quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os idiotas pelo nome


JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Sou a favor de conviver com pessoas que pensam diferente. O dissenso é sempre mais instrutivo que o consenso, porque obriga a considerar o interlocutor. Nunca me importei  de partilhar espaços de discussão com quem pensa diferente. Mas há limites. O problema é que há por aí muita gente que não simplesmente não pensa.

Tem uns caras que, pela falta de leitura e incapacidade de sistematizar pensamento, simplesmente limitam-se a repetir slogans mal-amanhados. E aí não há diálogo possível. Porque o embate entre argumentos articulados e clichês papagueados é uma injustiça para quem se dá ao trabalho de pensar.
Pergunto. É possível debater quando as pessoas usam este tipo de “discurso”?

-       Vai para Cuba.
-       Bandido bom é bandido morto.
-       Bolsa Presidiário: é você quem paga.
-       Vai para a Coréia do Norte.
-       É de esquerda, mas usa iPhone.
-       Ficou com com pena? Adota um.
-       Esquerda caviar.
-       Escreve um texto sobre a Venezuela (esse é um adiantado mental que infesta os comentários aos meus textos).
-       Acorda, Brasil.
-       Agora tem até Bolsa Prostituta.
-       Esquerda burra é pleonasmo.
-       É de esquerda porque é um fracassado.

Há muito tempo estabeleci uma regra pessoal. Só vou a debate com interlocutores que respeito e que se esforçaram tanto quanto eu para formalizar pensamento (e isso, garanto, significa ler muito, comer mundo, procurar a dialética dos fatos o tempo todo). Mesmo assim ainda era capaz de admitir o convívio com opositores. Só que encheu o saco.

Qual o objetivo deste texto? Nenhum. É apenas para dizer que a partir de agora passo a chamar os idiotas pelo nome: idiotas.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Se o problema não é a falta de dinheiro, só pode ser a falta de gestão

POR JORDI CASTAN

Estamos tão acostumados a escutar a ladainha, acompanhada do choro das carpideiras profissionais, que acabamos acreditando que na administração pública nada funciona por que há sempre falta de recursos. Mas quando sobram recursos e as coisas tampouco funcionam é hora de analisar com maior critério o porquê desta incompetência contumaz.

No caso de Joinville, um caso interessante é o da iluminação pública. O excesso de recursos levou a administração anterior a “jogar dinheiro fora” (como é fácil mal gastar quando o dinheiro não é nosso). Foi feita a troca de todas as luminárias dos maiores eixos viários da cidade e de jogar no lixo as luminárias que até aquela data estavam funcionando perfeitamente. A troca de luminárias por outras de maior consumo não melhorou a eficiência energética, mas tentar explicar isso para um administrador público é como arar no mar. Havia dinheiro na conta da COSIP, então vamos gastar.

O jornal A Notícia, na coluna do jornalista Jefferson Saavedra, informou recentemente sobre os recursos arrecadados pela COSIP. “A COSIP tem trazido boa receita para a Prefeitura de Joinville. No ano passado, a contribuição cobrada na conta de luz passou de R$ 21,9 milhões para R$ 23,9 milhões. Dá e sobra para bancar a iluminação pública, despesa que fechou em R$ 16,3 milhões no ano passado (inclui manutenção)".

Como contribuição a Cosip não pode ser usada para outro fim que aquele a que está destinada. Mas qual é o objetivo de arrecadar R$ 5.600.000 mais do necessário em 2013? Numa situação que deve se repetir também em 2014. São recursos que saem do bolso do joinvilense e que acabam ou parados numa conta ou servindo para projetos dispendiosos como o da troca de luminárias na administração anterior.

Seria bom ver os recursos da Cosip direcionados a reduzir o custo da iluminação pública, a troca de luminárias por outras com leds, sem que isso represente desperdício de dinheiro público como frequentemente acontece. Excesso de dinheiro na conta não sempre é uma boa notícia para o contribuinte. O objetivo deve ser o de buscar uma COSIP justa e uma iluminação pública eficiente e econômica. A administração municipal não só erra ao não reduzir o valor da COSIP, erra também ao não promover uma política de redução energética que busque a eficiência.

Aliás a, ACIJ, entidade empresarial que o prefeito presidiu meia dúzia de vezes, tem feito da redução do consumo de energia e da melhoria da eficiência energética uma das suas bandeiras.  Quando se trata de economizar dinheiro dos empresários e de reduzir os custos para as indústrias o esforço vale a pena. Mas se o dinheiro for do contribuinte não há a mesma preocupação.

