quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A importância da voz

POR FELIPE CARDOSO

No Brasil do século XX, passado o período da escravidão, os negros aos poucos foram silenciados. Das senzalas foram para as favelas. Do trabalho escravo foram para o trabalho mal remunerado e com poucos benefícios. A opressão, a violência e as falsas promessas dos governantes confundiram e anestesiaram ainda mais aqueles que um dia lideraram revoluções pela liberdade por todo o Brasil. 

Na mídia eram poucos os que se destacavam. Na moda nem se fala. Cargos de chefia? Carro do ano? Férias no exterior? Tudo ilusão. Só conseguiram espaço na música e nos esportes. Passaram a desmerecer a luta do movimento negro. Alguns negros chegaram até a defender o opressor. Contentavam-se com migalhas, com sub-empregos, com presídios. Riam das piadas sobre a cor, sobre a raça e a etnia. Não podiam falar. Não queriam falar. Não tinham respaldo para falar. 

Início do século XXI, assume um governo que diz ser para trabalhadores. Dão início as políticas de ações afirmativas, surgem leis para tentar corrigir os erros da escravidão. Cotas raciais e sociais. Os jovens moradores da favela descem os morros, saem da periferia para estudar em universidades. Mais programas de incentivo a propagação da cultura afro começam a surgir. Feriados no mês de novembro começam a ser sancionados em algumas cidades. Negros e negras começam a conhecer a sua história. Começam a se identificar com a sua cultura. Começam a ver beleza nos seus traços fisiológicos. Não querem mais alisar seus cabelos, não querem mais usar arco, querem usar lenços em seus cabelos cacheados. Os movimentos negros de todo o país começam a crescer, a movimentar mais pessoas, de todas as cores.

Recuperamos a nossa voz. 

Falamos, escrevemos, gritamos, protestamos. Nós podemos falar o que sentimos. Vivemos a nossa verdadeira liberdade? Não, ainda estamos longe disso. Mas já demos um grande passo: começamos a entender e valorizar o poder que tem a AUTONOMIA DO PENSAMENTO. Não precisamos de ninguém para falar por nós. Nós mesmos podemos pensar e falar o que estamos sentindo e vivenciando. Nós podemos filmar e jogar na internet os abusos de autoridade, os casos de racismo e xenofobia. Podemos escrever em blogs e jornais. Organizar ações, passeatas e cobrar melhorias do governo. Escolher nossos verdadeiros representantes. Sim, nós podemos.

Não defendo e nem levanto bandeira para o PT, mas é inegável a importância do partido para que tudo isso acontecesse. Essa retomada da autoestima da população negra tem grande participação desse partido. Mas ainda somos minoria na política, ainda somos minoria na mídia, nos cargos de chefia… Ainda somos perseguidos por seguranças nos shoppings. Ainda somos assassinados pela polícia. Mas agora nós podemos falar, nós podemos mostrar, reivindicar. 

Os casos explícitos de racismo nada mais são do que o reflexo de todas essas conquistas. A sociedade brasileira ainda tem na sua raiz o pensamento escravista que precisa ser desconstruído. A imagem do negro como bandido, serviçal, objeto sexual e tantos outros estereótipos pejorativos precisam ser destruídos. Muitas pessoas se incomodaram com essas conquistas, é evidente. O desconforto é por causa da corrente que, mais uma vez, foi quebrada. Nós queremos e merecemos mais. Não queremos migalhas, nem olhar piedoso do lobo em pele de cordeiro, que nos oprime diariamente e nos contenta com doações.

Devemos lutar por justiça para, assim, alcançarmos a igualdade. Não podemos retroceder, temos que avançar cada vez mais. Deixar claro a importância da nossa luta para o crescimento justo e igualitário do Brasil. 

Questionar, estudar, interpretar, argumentar, reivindicar e criar. A autonomia do pensamento vem dessas ações. Todos nós somos capazes de realizá-los, devemos reconhecer e combater o nosso verdadeiro inimigo e lutar para que a cada dia o poder político, econômico, cultural e social seja popular. A democracia tem que ser plena.

Avante. A nossa voz garantirá a liberdade.

5 comentários:

  1. Exatamente o que aconteceu, o que acontece.....e que estamos nos preparando para o que acontecerá!! Parabéns pela matéria.

    Alex Braz

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  2. Penso que o desejo dos negros é viver numa sociedade mais igualitária, num lugar onde eles não se sintam excluídos por alguém que os acha diferentes, especiais ou pior, incapazes. Afinal, nascemos todos com a mesma massa encefálica, o mesmo número de neurônios.

    Parabenizo os negros que se opõem as cotas raciais (http://www.brasil.gov.br/governo/2014/06/dilma-sanciona-projeto-sobre-cotas-raciais-no-servico-publico - sim cotas raciais, antes que venha algum hipócrita aqui dizer que são “cotas sociais”), não pelas cotas simplesmente, mais porque não vislumbram melhorias para todos na educação de base, inserindo-os num ciclo de dependência.

