, continuaram utilizando a prática de tentar nos desqualificar e denegrir, tanto em privado como publicamente.

O resultado concreto é que o texto da LOT, que já estava pronto para ser votado e aprovado, sem debates, sem audiências públicas e sem a participação efetiva da sociedade, não foi votado e voltou para avaliação de um novo Conselho da Cidade. Curioso. Um texto que aos olhos do governo e da turma do tijolo estava perfeito e pronto para ser aprovado passou mais de um ano sendo novamente debatido no Conselho da Cidade. A pergunta é obvia; se estava perfeito, por que precisou ser novamente discutido, mudado e novas plantas e mapas foram acrescentadas ou áreas foram retiradas? 

É evidente que aquele texto estava longe do ideal e tinha mais erros que acertos. Tampouco o texto atual é o ideal. Apresenta avanços e retrocessos, entre os avanços a retirada das ARTs, entre os retrocessos o aumento das ruas que serão FaixasViárias, a criação de um setor industrial em volta de UFSC e a retirada das áreas verdes do texto da LOT. Muitos dos erros ou das omissões podem até ser involuntários, mas na maioria são intencionais e têm como objetivo atender interesses certos e precisos. Há muito para melhorar e, neste ponto, a participação da sociedade é determinante.

Durante o tempo em que o Conselho da Cidade analisou o novo texto, o grupo que se opôs à aprovação expedita de uma LOT incompleta e repleta de erros promoveu três consultas públicas, que reuniram mais de 350 pessoas, numa amostra de democratização do debate, de transparência, de organização e mobilização cidadã. Todas as Consultas Públicas foram gravadas, registradas e cópias dos resultados foram entregues ao MPSC. Também foram mostradas em algumas das audiências públicas realizadas, até agora, e serão também mostradas nas próximas. Perde credibilidade o discurso oficial que essa é a turma do CONTRA. Até porque esta é a turma do A FAVOR: a favor de uma cidade democrática, mais verde, sustentável, com foco no cidadão e com maior qualidade de vida.

Nas Consultas Públicas, mais de 90% dos presentes, em alguns casos mais de 95% , se manifestaram contra as Faixas Viárias, contra a ocupação das áreas de morro e a favor de uma maior participação da sociedade, de mais transparência e de informações precisas sobre o impacto da LOT em cada bairro e em cada rua, com estudos técnicos, mapas e todas as informações que permitam a sociedade opinar, contribuir e participar.

Hoje mais pessoas e mais associações se somam à causa e exigem um debate democrático e participativo. O poder público continua omisso. Segue sem escutar e só faz de conta que ouve a sociedade. Há semelhanças entre a gestão anterior e atual as duas mais constantes são:
A insistência do poder público em aprovar a qualquer custo uma LOT espúria e perniciosa para Joinville, cerceando o direito da sociedade de participar e contribuir e a incompetência do IPPUJ para conduzir um processo que é muito maior que sua capacidade e a dos técnicos envolvidos no processo. 

O tema está longe de concluir. Os prazos anunciados pelo IPPUJ para conclusão do processo estão novamente sendo descumpridos. Em parte por excesso de otimismo, em parte por insistência em não cumprir todos e cada um dos passos que a lei exige e que a Justiça recomendou, em parte pela teimosia arrogante de quem insiste em aprovar o texto da LOT sem apresentar os estudos técnicos necessários que embasem o documento e sem a participação efetiva da sociedade, que na maioria dos casos não conhece e não tem elementos para avaliar o impacto que a nova LOT terá no seu quotidiano, no do seu bairro e da sua cidade. É bom lembrar que o Judiciário, ao ser provocado, novamente deixou claro que se o IPPUJ não comprovar a divulgação dos memoriais e impactos em relação a 185 faixas viárias em 5 dias as audiências públicas não irão valer e os cidadãos que participaram das 4 audiências terão feito papel de palhaço diante de tamanha desorganização do IPPUJ,  cujo maior exemplo e o cancelamento da audiência na região centro por falta de espaço


(*) O autor do texto é membro do coletivo “Organização das Consultas Públicas”, Presidente da Associação de Moradores do Bairro América e defende uma cidade democrática e sustentável. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A visita da velha senhora

POR CLÓVIS GRUNER

Em novembro de 1831, logo após a renúncia do imperador Pedro I, o senado brasileiro votou e aprovou lei que proibia o tráfico negreiro no Brasil. Ela determinava principalmente duas coisas: que a partir daquela data todos os negros que entrassem no país, trazidos da África para serem vendidos como escravos seriam livres. Além disso, estabelecia ainda penas severas para quem participasse do contrabando. Seu efeito foi tão ridiculamente inócuo, que em setembro de 1850 foi promulgada a Lei Eusébio de Queirós, que legislava sobre basicamente a mesma coisa.

No espaço de quase duas décadas entre ambas, o tráfico vicejou: há vários estudos a mostrar que o número de negros ingressos ilegalmente no Brasil nos anos posteriores à primeira legislação, aumentou sensivelmente – estima-se que algo em torno de 700 mil. Não é demais dizer o óbvio: os agentes do mercado negreiro só continuaram a operar impunemente durante anos, porque contavam com a frouxidão da lei, ou seja, com a conivência do Estado, que deliberadamente tolerou práticas que o próprio Estado apontava como ilegais e, portanto, criminosas. Não se sabe exatamente qual a extensão, mas é certo que os lucros foram amplos e gerais, embora certamente não irrestritos.