Uma vez evidenciado que no caso da COSIP há excesso de recursos e o serviço de iluminação pública e manutenção é terceirizado, a lógica deveria fazer deste um dos melhores serviços prestados ao joinvilense. Os dados da ouvidoria provam que não. Que este serviço é o campeão em reclamações.  “As luzes apagadas em postes em Joinville estão no topo das reclamações que chegam por meio da Ouvidoria da Prefeitura. Dos 12.518 pedidos feitos nos últimos sete meses, 11,2% foram sobre troca de lâmpadas queimadas ou estragadas.”



Voltamos ao início. Se nesse caso não há como alegar falta de recursos, a única justificativa lógica deve ser a da falta de competência. Portanto, se o caso é de incompetência, isso se resolve com gestão. Aliás, a gestão não era o mote da campanha? Logo aparecerão os comentários dos anônimos de sempre a dizer que ainda não deu tempo, que as criticas são extemporâneas. Que o homem precisa de mais tempo. Que as críticas viraram pessoais e outros chavões.  Oremos ao padroeiro dos incompetentes que parecem vicejar as margens do Cachoeira e entra governo sai governo permanecem firmemente agarrados as tetas do poder.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

A onda


POR MURILO CLETO

Existe um erro categórico na pressuposição de que os movimentos contra o que se consideram injustiças venham exclusivamente da esquerda. Mas é verdade, por outro lado, que ondas conservadoras só tenham aparecido em momentos de significativa transformação social, como a que se consolida desde a última década no Brasil. 

Em 2011, o país atingiu o menor índice de desigualdade social da história. Entre 2001 e 2011, o crescimento real da renda dos 10% mais pobres foi de 91,2%, ao passo que entre os mais ricos a ascensão foi de 16%. Desde 2003, a economia brasileira cresceu 40,7%; enquanto o PIB, 27,7%. O resultado? Uma melhoria considerável da situação dos domicílios. Em 10 anos, o Bolsa Família tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza.

Levando em consideração que o pior índice de igualdade social no país foi registrado em 1989, o avanço desde a instituição do Plano Real é mais do que surpreendente. No último ano do governo Sarney, a inflação acumulada chegou a 1764,86%, enquanto os 10% mais ricos do país detinham mais de 50% de toda a renda e metade do população dividia 10,56% dela. Mas se engana quem acredita que descende apenas da catastrófica gestão de Sarney este panorama assustador: como se sabe, o Brasil que primeiro fez crescer o bolo pra depois dividir esqueceu de completar a tarefa e, em 1976, o índice foi quase tão ruim quanto às vésperas da primeira eleição em quase 30 anos depois do regime militar.

O papel do Estado tem sido vital nesta atual guinada. Somente o Programa Bolsa Família é responsável por 13% desta redução da desigualdade, somada a 22% de outros repasses, incluindo aposentadorias e pensões. Apesar disso, mais da metade desta evolução na economia está atrelada à renda do trabalho, sobretudo o formal, que simplesmente dobrou desde 2004.

Apesar de ganhar ainda, em média, 40% menos, a população negra do país dobrou o crescimento da renda em relação aos brancos entre 2007 e 2010. Em 2001, 56% dos negros tinham geladeira em casa; em 2010, já eram 97%. Durante a última década, o acesso de negros à internet decuplicou. Em 10 anos, graças a política de cotas, triplicou o número de negros na Universidade. Entre 2002 e 2011, a renda das mulheres aumentou 68%, bem mais que o índice masculino referente ao mesmo período, de 43,1%, ainda que o desnível de gênero continue gritante. 

