quarta-feira, 8 de abril de 2015

A condição feminina

Angelus Novus, de Paul Klee
POR VALDETE DAUFEMBACK NIEHUES

Desde as manifestações do dia 15 de março, solitariamente tenho pensado sobre a trajetória da condição feminina, a qual envolve uma constante luta pelo rompimento de uma herança patriarcal, cuja transposição de valores seculares em busca da autonomia, revelou ter sido muito custosa e que deixou para sempre um relógio.

Os episódios de ódio manifestados nas ruas por tantas mulheres contra a pessoa da presidente Dilma balançaram minhas tão caras convicções sobre a conquista da autonomia feminina, expulsando-me da zona de conforto adquirida a partir da leitura de décadas de estudos publicados por pesquisadores. 

Não estou me referindo à liberdade de se expressar ou participar de manifestações, uma iniciativa que considero legítima. Refiro-me à maneira de como se expressaram, de como se reportaram a uma mulher, independente do cargo que ocupa, que só por isso já deveria haver respeito, uma vez que a presidente representa o Estado.  

A linguagem, os gestos, a brutalidade com que palavrões de baixo calão tão facilmente foram proferidos, deixaram-me perplexa porque era surreal cada cena, cada agressão verbal, revelando falta de ética na comunicação, sem contar com a falta de noção sobre política e história. Mas sobre isso prefiro nem comentar neste momento porque muitas delas talvez sejam vítimas de sua própria ignorância. E antes que alguém possa se irritar porque utilizei este conceito, sugiro uma visita em qualquer dicionário para entender que ignorante é aquele que ignora, que desconhece determinado assunto, portanto, não se trata de xingamento. 

Envergonhada fiquei ao assistir tanta sandice desrespeitosa. Lembrei da feição do Angelus Novus do quadro de Klee, citado por Benjamin, que tentava se equilibrar diante dos ventos da destruição percebida, da constante catástrofe que o deixavam horrorizado, enquanto que os vencedores entenderam ter conquistado o futuro e que precisavam apenas de reformas para garantir o seu domínio. 

Que a dominação masculina é um fato, sabemos. Que esta desigualdade de gênero foi construída historicamente, sabemos. Que as mulheres tiveram uma história de luta para vencer minimamente essa dominação e conquistar espaço no mundo do trabalho, da política, dos direitos, e que para isso muitas perderam a vida, também sabemos. Então, se foi uma luta constante para conquistar direitos e vencer a opressão masculina, se pela primeira vez uma mulher está no cargo máximo da representação política, como explicar que mulheres atacaram desrespeitosamente a pessoa de Dilma Roussef, presidente da República? 

Como afirmou Simone de Beauvoir, “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Nessa trajetória de construção de seu ser, ela aprendeu o valor da submissão, da rivalidade, da fantasia. A sociedade lhe reservou um espaço privado, o papel de fêmea e a dependência de um poder masculino que ela aprendeu a admirar e se sentir segura com sua presença. Sustenta ainda a autora, que essa educação permitiu que a mulher desenvolvesse uma relação de solidariedade mecânica, não orgânica onde há a compreensão de um universo de realidades, mas apenas uma parte na qual ela se esforça com afinco para cumprir a função a que está incumbida. “Não somente ela ignora o que seja uma verdadeira ação, capaz de mudar a face do mundo, mas ainda perde-se no meio desse mundo como no coração de uma imensa e confusa nebulosa” (O segundo sexo, p. 365). 

Beauvoir, ao escrever este livro, em meados do século 20, analisou a condição feminina no contexto dos valores burgueses. A condição de submissão fez da mulher uma prisioneira de sua própria vida. No entanto, já se passaram gerações, as conquistas são evidentes para além da vida privada, mas talvez o seu espírito ainda se encontre prisioneiro a uma tradição que concebe a figura masculina um sinônimo de segurança, de respeito e, assim, se explica essa atitude inconsciente de fazer xingamentos a uma mulher que não esteja neste círculo de submissão feminina. 

2 comentários:

  1. As pessoas não conseguem ou não querem ver que o outro é tão ser humano quanto elas mesmas. Daí provem esse tipo de atitude bárbara.

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  2. Põe teu Rivotril (r) em dia mulher....

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