Recorro a este episódio para dizer o que também deveria ser óbvio, mas não é: diferente do que se lê naqueles depoimentos eivados de uma indignação muitíssimo seletiva, a corrupção é um mal que atravessa nossa história. E não apenas a mais recente: não faltam estudos a mostrar que o trato suspeito com a coisa pública remonta ao período colonial. Por caminhos interpretativos distintos, dois de nossos maiores historiadores, Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, ofereceram sobre o tema conclusões bastante próximas. A corrupção, afirmaram, é uma das heranças de nossa colonização ibérica, fruto de uma relação patrimonialista entre Estado e sociedade ou, nos termos de Sérgio Buarque, de nossa incapacidade de separarmos as esferas e os interesses públicos e privados, tendendo a tratar os primeiros como extensão dos segundos.

UMA HERANÇA COM MUITOS HERDEIROS – Histórica, a corrupção contaminou Império e República, desde a Primeira, e não poupou os 20 anos de ditadura, apesar da pataquada sobre o tal fusquinha que um dos marechais mandou o irmão devolver. Para os corruptos, aliás, aqueles foram anos de bonança: com os meios de comunicação silenciados pela conivência ou censura, pode-se prender, torturar, matar e fazer desaparecer sem contestação. E superfaturar ou desviar verbas milionárias em obras como a ponte Rio–Niterói, que custou 11 vezes o orçamento original, e a Rodovia Transamazônica, construídas pelos empreiteiros e empreiteiras que frequentam agora as páginas policiais. Em uma das edições de 1981, a revista “Times” informava que empresas europeias deram, às autoridades brasileiras, 140 milhões de dólares em propinas e suborno para garantirem sua participação nas obras da usina de Itaipu. A confortar corruptos de todas as espécies e em todas as épocas, a certeza da impunidade.

No dia seguinte ao segundo turno, meu colega de blog, Jordi Castan, publicou um texto fazendo um balanço, entre analítico e apaixonado, da reeleição de Dilma. Sem esconder sua decepção, ele dizia em uma passagem: “Os próximos capítulos desta história estão ainda por ser escritos. Fala-se de impeachment, e já houve no Brasil presidente “impichado” por muito menos”. E concluía: “Mas aqueles eram outros tempos. Hoje o nível de tolerância – ou deveríamos dizer de conivência do eleitor com a corrupção, a roubalheira e a falta de ética – é muito menos estrito.”

Ele estava a ser irônico, suponho. O ex-presidente e hoje senador Fernando Collor não foi “impichado” por ser corrupto (e ele era), mas porque já havia exercido o papel que lhe cabia naquele contexto, impedir a eleição de Lula, e por isso podia ser dispensado. Os milhares que pediram o impeachment, eu entre eles, deram um lastro de legitimidade social a uma movimentação política cujo roteiro seria o mesmo sem ou apesar das ruas, mas que certamente foi bem melhor ter sido escrito com elas. O mais importante, no entanto: se o nível de conivência ou tolerância com a corrupção hoje é outro, e eu acredito que sim, não é porque somos mais, mas certamente porque somos menos tolerantes e coniventes com ela.

CORRUPÇÃO E DEMOCRACIA – Neste sentido, o “evento Petrobras” é emblemático. Primeiro porque, diferente do chamado Mensalão, não será possível tecer sobre ele uma narrativa monofônica já que as tentativas esbarram em evidências históricas que as contradizem: em 1989, o jornalista Ricardo Boechat ganhou um Prêmio Esso por denunciar os esquemas de corrupção na empresa. Em 1997, Paulo Francis fez o mesmo no Manhattan Connection. Nada foi investigado por nenhum dos governos da época. Responsáveis pela Operação Lava Jato afirmam que o esquema só agora desbaratado funcionava há pelo menos 15 anos; e as informações criminosamente vazadas para servir a interesses eleitorais durante a campanha, começam a respingar fora do governo: entre outras coisas, à medida que as investigações avançam, surgem dados comprometedores sobre as relações algo promíscuas entre empreiteiras e políticos da oposição.

Tudo isso é lamentável? Certamente sim. Por outro lado, também é parte e resultado de nosso amadurecimento democrático, e é fundamental não perdermos isso de vista. Não, não estamos mais tolerantes com a corrupção; nem tampouco vivemos hoje um estado de coisas inédito nem pior do que há anos ou mesmo décadas atrás. Pode parecer contraditório, mas a crise que atravessamos talvez nos traga, ao final, benefícios: é possível – mas não é certo – que saíamos dela melhores, mais críticos e exigentes, menos e não mais coniventes com a corrupção. É possível – mas não é certo – que ao final da crise sejamos uma sociedade mais madura e mais democrática.

Mas a condição para que isso ocorra é, justamente, reconhecer a importância da trajetória construída ao longo das últimas três décadas, desde o fim da ditadura. Renunciar a este percurso é retroceder ao autoritarismo, este sim, conivente com a corrupção, disposto a premiar corruptos com a impunidade, quando não com vantajosas promoções hierárquicas. Mas a democracia é imperfeita e precária, retrucarão alguns. E não podia ser diferente: é da natureza das democracias que elas sejam precárias, porque esta é a condição para evitarmos sua estagnação e a fazermos avançar, para melhorá-la e aprofundá-la. Indignar-se com a corrupção e exigir um Estado e governos honestos, reivindicar uma política ética e que respeite a coisa pública: tudo isso é necessário e fundamental. Mas isso só se faz nos limites da democracia. E sempre para ampliá-los.