NOSTALGIA CONSERVADORA - Enquanto isso, uma onda tem tomado conta do país. É a que torce o nariz pra esse bolo que cresce e começa a se dividir ainda dentro no forno. Mais do que nunca, os veículos de comunicação estão tomados por uma reação nervosa diante disso. Inconformado com as políticas públicas do governo Lula, Diogo Mainardi deixou a Veja pra figurar entre os mais ilustres comentaristas da direita sofisticada no Manhattan Connection, exibido pelo GNT; Reinaldo Azevedo, outro ícone da rejeição a este movimento também migrou para a Folha de S. Paulo e a sua popularidade cresceu progressivamente; Rachel Sheherazade foi recentemente levada para a badalada seção Tendências e Debates do mesmo jornal para fazer um pout pourri sobre Cuba e o Primeiro Comando da Capital, passando pela Copa do Mundo e o Estatuto da Criança e do Adolescente, para justificar o seu posicionamento de "compreensão" diante dos "justiceiros" que amarraram um "marginalzinho" de 15 anos num poste do Flamengo; Lobão deixou de vociferar apenas no Twitter para ocupar as páginas da revista Veja e, dentre outras patacoadas, dizer que reclamam de tortura nos anos de chumbo aqueles que tiveram "umas unhazinhas arrancadas"; Demétrio Magnoli trilha o mesmo caminho quando se refere aos anos de chumbo como "ditabranda" e milita pelo fim da política de cotas.

Infelizmente, a onda não está somente nos jornais. Em Brasília, Aloysio Nunes quase aproveitou a esteira conservadora pra conseguir emenda na Constituição pela redução da maioridade penal. Nada menos que 93% dos paulistanos estão com ele, ainda que, nas estatísticas, os jovens sejam, na verdade, as maiores vítimas da violência. Somente em 2010, foram mortos 8.600 jovens no país. Em 2012, mais de 12.000 crianças foram vítimas de maus-tratos. Entre os adolescentes em conflito com a lei, apenas 8,4% cometeram homicídios. Na Fundação Casa, somente 0,9% deles estiveram envolvidos com latrocínio. Dos favoráveis à redução proposta por Nunes, 9% ainda defendem que a maioridade penal seja de 12 anos. No Congresso, tramitam 34 projetos que propõem mudanças na legislação sobre o aborto. 31 deles defendem o recrudescimento das políticas públicas sobre a autonomia da mulher na prática abortiva. É lá também que hoje um projeto de lei "antiterrorismo" figura entre as prioridades de uma lavra que se aproveita do clima de comoção nacional diante do descontrole do Estado frente às manifestações e criminaliza movimentos populares com critérios evasivos de jurisdição.

A onda não está somente em Brasília. Nas ruas, caseiros são espancados até a morte por serem confundidos com ladrões de celular e suspeitos de pequenos furtos amarrados em postes, assim como deficientes mentais pretos e pobres; professores de ensino superior ridicularizam passageiros que usam bermuda nos aeroportos; cobradores são chamados de "pretos safados" nos ônibus; "rolezinhos" nos shoppings são sumariamente proibidos, apesar da inexistente correlação alarmante entre a presença de seu integrantes nos espaços de consumo e quaisquer delitos; PMs praticam indiscriminadamente a tortura sobre os morros, enquanto comentaristas de portal exigem ainda mais violência contra bandidos

Enquanto a renda é redistribuída e recolorida, e o acesso a bens antes exclusivos de uma elite muito bem marcada torna-se cada vez maior, não parece muita novidade a onda reacionária que tem ocupado cada vez mais espaço nas ruas, aeroportos e jornais. No primeiro ano de Allende no Palácio La Moneda, no Chile, o aumento dos salários em relação ao custo de vida no ano anterior foi de 120%, em consonância com a triplicação na construção de casas populares, enquanto o boicote dos jornais era descarado e omitia escândalos de corrupção de governos e agremiações simpatizantes. 

Às vésperas de março, no Estado de S. Paulo, o general Carmelo Regis trouxe a solução para o incômodo manifestado pela onda a partir da última década de mudanças no Brasil: "As Forças Armadas continuam sendo a instituição de maior credibilidade no País, e isso se deve não apenas à eficiência, à noção de responsabilidade, ao trato da coisa pública, mas, sobretudo, aos valores morais que são cultivados em todos os seus escalões. A honestidade, a probidade, a disciplina e o empenho no cumprimento da missão são algumas virtudes que norteiam as Forças Armadas e que deveriam também ser exercidas pelos diversos mandatários dos governos de nosso país. O que, infelizmente, não ocorre." O Itaú já incluiu o evento no calendário. 

Desejo a todos uma ótima década de 60.

* Murilo Cleto é licenciado em História, especialista em História Cultural e mestre em Ciências Humanas pela Universidade Tuiuti do Paraná. Atua como coordenador municipal de cultura e professor do colégio Objetivo e do curso de História das Faculdades Integradas de Itararé-SP. Escreve para o blog Desafinado.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

RUDOCOP


Mudar de canal não muda nada

Quino, genial.
POR FELIPE SILVEIRA

É comum, ao criticarmos a imprensa ou a mídia, ouvir a sugestão “troque de canal”. Ela é válida, sem dúvida, mas não resolve nada. A imprensa – e a mídia – vai continuar sendo ruim, muitas vezes fazendo um desserviço à sociedade e tantas outras vezes ganhando dinheiro e poder com isso.

