quinta-feira, 4 de junho de 2015

A Escola sem Partido e a Escola da Ponte


POR VALDETE DAUFEMBACK NIEHUES


A intenção apelativa daqueles cartazes exibidos nos protestos de 15 de março contra a pedagogia de Paulo Freire trouxe consigo reflexões para quem duvidava de que, um dia, fosse ler tamanha sandice expressa nas ruas. E por pessoas que certamente tiveram a oportunidade de acesso ao conhecimento de teorias pedagógicas e entender a trajetória da educação escolar no Brasil.

A Escola sem Partido, uma ONG encabeçada por políticos e empresários, acusa o grande pedagogo, Paulo freire, de disseminar em instituições de ensino uma “doutrinação política marxista” com a intenção de transformar o país em um modelo político-administrativo cubano. Seus líderes declaram-se intolerantes à política do MEC “que admite politizar a sala de aula”, ação que classificam como “bullying político” de professores comunistas e, por isso, protocolaram na Assembléia Legislativa do Espírito Santo o Projeto de Lei nº 867/2015, “contra o abuso da liberdade de ensinar”.


Sabemos que a escola não é e nunca foi um espaço neutro por se tratar de um lugar de socialização de conhecimento. Mas neste caso, o conceito “Partido” mencionado pela tal ONG tem a intenção de atribuir a partidos políticos, principalmente ao PT e ao PSOL, a articulação pedagógica que discute a sociedade brasileira sob o olhar crítico em relação à justiça e cidadania. 


Em um seminário transmitido pela TV Câmara, aduziu o presidente da ONG, que em Santa Catarina as escolas são orientadas pela “doutrina marxista”. Será que ele tem conhecimento de que neste estado a importância do ensino religioso prepondera às ciências sociais? Que legisladores desejam instituir compulsoriamente o uso da bíblia nas escolas? E que professor de história, deliberadamente, demonstra apreço por suástica e expressa sua preferência em sala de aula ao regime totalitário que destruiu milhares de vidas? Isso tudo não seria doutrinação ideológica? 


No Brasil, historicamente, a ação pedagógica escolar, por meio de seu conteúdo liberal tem atendido aos interesses de uma minoria, pois reforça a aceitação dos valores de uma sociedade de classes mantida pela exploração do trabalho. Esta pedagogia é um instrumento poderoso que se cerca de todos os aparatos políticos e ideológicos para que nada mude na relação ensino-aprendizagem, desde a indicação dos dirigentes escolares aos conteúdos do material didático. 


Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cada estado da federação e cada escola têm autonomia para elaborar o seu Projeto Político Pedagógico de acordo com a realidade local, tornando-se um instrumento que estimula a participação da comunidade na educação escolar. No entanto, por sermos herdeiros de uma sociedade autoritária e que ainda não descobriu os efeitos positivos da participação democrática no processo educacional, as escolas que buscam a participação efetiva da comunidade na elaboração deste instrumento pedagógico, apesar de inúmeras experiências, tem pouca visibilidade e expressão nacional.

 
Nas décadas de 1980 e 90, sob inspiração de Freinet e de Freire, algumas escolas se dispuseram ao desafio de se orientarem pelo caminho pedagógico da autonomia dos sujeitos. Tive o privilégio de fazer parte de uma dessas escolas e posso garantir que, além do desenvolvimento do espírito humanista e da autonomia para resolver situações cotidianas, nenhum de seus alunos, inclusive meus filhos, se tornou comunista. 


Recentemente a Rede Globo elogiou a experiência educacional da Escola da Ponte, situada em Portugal, pela pedagogia utilizada na formação de seus alunos. Inspirada nos princípios pedagógicos de grandes educadores como Freire e Freinet, entre outros, esta escola influenciou toda uma geração de cidadãos politizados.


Mas como lideranças e instituições de direita têm o hábito de ser bipolar, assumem um discurso de acordo com as convenções do momento e, assim, encontraram em Paulo Freire um elo entre Brasil e Cuba. Ora, se instituições de ensino têm o poder de transformar um país, por que o Brasil é comparado a Cuba e não a países europeus, já que estes têm experiência de ações pedagógicas democráticas e autônomas sob orientação de teorias reflexivas?  











2 comentários:

  1. Isso, continuem com a pedagogia de Freire e a ideologia Marxista dos professores de História para mantermos o nosso elevadíssimo nível de educação.

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  2. Pelo pouco que conheço Paulo Freire é o que a educação brasileira está precisando mesmo.

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