    Os negros querem fazer parte do todo, de um sistema. Um sistema que lhes dê oportunidade para que possam, mesmo com as adversidades econômicas (que não atingem apenas os negros), trilhar o mesmo caminho sem a intervenção do Estado, sem uma instituição para diferenciá-los ou dizer o que eles têm ou não que fazer para atingir tal objetivo.

    As vozes dos negros nunca foram caladas nos últimos 126 anos, quando o país deixou de ser escravocrata. Passou mais de um século e esse apego ao período tenebroso da história do Brasil, além de jogar sal na ferida, só mantém a falsa sensação de que todos os problemas existentes na comunidade negra são de responsabilidade do Estado ou dos brancos, minando a autocrítica e eximindo o cidadão negro de qualquer culpa. Quer vencer na vida? Só tem um caminho que passa pelo estudo e pelo trabalho. Nada cai do céu (se cair, desconfie!), e se tem alguns milhares de brancos que nasceram “em berço de ouro”, eles não representam a dantesca maioria formada por outros brancos, amarelos, ocres ou magentas que tem de acordar cedo e pegar no pesado para manter um mínimo de qualidade de vida. Estamos todos no mesmo barco, ninguém é melhor que ninguém.

    O PT não moveu uma palha para essa suposta “revolução de aceitação entre negros”, a internet, sim! O PT acirrou ainda mais as diferenças, e não só entre as etnias, mas também entre regionalidades e classes sociais.


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    1. Discordo. A questão é somente uma: oportunidade. Não adianta nada você estudar e não ter oportunidade de mostrar o que aprendeu. Por que não temos jornalistas negras apresentando jornais, ou apresentadores de programas de auditório negros? Conheço muitos negros que estudaram e tem grande capacidade e potencial para apresentar programas, então me diga o motivo de não estarem trabalhando nesses locais. A mesma coisa na moda, nos cargos de chefia. Quantos técnicos negros a seleção brasileira já teve? Quantos presidentes negros? Empresários? Acha mesmo que a oportunidade não conta? Só a meritocracia que vale? Tem que rever alguns dos seus conceitos e ler mais sobre as consequências de 400 anos de escravidão.

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    2. Mas porque você quer uma jornalista negra apresentado jornal televisivo, ou um “Ratinho” negro apresentando um programa de auditório, ou técnico de futebol? Empresários, juízes e intelectuais não contam? Tem muitos negros em cargos de chefia, os que estudaram estão lá. Sou do tempo que, para entrar num vestibular, prestar serviço público e ser entrevistado numa agência de empregos não perguntavam a cor da minha pele. Hoje todos os concursos públicos têm um campo sobre a sua cor para ser assinalado. Pra mim isso é um absurdo, estão diferenciando as pessoas. Claro que 400 anos de escravidão contam, mas nos últimos 50 anos o mundo evoluiu mais do que um milênio! Bola pra frente, a meritocracia, embora imperfeita, ainda é a melhor forma de transpor as barreiras do preconceito. Ao invés da teoria, converse com um empresário negro, um negro bem sucedido... escute o que ele tem a te dizer.

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    3. Eu não falei nada de "Ratinho" negro. Falei de representatividade em todos os setores da nossa sociedade. "Os que estudaram estão lá" e estão lá porque são os poucos que tiveram a OPORTUNIDADE de estudar. Você é do tempo em que as desigualdades eram gritantes e eram poucos o que faziam alguma coisa para mudar. Você acha mesmo que em 50 anos conseguimos ajustar o atraso de 400? Cara, você vive no fantástico mundo de bob? kkkkkkkkkk Pois bem, além da teoria da qual não abro mão, converso sim com advogados, professores, ex-marinheiros e tantos outros negros que você deve considerar "bem sucedido" e todos eles tem uma opinião muito parecida: quando se tem dinheiro o negro é tolerado, mas nunca respeitado. E por mais que estejam nesses cargos, dificilmente conseguem lugar de destaque e, quando conseguem, tem que enfrentar muita resistência. Já cansei de ouvir depoimentos de caso e mais casos de discriminação racial de amigos e familiares, então não me venha com esse papo de ouvir um "negro bem sucedido" achando que eu vou levar em consideração o depoimentos daqueles como Pelé, Morgan Freeman e Ronaldo que obtiveram visibilidade e atrasaram a luta da nossa raça. Já escutei história do mais rico ao mais pobre e fica evidente a presença do racismo ainda hoje. Então não venha com esse discursinho fraco tentando me dizer o que fazer com a minha cor. Sou mais Marighella, Mandela, Luther King, Angela Davis, Malcolm X e tantos outros que lutaram pelo fim do racismo... Valeu aí, mas prefiro essas companhias. Abraço.

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