Mudar de canal ajuda, pois você está tirando audiência de quem faz errado pra dar pra quem está fazendo certo, supostamente. O problema é que nem sempre é assim. Os jornais do meio-dia, por exemplo, costumam ser inspirados naquele que tem mais audiência, mas com pitadas mais “populares”, o que também dá audiência. De olho nesse “ibope” popular, o primeiro copia esses concorrentes. E a coisa vai ficando cada vez mais ruim. Sorteios, concursos, matérias cada vez menos informativas,  nunca reflexivas, que visam estimular o consumo e dar status de celebridades aos apresentadores.

Mudar de canal não vai mudar a maneira com que a coisa é feita, e essa maneira tem reflexos na sociedade – e, assim, na vida de todos, inclusive daquele incomodado que mudou de canal. É por isso que as TVs e rádios são concessões públicas.

Vários fatores podem influenciar uma possível mudança na maneira como o jornalismo e a programação de TVs e rádios são feitos. Um público mais exigente – e isso tem a ver com a educação de modo geral – vai cobrar mais qualidade, que deve ser oferecida por profissionais mais preparados – e isso tem a ver com mais acesso aos cursos de comunicação, que devem ser melhores do que são atualmente. Esses profissionais precisam ser unidos, para cobrar e conquistar melhores condições de trabalho (salário, carga horária, diminuição da pressão a qual estão submetidos, tempo e segurança pra produzir melhor etc). E, claro, uma mudança na legislação para cobrar que as empresas ofereçam, de fato, um serviço público, e que não sirvam como peça de manobra de interesses políticos e financeiros.

Além disso, o que considero mais importante é a crítica. Mais do que um direito, criticar é um dever. Isso tem a ver, claro, com a questão do “público mais exigente”, mas não somente, porque essa também é uma questão de tempo. A crítica vai além. Entendo que é uma cobrança constante por mais qualidade, que deve ser estimulada interna e externamente. Às vezes é injusta, às vezes é dura e pode até desanimar. Mas isso acontece, em parte, porque estamos acostumados a evitá-la.

Jornalistas e profissionais da comunicação em geral devem estar abertos a ela, até porque parte do seu trabalho é criticar, direta ou indiretamente. Lidar de maneira inteligente com ela só ajuda a aumentar a qualidade do trabalho, mas para isso é preciso lidar com ela e estimulá-la. Lembrando que lidar de maneira inteligente também pode ser refutá-la.

Mudar de canal não é a solução.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Coronér!


18 meses sem licitação e querem culpar a população

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Foto: Rogerio Souza Jr/ ND Online

Um dos grandes desafios de Carlito Merss era fazer a licitação do transporte coletivo. Não conseguiu cumprir. Desde que o contrato das permissionárias Gidion e Transtusa foi assinado em 1998, todos sabiam que dentro de 15 anos se daria o vencimento do mesmo. Udo Dohler assumiu sabendo disto. Após um considerável tempo de mandato, comunicou oficialmente que não conseguiria fazer a licitação dentro do prazo legal, e uma prorrogação emergencial das permissões seria necessária. Semanas depois, um novo comunicado dava conta de que uma nova prorrogação será feita, para atender aos pedidos dos movimentos sociais de Joinville, principalmente a Frente de Luta pelo Transporte Público. A sensação das entrevistas oficiais do prefeito na mídia é a de que o povo foi o culpado, e não os 18 meses de incompetência (já com a data da primeira prorrogação) para a não-elaboração da licitação.

O jornal A Notícia do último dia 10 retrata com perfeição esta manobra, a qual parece ser um favor de Udo Dohler perante a população:

Um mês depois de ter prorrogado a concessão do transporte coletivo com as empresas Gidion e Transtusa até o meio do ano, o prefeito Udo Döhler (PMDB) admite que terá de ampliar ainda mais o prazo antes de lançar o edital para a contratação das novas empresas que irão operar o sistema. A justificativa para o atraso é o pedido do Movimento Passe Livre (MPL) de que sejam feitas pelo menos 14 audiências públicas para discutir o edital.

