sábado, 6 de dezembro de 2014

Em busca da real beleza

POR GABRIELA QUEIROZ*

O cabelo das pessoas negras sempre foi considerado um problema. Em qualquer parte do mundo, nós nunca tivemos o direito de assumir nossos cabelos sem enfrentar resistência.

Manter o crespo à vista da sociedade é um ultraje! Mas a solução do problema é simples: para os homens, a máquina. Já para as mulheres, inventaram vários remédios para esconder o pixaim, desde perucas, que se tornaram parte da cultura das mulheres negras norte americanas; os turbantes, especificamente desenvolvidos para não deixar os crespos à mostra; os famosos pentes quentes, verdadeiros instrumentos de tortura medieval que deveriam ser levados ao fogo (!) a fim de atingir temperatura alta o suficiente para queimar os fios crespos, fazendo com que assim, perdessem seu volume; passando pelos compostos químicos para fins de alisamentos, relaxamentos e permanentes com as mais variadas bases, como hidróxido de sódio, tioglicolato de amônia, guanidina e conservador de cadáveres, digo, formol; secadores e chapinhas com íons negativos (os antigos pentes quentes).

Tudo com um fim muito específico: fazer com os negros se sentissem bonitos, bem aceitos e pensassem que faziam parte da cultura branca.


Venderam-nos, porém, uma grande mentira. Todos esses artifícios serviram apenas para destruir a nossa identidade e autoestima.

Essa padronização fez de mim mais uma vítima. Eu não tinha mais forças para lutar por algo que nunca seria de fato meu. Perder longas nove horas numa cadeira de salão a cada três meses para retocar a progressiva e fazer a manutenção daquele alongamento longo e liso definitivamente não fazia parte daquilo que me deixava feliz. Eu estava mentindo para mim mesma e para os outros, que quase acreditaram que “meu” cabelo liso era um milagre da genética.

Após muitas frustrações com relação a tentar me resolver com meu cabelo, finalmente aceitei o que era inegável – o meu cabelo era mesmo crespo e eu não iria ter cachos como aqueles que aparecem em comerciais de shampoo. Mas não me importei. Empoderei-me e, ao pôr os pés para fora de casa pela primeira vez com aquela aparência, tive de enfrentar o preconceito mais doloroso: da minha própria mãe que, tristemente, perpetuou o único ciclo que conhecia, o da não aceitação.

E foi aí que eu mudei. De fora para dentro, porque essa estética me trouxe pontos de vista que eu nunca enxergara; me fez perceber que eu não me aceitava enquanto mulher negra porque, além de ter me escondido orgulhosamente atrás dos alisamentos e dos finos traços do meu rosto, eu rejeitei relacionamentos com homens negros porque eu não queria que minhas filhas sofressem o que eu sofri.

Ter a compreensão destas questões ampliou meus pensamentos e me incomodou a tal ponto de mover a direção da minha vida.

Então aquele antigo sonho de deixar a área do direito e abrir um salão de beleza tornou-se realidade. Passar adiante a mensagem da aceitação e valorização da etnia negra em todos os seus aspectos me fez ir em busca de novos caminhos profissionais e me abriu as portas para a vida de tantas mulheres, antes oprimidas e insatisfeitas, assim como eu era.

O Real Beleza foi pensado para acolher e empoderar a mulher que decidiu romper com as barreiras do típico comportamento social, aquele politicamente correto, que esfrega na cara o padrão estético tirano e inalcançável. Propositalmente, fiz a escolha da não utilização de processos químicos de transformação da estrutura capilar, para que a saúde física e emocional das minhas clientes seja preservada.

Atualmente, em parceria com o ateliê Miss Meyres, coordeno o grupo de apoio Amigas Cacheadas Joinville e promovo encontros semestrais intitulados I Love My Hair, onde a estética negra é abordada e discutida por mulheres que resolveram aceitar sua identidade.

Junte-se a mim nessa descoberta!

* Gabriela Queiroz, 27 anos, sobrevivente.

5 comentários:

  1. Entendo que o que lhe atingia era baixa aulto estima e uma certa "vergonha" de si mesma, a partir do momento em que vc. passou a se aceitar como vc. era, largou seu auto preconceito e foi ser feliz. Não é preciso culpar os outros para ser assim, a solução estava dentro de vc.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O opressor é sempre assim: não perde a mania de culpar a vítima.

      Excluir
  2. Pois é, se vc "promovo encontros semestrais intitulados I Love My Hair, onde a estética negra é abordada e discutida por mulheres que resolveram aceitar sua identidade." então, desculpe, a culpa não é dos outros, é auto preconceito madame.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns Gabi pela sua história e pelo trabalho que você desenvolve! Sou também uma sobrevivente deste cenário de opressão. E graças a Deus estamos vivendo tempos melhores.

    ResponderExcluir

O comentário não representa a opinião do blog; a responsabilidade é do autor da mensagem