quarta-feira, 9 de maio de 2012

Abandono afetivo, alienação parental e o novo direito

POR AMANDA WERNER
Não basta pagar. Tem que ser pai. Foi assim que decidiu o STJ, na semana passada, ao condenar um pai ao pagamento de duzentos mil reais  de indenização por danos morais à sua filha, a qual alega ter sofrido abandono afetivo pelo pai.

Não é da pensão alimentícia que estamos falando. Para quem não paga pensão alimentícia a regra é clara: cana! A decisão acima é inédita, e ainda não prevista em nosso ordenamento jurídico. O pai foi processado por faltar com o seu dever de ser pai, de oferecer proteção, de imposição de limites, educação e afeto, essenciais para a formação da personalidade da filha.

O dever de educação não se confunde com o pagamento de mensalidades em escolas caras para o filho. Não há que se delegar a educação para entidades escolares, transformando o professor em único educador. A educação, o dever de guarda e cuidados é decorrência natural do poder familiar.

Esta recente condenação é um aviso claro aos pais que agem como se a única lembrança do filho fosse o compromisso do depósito mensal. O dever de pensão alimentícia é dever patrimonial, e nada tem a ver com os outros deveres da relação pai/filho.

No caso em questão, o pai afirma que vai recorrer da decisão, alegando que não teve mais contato com a filha por culpa da mãe, que o impedia de vê-la. O que creio, não vai colar, já que a filha o procurou por conta própria, já adulta, para estabelecer contato mais estreito.  Afinal, a validade da figura paterna nunca expira, e não tem sua importância diminuída com o crescimento da criança e do adolescente.

Mas com essa discussão surge outra situação envolvendo relação de família e lei, não menos contemporânea, a alienação parental. Você sabe o que é alienação parental? É quando o genitor, detentor da guarda (pode ser a mãe ou o pai), fala mal do outro genitor para a criança ou adolescente, ou ainda, impede ou dificulta o contato do outro genitor com o filho. Ou, apresenta falsa denúncia contra o genitor.

Alguém já viu isto acontecer? Pois bem. A alienação parental já está prevista na Lei 12.318/2010 e pune o genitor detentor da guarda, avós, ou ainda quem tenha a criança ou adolescente sob sua autoridade, que provoque interferência na formação psicológica da criança, repudie ou cause prejuízo ao vínculo com o outro genitor.  Ou seja, quem infringir a regra pode até perder a guarda do filho.

O que de fato aconteceu, recentemente, aqui em nossa cidade. Foi em Joinville o primeiro caso de destituição de guarda por alienação parental do Estado. A criança em questão foi acolhida por instituição onde sofreu processo de desprogramação, que é o acompanhamento com terapia psicológica intensiva, para iniciar do zero o convívio com o genitor preterido.

O termo desprogramação me fez lembrar das profecias de Aldous Huxley em seu “Admirável Mundo Novo”. Na hipotética sociedade do futuro, o conceito de família não existia. E o homem caminhava para a sua morte como indivíduo, para a sua desumanização.

O direito moderno, com suas recentes decisões e novos valores, como a solidariedade, o consenso, a participação e a integração, mostra um caminho inverso às previsões de Huxley, onde se entende o homem com todas as suas variáveis, e dá a devida importância à formação do indivíduo, estabelecendo diferentes normas de convívio diante dos novos cenários.

Afinal, não basta ser pai… tem que participar.

12 comentários:

  1. Muito bom o seu texto .. Concordo plenamente que realmente não basta ser pai, mas deve ter a obrigatoriedade de participar no desenvolvimento dos seus filhos ... Em meio a inércia dos nossos deputados, nenhum politico teve a iniciativa de criar uma lei assim, precisando da posição do STF para ser julgado algo que a muito tempo vinha sendo discutida no meio jurídico ...
    Quantos pais já cometeram esse tipo de abandono em nosso país ... Agora, essa prática está com os seus dias contados ...

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    1. Emerson, obrigada pelo comentário. Mas a indenização por abandono afetivo ainda não é regra. Com a recente decisão do STJ vislumbra-se uma luz no fim do túnel. Quem sabe, com essa referência se consegue aprovar o projeto de lei que tramita na Câmara e trata especificamente do assunto? Aguardamos na torcida!

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  2. Ótimo texto, parabéns!!!!