—Não vamos mais apressar as coisas, nem nesse assunto e nem na LOT. Se é para discutir, iremos discutir com calma. O MPL quer 14 reuniões, sugerimos fazer oito, mas se o objetivo é debater, iremos debater e levar todas as opiniões muito a sério. Mas com isso, só se descer o santo para conseguirmos lançar o edital sem esticar a concessão um pouco mais—, explica o prefeito Udo Döhler (PMDB).

Esta declaração do chefe do executivo municipal muito me estranhou, principalmente ao lembrar da lei federal que instituiu o Plano Nacional de Mobilidade Urbana (lei 12587/12). Neste documento está muito claro que todos os cidadãos possuem o direito de serem ouvidos no que diz respeito ao planejamento da mobilidade urbana municipal, conforme enciso II, art. 14 da referida lei. Ou seja: não é nenhum favor, é obrigação.

Entretanto, os 18 meses de incompetência da atual gestão (sem esquecer as falhas da gestão anterior) deveriam ser apagadas de alguma maneira. A situação mais cômoda, como sempre foi, é o jogo de palavras, muito bem articuladas pela equipe técnica que assessora as estratégias do prefeito. E a culpa caiu nos movimentos sociais, os quais apenas querem fazer a lei ser cumprida.

A tentativa de desmoralização dos movimentos é evidente e recorrente. Vale lembrar que o mesmo aconteceu (e acontece) com os movimentos contestatórios da nova LOT, costumeiramente chamados de "donos do atraso", etc. Agora continuam com a insinuação de que tudo atrasou por culpa dos outros, e não por estarem fazendo as coisas da maneira errada. Como se a atual gestão não soubesse dos preparativos necessários para se fazer uma política de transporte seguindo a legislação vigente, pois, afinal de contas, o IPPUJ está lá desde a década de 1990 para isso.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Cão Tarado não me representa!


Direitos Humanos, o que é isso?

POR FABIANA A. VIEIRA

Alguém lembra da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados antes da presidência do deputado pastor Feliciano? Acompanhou a discussão da demarcação de terras indígenas, a violação dos direitos humanos, as políticas de igualdade racial, o arbítrio do poder de polícia nas mobilizações sociais, a situação medieval do sistema penitenciário ou os planos nacionais de Direitos Humanos ou combate à homofobia?

Às vezes só um susto faz a gente entender melhor as coisas. Ao mesmo tempo em que lamentamos a experiência retrógrada e perigosa da religião invadir a seara da política e produzir verdades da crença contra a contemporaneidade laica, devemos reconhecer que o mandato Feliciano na CDHM despertou a responsabilidade que é preciso ter com pequenos e relevantes detalhes da vida política.

No caso, todos aprenderam com a experiência quase trágica. O PT abriu mão de presidir a comissão pela opção de comandar áreas estratégicas do parlamento.  Depois de um longo período liderando a CDHM os petistas resolveram brincar de outros assuntos. Os demais partidos conservadores que não tem nenhum interesse pelos direitos humanos lavaram suas mãos e a comissão foi parar na carteira de um partido pequeno, quase inexpressivo, mas dominado pela inflexão religiosa. O resultado não poderia ter sido outro do que a contradição explosiva entre o preconceito e as mobilizações sociais. O radicalismo sugeriu uma divisão social e o fomento do ódio, quase uma luta civil. Até aqueles que tratam a religião como uma manifestação legítima e necessária da fé, repudiaram a aventura de misturar as coisas e fazer do aparelho legislativo um palanque de teses fundamentalistas.

Ao querer tratar as relações entre o mesmo sexo como doença, o pastor presidente mostrou que a minúscula e ignorada comissão da Câmara dos Deputados poderia fazer grandes estragos em mãos erradas. Passamos a entender mais verdadeiramente que a atividade legislativa, fazer leis, dizer o que pode e não pode legalmente, é uma função que merece respeito. Mais do que a face costumeiramente exposta do proselitismo, da demagogia e da corrupção, características sempre associadas aos parlamentares, os políticos tem um papel social que pode impactar decisivamente na ordem das coisas. Fazer uma lei amplia um direito e inaugura novos direitos, novas práticas, novas etapas civilizatórias. Mais uma vez, pela evidência do erro, aprendemos que precisamos obrigatoriamente escolher bons e confiáveis representantes para fazer a boa política.

A CDHM é tão importante como a Comissão de Educação, de Seguridade , de Constituição e Justiça ou da Amazônia. Debate e delibera sobre questões fundamentais para o exercício da liberdade e para a dignidade da vida humana. Exigir uma agenda afirmativa para o avanço dos direitos humanos é só o básico.

O PT, maior partido do Congresso, que lidera a coalização governamental e dirige a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, agora voltou atrás e vai presidir a CDHM. Espero que agora a ordem das coisas volte ao bom senso e seja possível discutir com mais seriedade questões que tencionam o nosso cotidiano como a intolerância dos ruralistas contra a demarcação de terras indígenas, o comportamento hediondo de racismo nos jogos de futebol, a escravidão moderna  e destruidora do futuro representada pelo trabalho infantil , os mau tratos contra idosos ou as renitentes e violentas discriminações pela opção sexual e contra mulheres que ainda teimam em desafiar a igualdade e a liberdade de opção em pleno século 21.

Querer recuperar o tempo perdido por um erro é uma situação que todos passam e que raramente conseguimos atingir com pleno sucesso. Por isso, para que a Câmara evite errar novamente, basta humildemente aprender com os próprios erros e levar a sério o verdadeiro significado dos direitos humanos.

Também seria bem interessante que todos nós pudéssemos acompanhar com mais atenção e participação o debate realizado pelos nossos representantes, não só em plenário, mas principalmente nas comissões, sejam elas quais forem.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Eu, consumidor

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Na semana passada rolou uma coisa esquisita. Recebi algumas mensagens de pessoas que me acusavam de estar a ser inconveniente. Tudo porque achei que devia ser bem tratado no comércio local. Que ousadia a minha. Tem gente achando que devo ficar caladinho quando sou destratado? Essa estúpida inversão de valores causou alguma azia e por isso volto ao tema.
Ora, leitor e leitora, é o oposto. Não é o estabelecimento comercial que faz o favor de me servir. É uma relação comercial. Uma empresa oferece um serviço e o consumidor paga por ele. Isso implica tratar bem o consumidor e respeitar os seus direitos (porque eles existem). É assim em civilização. Quem não se antenou está com um atraso histórico de pelo menos meio século. Na sociedade de consumo, a palavra é do consumidor.
Para repor os fatos históricos, resgato aqui o discurso do presidente norte-americano John Kennedy, feito no dia 15 de março de 1962, quando finalmente foi reconhecida formalmente a figura do consumidor e a sua importância para a economia. Foi esse discurso que abriu caminho para legislações específicas que vigoram em todas as economias de mercado.
Eis parte do discurso do presidente dos Estados Unidos: “Por definição, o termo consumidor inclui a todos nós. Eles são o maior grupo econômico, que afeta e é afetado por quase todas as decisões econômicas públicas e privadas. No entanto, é o único grupo importante cujos pontos de vista muitas vezes não são ouvidas”. A partir daí, o consumidor passou a ter voz e garantias. Quem não ouviu ficou no passado.
Qualquer empresário - seja do comércio, da indústria ou de serviços - sabe que o seu maior valor é a marca. E a construção dessa marca exige que o consumidor seja tratado com respeito. Não é favor nenhum. É uma obrigação. Por mais que um empresário ache que o seu negócio vai bem e tem margem para descurar o serviço prestado ao consumidor, uma hora ele vai pagar esse preço. É a economia.

Uma informação importante. Na Europa, em muitos países os bares e restaurantes têm uma coisa chamada “Livro de Reclamações” (foto), onde os clientes podem registrar as suas queixas. Há três vias. Uma fica com o cliente, a segunda no próprio livro e a outra deve ser obrigatoriamente enviada à entidade pública responsável pelo setor. Os comerciantes temem tanto as reclamações que fazem de tudo para evitar o recurso ao livro. Ou seja, atendem bem.
Mas tem gente defendendo a ideia de que é normal o consumidor ser mal-tratado. Ou afirmar que quem não está bem que se mude. Ou dizer que é o consumidor que deve se adaptar à lógica do comerciante. Ora, o texto da semana passada falava de uma certa “patologia da normalidade”. Infelizmente, essa normalidade impõe uma mentalidade terceiro-mundista, como podemos ver em alguns comentários ao texto da semana passada.

O tais leitores podem achar normal, mas eu não gosto de sair de um bar pela porta dos fundos e sem qualquer explicação. Mas isso sou eu...