    Me fez relembrar um pouco a discussão sobre a proibição do aborto. Neste caso entende-se que nem o pai nem a mãe tem vontade de ter o filho.

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    1. Anônimo, obrigada pelo comentário! Aos poucos vamos caminhando. A questão do aborto ainda é controversa, creio que o assunto ainda demanda muitas discussões. Mas um dia chegaremos lá!

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  3. Concordo que esse Eh o caminho.
    Aqui na Suécia nao existe pensão quando os pais se separam. Normalmente as crianças moram 1 semana com a mãe e 1 semana com o pai. Me parece justo. Nao sei o que pode acontecer se um dos dois abrir mão da guarda, nunca ouvi nenhum caso, mas nao acredito que saia ileso. As leis aqui visam muito o bem-estar da criança. Se vc tiver um filho, morar com outra pessoa sem ser casada e vc falecer, a criança tem direito a metade dos bens. Eles ficamos em poder do estado até a criança fazer 18 anos. Se o cuidador quiser pode comprar a outra parte e o dinheiro fica guardado.
    Interessante, né.
    Beijos e ótimo texto como sempre.

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    1. Fernanda, não podemos esquecer de mencionar o abandono afetivo de pais presentes, o qual, estou certa, é mais prejudicial para os filhos. Tem muito pai e mãe por aí presentes somente de corpo. Delega educação, cuidados e guarda. Ou nem delega nada, mas simplesmente não está nem aí. Tem filhos como sonho de consumo, apenas para satisfazer a vontade de ter filho e tal.

      * Desse jeito vou querer morar na Suécia, estás me convencendo!

      Obrigada pelo comentário!

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    2. É verdade, isso é muito triste.
      Creio que deixa sequelas permanentes na contrução da identidade da criança.
      Apesar de ser muito difícil de fiscalizar, acredito no poder do estado. Informação, conscientização... enfim... pode-se gerar mudanças culturais.

      *E venha mesmo, pelo menos conhecer, tenho certeza que você vai encontrar a terra dos sonhos, como eu encontrei...rs... (exceto pelo clima, esse é uma b*ta..rs)

      Beijos.

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  4. Essa decisão do STJ me parece um tanto midiática e hipócrita. Não leva em conta as particularidades do pai, a história dele, se ele sofreu segregação dos pais, e se de fato, no começo da relação com a filha, não sofreu de fato alienação parental. E como disse Nietzche: "A exigência de ser amado é a maior das pretensões"

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  5. Pólvora Pura, obrigada pelo seu comentário! Na realidade a decisão do STJ leva justamente em conta as particularidades daquele pai. É um caso concreto e que só tem efeito entre as partes (filha X pai). Não vale para todos, não tem repercussão geral, não significa que será decidido assim em todos os casos. O mesmo STJ que acatou o pedido da filha poderá negá-lo em situação semelhante para outros filhos e filhas. Mas, sem dúvidas, abriu uma brecha, no mínimo para que o assunto seja mais discutido e amadurecido. Pode sim ter ocorrido alienação parental no caso em questão, isso deve ser melhor apurado. Também acho que não há meios para valorar o amor de pai, ou de mãe. Mas deve haver valor para mensurar o descaso dos deveres de pai, que são decorrentes do poder familiar.

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  6. Amanda

    A única mudança recente em relações de família que considero um avanço é o respeito a igualdade entre Pai e Mãe na definição da guarda dos filhos. Gerações foram prejudicadas em detrimento dos pais legalmente destinados a função de mantenedor e incapaz para criação.

    O caso citado resulta desse absurdo criando um maior ainda.

    Podemos supor que a senhora vitoriosa na questão demonstrou preferir uns mil reaizinhos a compartilhar o amor recíproco com seu pai.

    Onde estava a mãe que não buscou com seus meios fazer florescer este amor cuja falta causou tantos danos mensuráveis monetariamente?

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    1. Olá Dirk! No caso da decisão em questão, o ordenamento jurídico não está tentando impor amor, ao pai. A decisão é no sentido de dever de cuidado, de formação, transmissão de valores (não monetários). Não creio que alguém pode impor a obrigação de amar o próprio filho, ou, do filho amar o pai.
      Obrigada pelo comentário!

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  7. Esse Huxley é o Aldous? Se for, podemos então estar caminhando para A Ilha.

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